domingo, 27 de dezembro de 2009

UMA NOITE SÒBRIO

Hoje acredito que tenha sido o primeiro dia desde a vèspera do natal que náo estou bêbado a esta hora.

A primeira lembrança foi o aviáo descendo no meio de montanhas congeladas das cordilheiras dos andes. Montanhas passando ao lado do aviáo e tudo sacudindo. Me deu uma onda de pavor e me segurei. A tonteira também veio forte. Náo via a pista de pouso, nem vestigio da humanidade. Mas o Chile è assim mesmo, cheio de pegadinhas. De uma hora pra outra, estàvamos pousando na cidade. O bairro que estou è o Bellavista e tem gente de tudo que è tipo. Punks, clubbers, hippies, uma variedade infinita de gente bebendo nas mesinhas do lado de fora, na sombra das árvores. Náo è á toa que no final da avenida tem um zoològico onde vi pela primeira vez uma pantera negra, um urso branco dormindo e uma porrada de bichinho interessante. Ainda um pouco bebado perdi tempo olhando como o canguru è estranho. Cheguei a ficar mal humorado olhando aquela aberraçáo. Como estava fora do normal náo achei a vista da cidade nada demais. As cordilheiras ao fundo náo se parecem em nada com as montanhas assustadoras que vi no voo. Do alto, uma metropole cinza, cheia de predios e poluiçáo. Demorei a entender o que a cidade tinha de encantadora. Acredito que seja a limpeza, a organizaçáo e a simpatia dos chilenos. Por falar nisso como sinto saudade das brasileiras. Todas as chilenas parecem um jogo de totó, pequenas e todas com a mesma carinha de fuinha. A primeira noite conheci uma brasileira e bebemos todas com um casal de chilenos. Nesta mesma noite fui rodeado pelas mini moças chilenas que dançaram a dança da manivela comigo. Eles adoram esta merda aqui.

Ontem acordei de ressaca e estava me sentindo meio inutil. Ainda náo havia conhecido nada. Piorou quando cruzei o caminho de quatro cariocas que também estáo viajando e váo para buenos aires no ano novo. Passei o dia falando besteira e, tirando a feirinha e a santa no alto do morro, o dia se resumiu a maior noitada atè agora. Me recordo que estava trancado numa dispensa da casa de uma chilena que os tios moram em miami. Cada menino estava em um lugar da casa. Havia tambem um motoqueiro que nos seguiu e entrou na casa, o irmao da proprietaria e um monte de outras pigmeus de santiago. Cheguei no hostel pronto para o café da manhá.

Hoje paguei o preço do desapego ao meu roteiro. Náo irei conhecer a casa de pablo neruda. As duas estavam fechadas hoje e estaráo tambem amanhá. Por isso abandonei os cariocas perigosos e fui para viña del mar e valparaíso. Vi o Moai original, troquei uma ideia com a chilena mais gostosa que vi até agora. Inclusive esta me mostrou um video dançando reggaton em casa...aiai...mas o que realmente importou foi tomar banho de mar no oceano pacifico. fiquei muitissimo feliz. Comprei uma toalha e pulei no meio da galera na praia, um programa tipico de domingo deste lado de cà da américa tambèm.

O que realmente me impressionou foi a cor do cèu de valparaìso. A cidade respira uma decadencia e uma nostalgia impressionante. Uma mistura de cidade do Porto, Cuba e Centro do Rio que è interessantissimo. O Azul do cèu, o rosa do sol se pondo e casaróes decadentes, com pessoas de uniformes e roupas sociais que parecem esquecer que estamos no século XXI. Náo é um parque, náo è pra turista ver. A cidade è realmente assim, por isso impressiona. Náo è a toa que Neruda escolheu ser enterrado aqui.

Voltando pra casa, com as pernas doendo e muito frio (aqui faz calor pra caralho de dia e o mesmo caralho de frio de noite), encontrei os cariocas que vieram me buscar. Alugaram um carro e vamos amanhá conhecer um glacial bem cedo. Por isso hoje serà a primeira noite que irei dormir sòbrio. Isto è, somente se a belga que està no computador do meu lado náo quiser tomar a saideira de pijama em algum lugar.

hasta lluego!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O QUE VAI E O QUE FICA

O QUE VOU DEIXAR EM 2009

10 – o motor de arranque do meu eco-escort que me deixou a pé no motel.
9 - O soco que eu quase tomei por ciúmes de um ex da moça que eu quase namorei.
8 - O email que recebi junto com as faturas do cartão de crédito dizendo que eu estava sendo demitido.
7 - A venda da casa de praia onde fui batizado, criado e apaixonado, vendida e futuramente demolida.
6 - O dia que ela me beijou sem gosto e percebi que havia me apaixonado sozinho.
5 – O deboche da mulher da imigração em Dublin não entendendo meu inglês de merda.
4 - A total distância entre as minhas angústias e meus amigos do peito.
3 - Os estragos que um coração partido foi capaz de fazer com a minha mãe.
2 - Minha labirintite que não é labirintite, nem fígado, nem frescura e não me deixa.
1 - A minha total incompetência em conduzir relacionamentos amorosos.


O QUE VOU LEVAR PARA 2010

10 – A popularidade e reconhecimento que minha banda conquistou junto a músicos e público.
9 – O autoconhecimento, paisagens e titulo de cidadão do mundo que meu mochilão me deu.
8 – A proximidade de parentes queridos e fundamentais para o meu equilíbrio emocional.
7 - O título do mengão que me fez chorar e os prêmios em propaganda que fizeram meu salário aumentar.
6 – Manjericão, carne seca, cerveja guinness, azeite e outras novidades que surgiram no paladar.
5 – Os novos colos de mãe e ombros amigos que surpreenderam quando o bicho pegou.
4 – Acampamento, baseado, sexo selvagem e outras maluquices que queria experimentar.
3 – Minha irmã virando adulta e minha afilhada deixando de ser criança.
2 – Os olhos verdes, as tatuagens e o piercing que fizeram meu coração sambar.
1 – A conquista da individualidade e a restituição do desejo de não mais viver só.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

FUGA

Meu bem arruma a mochila / que o tempo faz preguiça.
Te pego de jeito na pista. / O dia só para quando enguiça

Avisa pra ela não ligar/ (segunda )é feriado nacional
Avisa pra ela não esperar/ com rabanadas no natal

Com polegar pro alto tudo se dá jeito/um sorriso, um beijo e um queijo
Saber do predicado menos do sujeito/um risco pra cada desejo.

Toda rua, toda lua. Casais e breguices de amor.
Toda crua. toda tua. Segredos na orelha com a flor.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

DIA DE CÃO

Um cão sem dono fuxicava o lixo com o nariz. Macarrão com areia e arroz azedo grudavam em seu bigode duro. Não era fome, talvez tédio. O cão procura desafios pra seguir em frente. Antes de partir sente no quadril a pancada forte que vai direto nos ossos. O susto o faz recolher o rabo e saltar de banda, fugindo da vassoura teleguiada. “To cheio desta merda de lugar”. Certamente pensou.

Dali se via o infinito de cimento. Pistas, postes e fios sumindo no horizonte. Foi pra lá que o cão vadio andou. Sem parar, sem parar. Os centros urbanos, tumulto de gente pra lá e pra cá sempre o atraiu, seja pelas porcarias caídas no chão ou para ver a calcinha das senhoras que passeavam. Gostava das gordas peludas, mais velhas, que deixavam seus pentelhos vazando para fora dos elásticos. Lembrava de suas cadelas. Mas hoje não. Passou direto do calçadão e feira livre, pegou a estrada e viu a noite chegar, os faróis arregalarem seus olhos e a lua o desafiar. Uivou pra ouvir seu próprio eco. Só o silêncio. Algumas noites nem os ecos querem conversar.

Andar sem rumo só é terapia para quem não foge de si mesmo. Quando mais se afasta, mais está próximo de seus medos e da convivência insuportável de seus hábitos. Coçar a orelha com a pata de trás e lamber a caceta antes de dormir eram repetições involuntárias, irritantemente impossíveis de mudar. Naquele dia o cão andou entre os carros atrás de emoção mas o domingo de sol à pino trouxe motoristas idiotas para a rua, com suas crianças gritando sentimentos vazios atrás do vidro. Fugiu para não ser adotado. Enfim encontrou um banco de cimento onde um mendigo dormia exibindo uma bunda suja pelo rasgo da calça e ia acomodar-se ali se não fosse por uma cosquinha na barriga. Conhecia bem a fome e não era nada disso. Pareciam borboletas soltas dentro de suas tripas. Foi subitamente tomado pelo desejo e seus sentidos despertaram de uma letargia infinita. O Cão havia se apaixonado pelo frango assado da padaria.

Ele o via girar, em seu movimento harmonioso e gracioso. Mordia os beiços e imaginava orgasmos com dentes cravados em suas cartilagens cada hora mais moles. Queria passar a língua nas suas coxas abertas e maltratar suas asas curvando-as para trás. Imaginou planos, passeios pelo campo e constituir uma família. Ele e sua peça deliciosa, que dormiria do seu lado, sempre disponível para saciar angústias e perversões. Mas o cão não conhecia a personalidade desta nova fixação. Alguns frangos nascem para estar na vitrine e não para serem amados. Basta admirá-los. Se sentem importantes demais para satisfazer a um só. Querem voyeurs, dedos apontando para si e brigas pelo seu rebolar maquinado. O cão arriou suas patas, o corpo magro e permaneceu deitado, sem ligar para o vazamento da caixa de esgoto que umedecia o chão. Nem comia, nem cagava, nem dormia. Fez da rotação da máquina suada sua obsessão de vida. Mas quando um homem de braços roliços e relógio falsificado pegou seu frango molhado de gordura pelo espeto e o esquartejou entre amigos no balcão ele teve a certeza de que os vira latas são criaturas esquecidas por Deus. Lembrou com raiva da cara de satisfação do seu amado, entregue aos encantos da própria vaidade, arreganhado na mesa posta. Nada poderia fazer. Sabia que cedo ou tarde isso aconteceria. Era vitima e culpado de seu próprio sofrimento.

O caminhão de entregas até freiou mas os dias não teriam o mesmo gosto nem o mesmo cheiro depois daquele dia de cão.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O DIA QUE MEU CORAÇÃO PAROU

Notei bem depois, quando assustado com o pesadelo não senti os batimentos. Só o silêncio sinistro na alma. Catei o pulso, o lado esquerdo do peito, nada. De tão resignado que estava voltei a dormir já sabendo ter morrido um pouquinho.

Contrário às expectativas, acordei normal, no terceiro toque do despertador. Sentia a respiração longa e pesada. Sem o tum-tum-tum por dentro, outros órgãos sobressaíam em seu funcionamento maquinado e ruidoso. Somos molhados por dentro e a cada saliva que escorre pra dentro o pâncreas, fígado, intestinos e companhia se mexem como o torcer de pano de chão. Mas as evidências não me convenciam até perceber a verdade sobre minha nova condição cadáver. Letreiros, automóveis e toalhas na janela. Parei de enxergar o vermelho e algumas outras cores, como lilás e abóbora, que só vemos enquanto temos alegria no ser. O céu também não contribuía tapado em nuvens cinzas franzindo suas sombrancelhas sobre a cidade. Minha pele estava rígida e fosca; a morte era uma realidade. Sem consegui tirar a roupa velha que durmo, nem escovar o dente, fui assim mesmo trabalhar.

Os emails se acumularam durante todo o dia e minha incapacidade de articular duas frases decentes foram mal vistas pela diretoria. Aleguei falta de circulação no cérebro. Bobagem. O business não tem coração. Fui convidado a me retirar enquanto outro já aguardava entrevista na sala de espera. Ganhei tempo para organizar meu próprio falecimento que deveria acontecer dois ou três dias depois. E assim aconteceu. Duro, com a boca aberta virada para o céu e os olhos arregalados, ouvia a grama do jardim do Palácio do Catete crescer enquanto recordava com paciência as últimas horas. Escolhi este lugar para morrer porque era por ali, entre os patos e crianças, que caminhava cantarolando a cada segunda feira que vinha pensando nela. Os dias eram frescos e iluminados e terminavam sempre com um bonito pôr do sol e uma ligação despretensiosa. Ela sabia me fazer rir e suas opiniões tão cheias de opiniões me deixavam mais vivo, seja por concordar ou por odiá-la por isso.

Daqui ha um tempo vão me descobri aqui, por enquanto o vigia somente me observa como um bêbado inválido entre tantos. E quando isso acontecer vão tentar encontrar culpados e chegarão até seu nome, sabendo que foi ela minha última companhia. Mas não estarei vivo para dizer que me suicidei. Ao querer a moça mais bonita sabia que estava provando do meu próprio veneno, outrora capaz de fazer muitas vítimas. Eu quis, mesmo assim. E o dia chegou: ela se foi, confusa entre suas inexperiências e avidez, porém soberana nas decisões. Me deixou um sorriso seguro de quem tem muito mais vida pela frente para acertar e errar. Suas malas já estavam prontas para pegar a próxima carona. Morrerei aqui, com meus medos e paranóias, sem agradecê-la pela paciência e noites que se tornaram manhãs, sem provocar o último orgasmo nem recontar as últimas piadas.

Não é a primeira vez que essa esquisitice acontece mas sempre me tornei adubo de mim mesmo, graças a capacidade de renascer de um cafuné ou mimo inesperado. Neste dia que marca o fim do inverno, temo não conseguir a proeza de voltar a ser gente. Temo ter morrido de vez.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

A VISTA

Despertei com olhos que não eram meus. Verdes e com olheiras. É muito estranho acordar com a sua cara sem os olhos. Ele tinha mais lágrimas que o meu, piscava lento e tive que lavá-lo várias vezes para estar limpo de verdade. Cheguei afobado no trabalho e ninguém notou. Meus colegas que almoçam comigo seguiam em sua normalidade e o motorista da condução também. Cheguei em casa para verificar com calma. Eram maiores e tinha cílios mais claros. Comparei as fotos, tirei novas, troquei de espelho. Nada. Novo dia e eu com dor de cabeça. Os olhos que ganhei eram sensíveis a luz e sofri com o sol na janela, por isso passei o dia de óculos. Abandonei o expediente e fui almoçar com minha mãe. Reclamou do dinheiro, do marido, da idade. E foi embora sem me dizer nada. Tive dúvida sobre minha lucidez. Liguei para meu amigo e fiquei com mais dúvida ainda. Veio sábado, veio domingo e decidi ir ao médico. O oftamologista disse que era raro acontecer mas a íris poderia mudar de cor. Não acreditei naquele babaca interessado nas comissões da indústria farmacêutica e saí sem pagar. Me tranquei em casa e meu cachorro me lambeu por compaixão. Para ele, só para ele, eu ainda era eu.

Logo notei que, junto com os novos olhos, também vieram as banalidades. Agora me despertavam atenção bromélias, estampas e diamantes. Pensei nos cegos, no glaucoma e chorei pela primeira vez. Sem perceber fui excluído do meu circulo de amigos e encontros de família. Vez em quando, um ligava. Eu havia desistido de contar esta história mas também não queria contar outra. Ficava mudo e desligavam. Foi nessa época que usei drogas sintéticas pela primeira vez. Pensava em enganar meus olhos ou a mim. Uma alucinação contra a outra. Via tudo azul, depois tudo verde, depois desbotava-se. Numa das viagens acordei todo molhado com um lápis na mão feito punhal. Ia enlouquecer. Decidi refazer meus passos do dia anterior.

“Oi, o senhor viu por aqui um par de olhos castanhos bem normais?”. Melhor não perguntar nada. Sentei no bar tentando lembrar. Mesma mesa, mesma cerveja, mesmo garçom. Veio na lembrança uma certa euforia, mas passou. O músico com teclado e seu som sintético tocava “Azul da cor do mar”. Será que havia relação?Segui a pista e fui andando pela calçada que costumava me equilibrar no paralelepípedo. Passei pelo escritório, pela livraria e pelo banco. Procurei minha vista nas esquinas, nos lixos, queria entender. Mas acabei esgotado com a minha própria incapacidade e fui para casa. Pensava que, ao procurar os olhos havia perdido também o amor próprio. No metrô senti alguém me olhar. Muito. Hesitei em saber quem era. Desci ali mesmo. Pela primeira vez neste quase trinta dias, aquele arrepio que antecede um olhar me afrontou. Segui até minha casa, passos apertados, olhando para todos os cantos pois sabia que, seja lá quem fosse, estaria perto. E o avistei se esgueirando entre os carros estacionados. Eu parava, ele abaixava. Na esquina eu corri. Faltavam dois quarteirões para chegar. Sentia muito medo. Seria uma alucinação?Seria eu mesmo me perseguindo? Não consegui abrir o portão porque nestas horas a luz da rua está sempre apagada ou a fechadura está dura demais. Ele se aproximou tanto que decidi virar de súbito. Estava a menos de 300 metros. Tinha um saco de papel na cabeça com dois furos para olhar. Não falou nada, mas estendeu a mão para mim. Calma, calma. Era uma criatura estranha, pequena, e só depois vi que suas roupas estavam velhas, com aspecto abandonado. Era uma mulher. Levantou sua máscara improvisada e entendi tudo. A conhecia muito bem. Morava ao lado e sempre a quis mas nunca tive coragem para falar. Saíamos para o trabalho no mesmo horário e eu sempre corria para estar em seu caminho. Dia após dia cruzávamos e nos desejávamos em silêncio. De tanta insistência acabamos trocando nossos olhares. Para sempre.

terça-feira, 14 de julho de 2009

PEQUENOS CONSELHOS PRELIMINARES PARA SUA VIDA ADULTA

Viaje neste mundo de possibilidades criança, sem querer tatear de fato o que é a vida adulta. Sinta seu cheio mas não a coma, ouça seu canto mas não o repita. Seus pés cresceram e sua bunda também mas mantenha o olhar tão ingênuo e desprotegido quanto aquele que nos deu. ainda na incubadora, ainda sem saber se ia viver.

Como padrinho te preparo para o resto que virá, a primeira curva da sua vida em Indianápolis, fazendo volta em torno de si. O destino é assim, uma eterna repetição de atos com ou sem vontade. Verá sua libido crescer e seus pêlos também. Descobrirá cedo que conquistou seu espaço no pantheon mas precisa comer muito feijão e saber de assuntos que não te interessam se quiser girar conversas na cozinha sem ser interpelada por ter idade de menos. Verá a revolta sem causa nascer em metástase em seu estômago que vervilhará ao chiado de sonrisal. Furará sua orelha, seu corpo, negará seus cabelos e banhas, descobrirá que o verdadeiro monstro do armário está no espelho da porta. A dança dos hormônios também fará monstruosidades com seus amigos, que terão bigode ralo e ereções matinais, menstruação e calcinhas de algodão com ursinhos apaixonados.

Ah, menina grande, como eu gostaria que soubesse o que existe depois da infância sem precisar te trazer até aqui, nesta vida ritmada pela condução que passa às sete e o almoço de uma hora onde engulo minhas ansiedades e pago as contas. A nostalgia não vai tão longe, basta voltar a ser calouro, perfumado e vagabundo. Não te imponho uma formação de doutora e sim de cidadã. Encontre o que gosta e tenha sempre sangue nos olhos para conquistar, dominar, sem modéstia, seu espaço. Não se incline pela facilidade e estabilidade dos empregos sem sal e pelo medo de terminar seus dias velha e pobre. Terá tempo de sobra para cativar pessoas e lugares, dedique-se a isso. Não se envergonhe pela sua ambição nem pelo orgulho ou vaidade. Todo mundo tem o lado ruim escondido na caixinha de remédios.

Também fará bem não se decepcionar por não ter a seu lado as pessoas queridas que gostaria. No futuro estarão aqueles que restaram cujo os pais não foram morar em Manaus ou os que não sucumbiram a religião ou a vícios. Com seus contemporâneos terá a cumplicidade da geração e se arrependerá de não ter dividido a merenda com aquele remelento que agora é o bonitão e gerente, presidente, chefe de gabinete do seu coração não correspondido. Para isso felicite a todos, inclusive a menina que vem aqui em casa te trazer convites de aniversário mesmo que este tenha a data errada escrita à mão e não esqueça de falar com a outra que cresceu rápido demais e não quer mais brincar de pique com você.

Mas ser grande tem suas sensações que precisa aproveitar. Se antes era dominada pelo instinto de se alimentar agora também haverá o de procriar. Tome as medidas necessárias para não adiantar filhos não desejados mas não torne o sexo um tabu. Transe onde, quando e com quem quiser, gozando da sua irresponsabilidade sob medida. Também cometa loucuras por amor, mesmo que seja a si próprio, como pegar caronas rumo a próxima cidade, pular na piscina do vizinho escondido e entrar em festas sem conhecer ninguém. Depois de um certo tempo menina, ficamos bobos demais. Primeiro tentamos legitimar nossa diversão. Se você gosta de descer o gramado no papelão, vira snowboarder, se gosta de subir na árvore, vira engenheiro florestal, mas como a infância não é palpável, deixamos de lado as brincadeiras de rua e o riso bobo: é assim que a infância se vai.

Neste momento, compartilhamos as incertezas pelo amanhã e por isso fico feliz de ter você ao meu lado. Chegue aos quinze pois estou perto dos trinta mas continue revezando comigo a brincadeira com o cachorro e não deixe de beber água no gargalo das garrafas. Posso não estar perto a cada peça que encontrar do seu quebra-cabeças mas estarei aqui para aplaudi-lo assim que você terminar.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

CONFISSÕES ERÓTICAS SOBRE A PRIMEIRA VEZ

*Baseado no relato de uma amiga confidente, bêbada e feliz.


Pra mim é orgia, mas ele disse que não. Chama de experiência madura ou sei lá que porra é essa. Começou como brincadeira de cócegas, cochichando sacanagem mas acabou falando sério. Saí pela direita.

Nosso namoro não anda bem nestes meses mas já teve sua glória. Sinto que sua ereção mudou. Antes metia afoito, eu nem aproveitava tanto. Depois passou a ser mais paciente e me deixou à vontade, e, de um tempo pra cá, temos apenas transado uma vez por final de semana. Pra mim é pouco. Os últimos dias que me fez gozar de verdade foram aqueles que antecederam o anal. Toda aquela expectativa que criei o fazia bufar, me pegar com força, me subjugar, coisa que adoro. O anal mesmo, detestei. Fiquei tensa. Lembro que vi algo sobre usar o chuveirinho na revista mas o dia me fugiu o planejamento e realmente tive medo de sujar tudo. Ele gostou. Disse que era apertado, quente, não sei o que lá, e nunca quis de novo. Só bêbado. Acho que os homens querem enfiar no cu apenas para conquistar, como fincar uma bandeira, no mais é só um buraco. Sujo, convenhamos.

A proposta me pareceu absurda pois nunca havia pensado em dividir meu namorado com ninguém, ainda mais com a amiga dele. Só não brigamos porque já a conheço e sei que não faz seu tipo. É gordinha, tem espinhas, estria na bunda branca e meio quadradona. Ele gosta de mignon, como eu, não picanha como ela. O que me argumentou era que gostaria de transar comigo e deixá-la com vontade, contando com minha ajuda pra excitá-la. Achei tentadora a proposta vista por este lado tão sádico e aceitei. Por mais que não desse importância, não saía da minha cabeça a imagem daquela gorda, esparramada no sofá, se masturbando e fazendo cara de tesão. Por outro lado, as tentativas com seu membro mole me faziam sentir a pior.

No dia combinado já havíamos brigado tanto que pensei em desistir. Mas ele parou seu Uno preto antes do horário combinado no portão da minha casa e buzinou. Havia comprado uma calcinha ousada, vermelha, mas lembrando da presença de outra fiquei insegura e acabei optando por uma básica mesmo. Que saco a presença desta vaca!Seria tão bom tê-lo de volta, sem a dança do maxixe. Este não é o homem que eu conheci. Nos levou a um pé sujo perto de sua casa, sem cerimônia. A amiga, que me foi apresentada numa das festas de faculdade, até estava muito bonita, usando todos os artifícios de sedução disponíveis no mercado. Francamente ela errou o tom e a roupa estava demais para o ambiente, mas, a esta altura, quem sou eu?Uma mulher que precisa doar metade do seu homem para tornar sua vida interessante. Bateu uma tristeza, tão evidente quanto a tentativa dele de nos deixar à vontade, por isso fui ao banheiro enquanto repetiam suas histórias de sala de aula que eu já não agüentava ouvir e rir educadamente. Tava lá no espelho a verdade, sublinhada por rugas de expressão que a maquiagem não escondeu. Falava sozinha quando minha - quase - rival entrou. Em silêncio, urinou de portas abertas, de cócoras, evitando o contato com a tábua da privada, me olhando distraída. Ainda se secando com o papel ordinário, cortado em tiras, disparou:

- Ele ta achando que vai comer a gente. Coitado.

Como uma mulher pode compreender tanto a outra?... Era tudo aquilo que eu gostaria de ouvir. O castelo de areia, o harém daquele cafajeste se desmontou. Trocamos confidências e rimos da possibilidade absurda numa cumplicidade que só o espelho e o batom podem explicar. Soube ali que nunca haviam transado e tudo não passou de uns beijos arrependidos.Voltamos triunfantes, de cabelos soltos e penteados, rebolando sem notar e chamando atenção dos rapazes reunidos perto do poste. Não combinamos nada mas invertemos o jogo, seduzindo o pobre diabo, cujo pau se apertava na bermuda estampada por coqueiros e ondas. O instrumento eu conhecia bem, mas, sem que ninguém notasse, o fitei e me excitei no primeiro esbarrão de seu braço, alheio ao meu. Sentia com as rédeas da noite nas mãos. A gorda contribuiu com o clima dando agulhadas e deboches. Não se tocaram em nenhum momento, eu vigiava.

Tomávamos um vinho barato pois não há nada melhor para temperar uma noite vadia. Mas aquela birosca, de garrafas multicoloridas, não foi capaz de saciar nossa sede. Foi ele quem sugeriu o motel. Eu tomei um susto, mas depois ri.

- Vai a merda. Com este pinto pequeno você não agüenta nem comigo.

Disse no susto e achei tão divertido, tendo de apoio a gargalhada da amiga. Mas os homens sempre possuem resposta quando o assunto é putaria. Enfiando a mão nas calças, colocou para fora e balançou aquela verga dura, escura, com veias saltando para fora, e a sacudiu numa banalidade de menino brincando com seu cavalinho. Vendo um homem com o membro na mão não há mulher que fique impune, visto que um silêncio tomou conta do carro, ao cruzar os pingos e a modorra de segunda de madrugada. Reprimi-o sem jeito e depois de algum tempo ele entrou abrupto no estacionamento que eu desconhecia. Parecia um posto de gasolina desativado ou algo assim. Saiu do carro no mesmo instante e disse algo sobre comprar bebida. Havia esquecido momentaneamente a minha nova amiga sentada no banco de trás que me surpreendeu ao cochichar no ouvido um assunto que poderia ter sido dito de outra forma mas que, tenho que confessar, não me daria tanto tesão. Molhei numa vez só minha calcinha mesmo tendo um ataque moral de levantar o corpo. Virei de frente a encará-la e a gorda me tocou os cabelos, sorrindo complacente e, se aproximando de súbito, beijou o canto da minha boca, provocando formigamento na língua que a queria. Toquei-a pensando em afastá-la e só a provoquei mais. Também não tinha forças e minha mão escorreu pela fartura de seus seios, que depois de expostos, arrepiaram-se no ato. Gostaria de ter um pau, que tocasse as coisas como se fosse minhas mãos, só assim teria controle e poderia sair tateando fissuras, mas não, sou uma mulher que, ao ser estimulada, sinto um puta tesão do umbigo ao joelho, ficando impossível determinar onde ela me tocou. Quando percebi já passeava com seus dedos úmidos entre as minhas pernas, numa precisão nunca sentida por mim. Deitei meu corpo acionando um botão do painel que passou a assoprar vento quente em nós. Foda-se. Ela encaixou a cabeça entre minhas pernas, agora completamente aberta e, pacientemente, pressionou sua boca carnuda e suas bochechas macias, enchendo os lábios com meus ralos pêlos pubianos. Ainda lembro de seus olhos e do constrangimento pois eram os mesmos que me buscavam no banheiro, querendo cumplicidade. Gozei quando ele se aproximava, revelando apenas uma silhueta ao longe, com o pesado garrafão de vinho nas mãos. Ele sentiu o cheiro, me viu ajeitar a roupa, ficar vermelha e virar para frente mas, estava tão imóvel, tão paralisada, tão desajeitada com a situação, que não tirei os olhos do retrovisor. O gozo me fazia querer mais. As mãos dela me procurando pelo canto da porta também. Impossível. Tinha sido descoberta, sido vencida, corrompido meus códigos morais. A cabeça latejava enquanto os dois riam e falavam besteira sobre qualquer coisa que passasse pela janela. O homem correndo da chuva, o gato que quase virou asfalto, tudo virou motivo.

Nunca mais aconteceu, óbvio. E o namorado também não resistiu a crise de identidade e talvez até esteja com outra. Estou solteira e evito qualquer intimidade ao me ver sozinha com amigas. Vou morrer sem dizer para nenhuma delas que tenho até hoje tesão naquela gordinha ou em qualquer outra que cruze meu caminho. Bom, pelo menos era segredo, até agora.

terça-feira, 23 de junho de 2009

COMPRAS E AFAZERES

Minha inércia e meu desapego material chegaram ao limite. Vim da Europa empolgado com uma sociedade inteira que realmente se importa mais com o “ser” que o “ter”. Além disso, sobrevivi com uma mochila dois meses e posso continuar assim: meia dúzia de roupas e muito menos quinquilharias tecnológicas. Mas foi a moça falante que viu “Ei, sua camisa ta furada”. Era a terceira em uma semana. Comecei a rascunhar a lista de compras e afazeres mas com o pesar que deveria também fazer a lista de dispensas. É assim com o coração da gente e tem que ser com as coisas também. Mas não consigo. Prefiro não ter a ter que abandonar depois.

Sinceramente tenho medo das listas. Todas as vezes que as faço não consigo executá-la. Bastam dois ou três itens concluídos e a sensação de dever – parcialmente – cumprido toma conta. Me perco em possibilidades e transformo equações exatas em barcos que navegam em mares infinitos. Se eu tivesse criado o mundo, ele não completaria o quinto dia e se tivesse criado os mandamentos, não passariam de conselhos rascunhados. Começo sem prestar atenção.

Primeiro meu carro, cansado de guerra, cheio de arranhões e gambiarras elétricas.O que fazer com ele? O Eco-Escort, como o chamo, tem andado manco, furando pneus e dando de lado. Nele habitam um pé de tênis, que tenho a esperança de encontrar seu irmão gêmeo, uma garrafa de vodka, para a festa nunca acabar, e um casaco para dias sem ninguém. O cd, que não funcionava, deu o ar da graça depois da joelhada de uma pequena mas voltou a se calar recentemente. Tento lembrar o nome dela para que possa repetir o golpe.


Vou direto às roupas, mais urgente. Um armário de adolescente me olha com seus bofes pra fora não suportando uma cueca. Tenho que eliminar algo. Ano passado tive a paranóia de ter que tocar com uma camisa nova a cada apresentação. A doidice passou mas me apeguei a elas. Essa do barbudo de óculos, foi a usada para as fotos no estúdio, fica. Essa listrada, deu sorte, fica. Mas a do ferro de passar foi presente, fica também. No entanto só tenho usado outras, lisas, mais agarradinhas ao corpo, aproveitando os dois quilos a menos que mantenho distraído. Melhor recosturar todas então.

Pulo as contas fixas da lista pois estas sei de cabeça, só não as pago sempre por puro masoquismo. Prefiro organizar os planos futuros, inspiradores. Morar sozinho?Um novo possante? Ou a viagem pela América? Mas, calma aí rapaz. Para fazer tudo isso eu não preciso economizar? Desanimo ao olhar o papel que pede minha atenção, implorando com seu espaço em branco um pouco de conteúdo. Mudo o foco. Começo rapidamente uma nova lista com tudo que fiz este ano. Caminho fácil pelo acampamento inédito em ilha grande, pela fantasia inspirada no carnaval e pelos tantos quilômetros em terras estrangeiras. Tive que voltar as montanhas de San Gotardo, lá nos Alpes, para avistar no horizonte o mochileiro curioso que sou e como posso fazer da minha rotina uma nova aventura. Pensando bem, vou deixar a lista pra lá. Muito melhor é encontrá-la dentro de mim.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

IMIGRANTE SENTIMENTAL

Meu dia dos namorados foi solitário e cansativo. Casais insaciáveis arrancaram meu couro e a aparelhagem da banda, me esgotou a paciência com sua microfonia de araponga descontrolada. Diferente de tantos finais de semana, onde gente saudável e disposta troca telefones e marcam planos para o dia seguinte, vi dois carros passando e uma chuvinha fina cobria a luz numa transparência de lingerie. Ligo?Não ligo?Quero?Não quero?Deixa pra lá. Segui minha sina de imigrante sentimental e fui me esconder no interior do Rio e no interior de mim.

Perdoem-me os amigos pois mentirei a todos eles se insistirem em perguntar sobre a viagem. Falarei sobre a beleza das flores, da energia renovada e dos amores de bolso que deixei por lá. Deturparei valores que gastei, quilômetros que andei e até mesmo a temperatura medida do lado de fora da janela. Só não me peçam fotos e nem busquem testemunhas pois ambas não existem. Meu avô dirá que viu um neto comportado, atualizado em sua sede literária e apto a ser o motorista da família. Minhas primas dirão que mataram a saudade do mochileiro, com histórias mornas pra contar e um saco de dormir cruzado no chão da sala. Meu colega de faculdade dirá que encontrou um cara deslocado, se sentindo velho no show com ex-crianças, tentando fazer de sua companhia um motivo extra para se sentir mais feliz.

O que valeu: Paçoca feita em pilão, crocante e bem batida por muitas mãos. Meu pai com bigode pintado a lápis, acompanhado das suas novas crianças e minha afilhada, desajeitada com a bola. Parentes que não são exatamente meus mas emanam sua sinergia para os demais. Dias sem grandes exageros etílicos.

Agora voltando pela rodovia, entediado da paisagem monocromática, tento não fazer um balanço sobre minhas decisões. Estico a perna para o lado antes que meu companheiro da poltrona ao lado do ônibus chegue. Estou sem saco pra mim mesmo. Mas o ipod também se cansou e arriou suas baterias visto que não tenho outra escolha. Sei que me arrependi de não levar a moça a tira-colo, de não dar chances e exclusividade a quem me quer bem. Ficaram sem dono o chapéu de caubói de brinde que ganhei um par, a maçã do amor pela metade, as frases bonitas das canções que cantei pra ninguém e a brisa gelada, que só existe para unir casais. Nestes dias penso: melhor que ser egoísta, fazer planos solitários e tomar rédeas do destino, é ter alguém para ser ainda mais egoísta com você.

“Oi?Qual é o número do seu assento?Poderia tirar a mochila por favor?Tudo bem, você mora aqui ou ta passeando?Gostou da festa?E o show?Você ta com sono?Tá quieto...”

- Você quer mesmo saber?

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O SOM QUE VEM DE LÁ

Na terra da laranja tu se espreme, se engarrafa o viaduto, ou quando chega a condução.
Bangu é quente pra caralho Santa Cruz é faroeste, Itaguaí eu nunca vi.
Esquina do pecado é uma beleza, alegria do bicheiro travesti e a igreja,
Prefiro ir pro bloco do Sereno, Água fresca, amendoeira, isso é samba de primeira.


Aqui todo dia chega gente, mas no fundo são parentes ou alguém que eu já vi
Festa do desterro tinha briga, santo Antônio tem garrote, procissão e pescaria
Na terra do vulcão é maravilha, a cachoeira e a trilha pra encontrar nova Iguaçu.
Domingo tem churrasco de alguém, mas se não tiver ninguém, todos tão no Grumari.


Uma hora pra chegar até o centro, de frescão é muito bom se não for final do mês
Quem vai ficar na pista leva o skate, half pipe, free style, o D2 já viu qual é
Calçadão e a bandinha massa, de pastel, caldo de cana, to porta do São Brás
Padeiro, pipoqueiro, troco pinto pelo ouro mas o carro da pamonha resolveu parar.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

DOMINGO NO SHOPPING

Comprei uma calça azul em Lisboa mas até hoje não sei se gosto dela. Quando recebo um elogio, acho que sim. Quando sou contrariado, acho que não. Mesmo assim fui com ela ao shopping porque havia beijado na boca e estava feliz. Shopping é um lugar muito triste, especialmente aos domingos onde casais sem esperança andam feito elefantes velhos com suas trombas enlaçadas, rumo a qualquer lugar. Reparei nos olhos daqueles moços a cuidar das crias e das suas mulheres gordas que ainda tentam voltar a forma anterior à gravidez. Passeiam arrastando os chinelos, vendo aquilo que não podem ter e construindo sonhos de consumo tão frágeis quanto a promessa de um casamento eterno. Uma das gordas fitou minha calça azul e presumo que tenha, por pura falta de assunto com seu velho diabo, dito algo sobre ela. Fingi que não vi.

Fui a procura do que pudesse preencher as horas vazias do final de semana. A grande pausa modorrenta causada por uma tarde sem jogo do flamengo, nem praia, nem alguém do meu lado despertando sem pressa. Um livro seria bom, ou filme também. Mas o telefone novo tocou no bolso e a moça da flor no cabelo me ligava. Mas não estava feliz comigo. Sob a desculpa qualquer de uma informação que eu teria, vieram cobranças de sentimentos nobres que não tinha para dar. Ela não brigou mas fez pior: baixou a voz e soltou palavras sem valor, numa evidente decepção àquilo que imaginava sobre mim. Não tinha o que dizer nem queria mentir e a menina que prendi uma flor vermelha nos cabelos há tempos atrás se foi no fechar do celular, como numa piscada lenta de criança de castigo.
Havia acabado de perder o que nem cheguei a ter.

Não me lembro se disse que odeio minha calça azul, especialmente quando ela chama atenção para mim quando não quero ser visto. Me senti tão amarrotado e patético que preferi sentar e tomar um chopp, escondido entre colunas da escada rolante. Do meu lado, um daqueles casais, trocavam ofensas e cumplicidade numa profusão delirante. Ele perguntou quem era Mario e tentou arrancar o celular da mão dela. Ela explicou que era do trabalho. Ele perguntou se era melhor que ele na cama. Ela debochou e respondeu que sim. Ele queria mais que sim, queria elogio, queria um pingo de segurança naquele enorme deserto de areia movediça que se tornou sua relação. Bebiam, se ofendiam e me irritavam com seu diálogo de teatro de marionete. Abri minha bolsa de mão e comecei a rever os tickets que trouxe da Europa, tentando encontrar algo novo que prolongasse ainda mais minhas lembranças de momentos recém passados. Encontrei o telefone da portuguesa de bunda grande que dormia na cama de cima em Roma. Encontrei outro que não me lembro de quem era e por último encontrei o dela. A Alemã que se foi em Florença por não gostar de gostar. Me deixou com um beijo sem gosto e um adeus aliviado. Definitivamente não era isto que eu queria neste domingo á tarde. A conta, por favor.

- “Qualquer livro do Pedro Juan Gutierrez”. “Não minha filha, Juan não é com R”. “Antônio Lobo Antunes, tem?”, “Esquece, muito obrigado”. Odeio quando lembro que meu bairro é feito sob medida para gente ignorante. Filme?Só dublado. Livraria?Só uma, e olhe lá. Em contrapartida, torre de chopp e churrasco a quilo tem para todo lado. Mas bem feito pra mim. Quem mandou ir ao shopping?Quem mandou atender o telefone quando não tinha nada a dizer?Quem mandou não cativar alguém para te fazer companhia nos momentos mais sem graças da vida? Os corredores me espremiam com suas vitrines e não tive dúvidas. Disparei com meu carro velho, furando engarrafamento, controlando seu desalinho que sempre o empurra para o lado direito, rumo a qualquer lugar. Praguejava a minha total falta de sorte e só silenciei quando subi o viaduto e vi o céu sorrindo,simples e encantador, misturando as nuvens coalhadas, os montes verdes da Pedra do Rui e os raios de sol, avermelhados no horizonte. Diminui a marcha, a pulsação, a culpa, a vontade de acertar e, aos poucos, fui me encontrando dentro de mim, rindo das urgências que eu mesmo criei. O domingo terminou sossegado, sentado no portão com a minha bonita calça azul.

terça-feira, 5 de maio de 2009

REABILITAÇÃO EM RETALHOS

Às vezes acho que percebo demais.
As pessoas cortaram seus cabelos de um jeito diferente e vão agora para uma boate diferente. As ruas estão vazias novamente na segunda mas já me disseram que quarta tem lugar novo para beber. Tentei beber mais e a manhã veio sem consegui. Também não consegui cantar uma música que queria e fiquei rouco no segundo dia. Meu time ganhou e pelo menos este era o mesmo que eu torcia, apesar de ter um atacante novo no gramado. Os amigos estão aparecendo aos poucos. Uns aparecem para saber como foi a viagem, outros só aparecem para contar o que andaram fazendo. Tento fazer um vídeo com as fotos da Europa mas paro para lembrar de como foi e esqueço o vídeo. Amanhã eu faço. Tento organizar os papéis e dar cabo dos vestígios da viagem mas paro para lembrar de como foi e esqueço a organização. Amanhã eu faço. Tento definir uma nova meta para 2010 mas paro para lembrar de como está sendo o ano e esqueço das metas. Amanhã eu faço.

Cantar e transar são dois prazeres que sinto falta. Mas também sinto medo de não saber fazer tão bem quanto imaginava fazer. Estou inseguro comigo mas também satisfeito pelo meu feito. Gozo com a minha própria consciência e durmo em paz. “É muita doideira”; “é muita coragem”; é muito dinheiro”. Ouvi de tudo sobre mochilão. Disse o mesmo sobre gravidez e carro zero. Cada um tem o que merece. Em compensação, se tudo anda solto de um lado, de outro engata-se. Vou trabalhar todos os dias, acordando cedo e me aborrecendo com a rotina imbecil que preciso seguir. Sou o primeiro a chegar e o último a sair. Tenho um mês para a empresa não fechar no vermelho e assim garantir meu emprego que imaginava ser meu. Precisamos de três títulos?Faço treze.

Domingo senti cheiro de bosta e mato. Fui na festa de São Jorge e vi muitos cavalos. Em sua maioria, magros e tristes. Queria comer carne de sol e aipim mas vendo o cavalo magro, desisti. Já bastam as conchas de feijão, os bifes com gordura e a coxinha que repeti sem critério esta semana. Fui surpreendido também por pessoas que não conheço mas que falaram, com olhos atentos, sobre minhas manias loucas enquanto enfrento o público com o microfone na mão. Aliás, conhecer pessoas é algo que tenho feito, não sei se pelo puro vício ou para recuperar o tempo perdido. Lá fora, a cada foto tirada ou cama escolhida, uma pessoa com histórias pra contar aparecia na cabeceira. O iraniano que não explode, a argentina que procura sua família com a foto na mão ou a alemã que se esconde do amor que nunca teve. Todos os dias gente nova, sorrisos inéditos, pedidos inusitados, gente cheia de hipocrisias, de dúvidas, de metas, mentiras e lembranças. Gente como eu. O final de semana foi e deixou uma superlotação na minha memória.

Comprei um presente pra minha mãe que está perdendo a cor e a história. Ela não apareceu para pegar, nem eu fui levar. Comprei outro para minha afilhada, ela não conseguiu montar. Comprei também uma flor para o cabelo da menina que me deu uma foto antes de ir. Pra mim, poucas novidades na mala. Bom mesmo é poder usar roupa velha que ficou nova agora e não as mesmas camisas e calças que esgotaram sua criatividade em combinações. Melhor ainda é me despir da vida que passou e ficar peladão esperando o que ainda virá.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

PÁGINA EM BRANCO

Visitei tantas igrejas e túmulos mas perto de Deus mesmo eu me senti voando de volta para o Rio. Foram 8 horas para tentar ordenar o fuso-horário e as batidas do coração. Vi a primeira estrela nascer e parecia que estava ao meu lado. Lembrei do pequeno príncipe e seu planetinha. Não é a toa que o escritor do livro era piloto de avião. Fiquei horas olhando pra ela, assim como eu fazia quando era adolescente e pedi pra Deus uma confirmação de que eu havia tomado a decisão certa. Uma estrelinha cadente me saudou, riscando céu enquanto uma lágrima sem-vergonha pulava do meu olho. Há quase dois meses atrás eu havia abandonado uma banda com poucos fãs mas com muitos amigos, um emprego com alguns êxitos profissionais e uma família orgulhosa deste feito tão maluco. Agora, volto sem dinheiro, sem emprego, com um mundo em crise e cheio de idéias pra realizar. Na verdade eu só troco de mochila e agora carrego nas costas a responsabilidade de pagar minhas dívidas e tentar uma oportunidade neste mercado cheio de amizades e traições.
Vi meu pai me saudar com um sorriso igual ao do meu avô e junto com ele o agente de viagem que me adiantou as burocracias. Sofri com o calor e com a falta de iluminação das ruas e conforme ia me aproximando de campo grande o coração pulava como se estivesse indo visitar uma cidade nova em qualquer lugar da Europa. Família, beijos, presentes em 15 minutos e logo descobri que a banda estava tocando perto de casa. Em um pulo estava lá. Entrei sem ninguém ver e tive que segurar a onda da emoção com a gritaria das pessoas. Ninguém sabia que eu chegaria naquele momento e para todo lugar que eu olhava eu via sorrisos tão bonitos e cheios de saudade que era impossível pensar em problemas. A banda estava lá, com um mais gordo, outro mais barbudo e um som limpo, agradável, feliz. Acabei a noite andando sozinho pelas ruas do meu bairro com saudosismo e observando as coisas ainda com olhar de turista. Fui ao bar que sempre vou, encontrei aos amigos que sempre encontro e cantei as músicas que sempre canto e aos poucos venho compreendendo o quanto importante eu posso ser para as pessoas, cantando, sorrindo ou apenas tomando um chopp e falando besteira. Foram dois meses andando sozinho e agora todo lugar que vou encontro um mundarel de pessoas queridas cheias de saudade. Por falar em mudanças, ainda não consegui me livrar do vício de andar com a máquina fotográfica no bolso e a carteirinha de moedas de todos os dias assim como não me interesso em nada em ligar meu celular e ver televisão.

No domingo reencontrei as pessoas da banda e, junto com minha família, vivemos uma tarde em comunhão onde Marcelo, guitarrista da banda, abriu seu terraço e São Pedro nos presenteou com uma tarde linda que deixava a relva em volta mais verdinha. Fui convidado a ser padrinho de casamento dele o que selou a minha volta e minhas dúvidas quanto ao meu retorno. Agora, sentado neste computador, vivo um misto dos três tempos, onde o saudosismo, a saudade dos lugares e pessoas, a preocupação com o meu futuro e a minha reabilitação no presente me confundem. Tenho um sono permanente dentro deste pijama que vesti durante o dia todo, sem saber exatamente o que fazer. Sinto saudade dos mapas onde eu marcava a caneta o que queria fazer e minha felicidade estava a poucos quilômetros de mim. Quero encontrar pessoas mas não quero explicar nada, quero trabalhar mas me sinto cansado, quero cortar o cabelo mas gosto dele assim, quero começar logo a escrever alguma coisa nesta página em branco que se tornou minha vida daqui pra frente.

domingo, 19 de abril de 2009

PARQUE DE DIVERSÕES

Suiça, Bruxelas, Amsterdam e Paris. O a roda gigante deu um giro rápido na segunda parcela da viagem. Tantas experiências, tanta gente interessante, que o blog ficou ultrapassado, sumiu na poeira. Fumei um baseado, encontrei amigos, fiz outros, peguei carona, cantei, dormi na mesa de sinuca, perdi vôo, acabou o dinheiro, vi neve, vi a torre eiffel, vi gente doida, mas também me perdi, me arrependi e me diverti. Foram 15 dias frenéticos e agora to aqui, cheio de dor de cotovelo, preparando a alma lentamente pra partir.

Em Lugano, encontrei Roberta e Massud, seu marido. Vi o Lago lindo, comi pratos tipicos, recarreguei as baterias, vi a neve e pisei nela, vi um bambi na rua também. Aprendi sobre o islã com o Massud, que é iraniano e aprendi como mudar de vida, com a Roberta. Foram alguns dias de paz convivendo e repartindo a intimidade com pessoas queridas. Sobrevivi ao frio na boa.

Em Brussle, conheci brasileiros, que me apresentaram a mais brasileiros, que viraram colegas de hostel e depois amigos de verdade. Vi um moinho pela primeira vez, vi córregos como veneza e tomei uma caneca de um litro de Stella Artoir. Fomos pra Bruxelas, dividimos apartamento, roubaram o GPS do carro, fomos a balada, conheci gente pra caramba que inclusive, nos acompanharam pra uma festinha mais reservada. Bruxelas ficou pra trás e seus pontos turísticos sem graça.

Amstersdam estava lotada e linda. Feriado, novos amigos, baseado, bicicleta por todo lado, putas na vitrine e um hotel de quase 100 euros ao dia. O dinheiro se foi e sobrou a mesa de sinuca pra dormir por 15 pilas. Dois Spaces Cakes e dormi feito anjo. Vi um japonës de bigode e o chão parecia batata ruffles. Efeitos da fumaça na cachola.

Paris foi acordar aos pés da torre eiffel. Foi encontrar com gente doida, que dá beijo triplo no metrô mas também conhecer gente amorosa, que dá beijinho e cheirinho a cada esquina. Paris é clássica e linda assim como seu povo. Deixei lá um pouquinho da minha música, tocando no mesmo bairro onde Picasso e Modigliani deixaram sua marca. Ficou uma saudade grande que só não era maior que a expectativa de encontrar com Gustavo em Dublin.

E agora to aqui, vivendo em comunhão com Juliana, Gus e mais um casal que divide apartamente com eles, no qual tornaram-se também amigos de verdade. Adoro estar com eles e sinto uma vontade enorme de ficar. Sinto também que a roda gigante rodou no Brasil. Gente namorando, a banda mandando ver, a família, os amigos, tudo funcionando sem mim. Acho que isso é dor de cotovelo porque a viagem tá no fim e tenho medo de saber o que deixei de ganhar e mais ainda o que perdi. Mas esta é a vida, um parque de diversão cheio de emoções.

terça-feira, 31 de março de 2009

O COLISEU E OS “ALEMÃO”

Sabia que gostava de espanhol mas não imaginava que iria aprender a me comunicar tão rápido. Porém, depois de quase 10 dias queimando a mufa pra aprender a cambiar, empezar, olvidar, e essas coisas complicadas, um espírito prático tomou conta de mim e, por ora, substituí a camaradagem de outros momentos pelo meu ipod. Estava esgotado e queria dedicar minha energia a tanta informação que a Itália me proporciona. Durante todo o dia conversei somente com brasileiro e uma vez ou outra em inglês, para o básico. Por sorte meus companheiros de quarto eram da terrinha e pude bater um bom papo antes de dormir. Eram 10 da manhã e o garoto aqui já estava de pé, com o lanche na mochila e cheio de energia. Tinha ido meio de qualquer jeito e quando vi a pinta do pessoal visitando os monumentos, fiquei até sem jeito. Eita povo charmoso, caceta. Todo mundo, até o cara do açougue, todo sujo, tem seu charme.

Conheci primeiro o Palatino, grande residência onde o imperador morava. Tinha ginásio, jardins, e abaixo o Circo Máximo, onde havia corridas de bigas e hoje só tem capim.
Pude entender pouca coisa ou quase nada porque não encontrei muitas placas. Mas tá bom, fiquei imaginando como era suntuoso e bem feito, com colunas perfeitas esculpidas à partir de uma pedra e estátuas de mármore super delicadas. Putz, a bateria da câmera acabou. Tinha me preparado pra passar o dia na rua e nem pensar em andar os 5km que me separavam do hostel. Só para constar, esta é uma cam nova pois a minha quebrou na viagem. Encontrei uma por 90 euros e espero não ter estourado o cartão da minha mãe. Mas voltando ao assunto, este entretempo me fez perder uma hora e por isso decidir encarar o coliseu. Desta vez aluguei um audioguide, que é aquele telefonezinho que a pessoa fica escutando informações sobre o lugar. O primeiro impacto é assustador, parecido com entrar no maracanã pela arquibancada. A moça que falava no audioguide não estava falando espanhol como eu pedi e sim italiano, mas pra não ter que reivindicar meus direito em inglês com a organização do lugar decidi seguir adiante e tentar entender. Passei um bom tempo lembrando dos jogos de vídeo game e dos filmes que vi. Russel Crowe toda hora aparecia nas minhas lembranças e foi bem legal mesmo. Mas a primeira chuvinha oficial na Europa tinha que aparecer e veio varrendo tudo. Desci como pude, com ipod, audioguide, câmera e cachecol, tudo embolado. Quando a coisa amenizou voltei a ouvir a gravação do aparelhinho e a mulher que antes devia estar falando espanhol agora falava alemão. Caralho, pensei que tivesse entrado água da chuva ou algo parecido. Catuquei o troço mas ela não parava de falar alemão. Tive então que me arriscar com uma bonitinha em inglês, que pacientemente ensinou pro índio aqui como se mudava a linguagem.

Eram 18h e eu não queria sair de lá de dentro. Fiz de tudo e nunca achava que estavam boas as fotos. É um lugar realmente impressionante e tão imponente que chega a ser amendrontador. Acabei enxotado e decidi otimizar o tempo conhecendo coisas 0800, perto dali. Entrei por um beco, outro, outro e já estava quase na praça alguma coisa, que diziam ser bem legal. Parei pra descansar as pernas e experimentei a primeira coisa que realmente me impressionou gastronomicamente falando. Deus me livre e guarde, eu não sei porque italiano é conhecido pela pizza fazendo um sorvete tão gostoso. Nunca na vida, tinha tomado uma coisa assim e ainda tão em conta. Já estava com a máquina na mão pra fotografar a tal praça, que devia parecer com as tantas outras praças que já vi na Espanha, mas não foi bem isso que aconteceu.

Tinham dois cavalos, sendo domados por dois homens fortes e acima deles um outro barbudo que nem ligava para as centenas de pessoas que estavam aos seus pés. A fontanna Di Trevi, surgiu como um oásis, toda branca, iluminada, uma visão celestial, parecia até que eu tinha visto o papai Noel. Como já imaginava fiquei com os olhos cheios d´água, não só pela beleza do lugar, mas por lembrar que a menos de dois anos esta era uma foto que eu via em preto e branco no meu livro e tinha muitas dúvidas se conseguiria chegar aqui. Chorei sim, mas foi só um pouco, porque tinha muita gente e tive que disputar a tapa um lugar pra sair na foto. Uma mocinha simpática que mora em Milão me ajudou e fomos comparsas por dois segundos. Vi que depois de dois dias sem falar em espanhol ele já estava um pouco arranhando o que me preocupa. Esta é a minha língua oficial na Europa. Como disse uma brazuca no coliseu, o português morreu para o mundo. Mas sim, joguei a moedinha, mais de uma, porque esqueci de gravar o momento. Dizem que a moeda garante que a pessoa volte a fonte, no meu caso, posso até levar acompanhante. A volta foi longa pois me perdi e perdi o mapa e acabei encontrando o Phanteon. Sombrio, com portas de ferro gigantes, deu medo. Tirei uma fotos mas volto amanhã com mais calma.

Depois de quase uma semana, entre ressacas no mar e no bar, finalmente fiz contato com a família e sei que tá tudo bem. Minha afilhada cabeçuda ligou meu videogame sozinha, Graça espera uma ligação minha e a banda truque arranha no reggae. Sinto a energia renovada e pronto pra subir mais um pouco no mapa. Florença, Lugano, Veneza...o que será que me espera?

Ah, impossível não agradecer os comentários tão queridos e carinhosos que as pessoas têm deixado pra mim e ainda os emails que recebo.Valeu pela força rapaziada...

domingo, 29 de março de 2009

TORMENTAS

São seis horas e o atrasado aqui tem que sair correndo entre japas e artistas pra chegar no porto. O sol engana muito e como não tenho relógio vivo assim, no susto. Mas o pior foi o que ouvi da mulher no guichê: “O navio só sai às 5h da manhã e pelo visto aqui já venderam sua passagem. Se tiver algum problema você se resolve com a polícia.”Preparado para acampar no saguão, fiz um pequeno espaço onde poderia colocar minha vida em ordem depois de 5 dias frenéticos. Fazia tempo que não escrevia e teria paz. Teria. Uma Argentina (eles me perseguem) me fez companhia, contando toda a sua vida e dividindo comigo aquelas horas frias. No dia anterior havia colocado a roupa pra lavar e esqueci meias e cuecas, por isso tinha pensado em criar o bicho solto mas nunca poderia imaginar o quão sofreria com isso. Pra completar o saguão foi invadido por centena de crianças e adolescentes, chatos em todo lugar do mundo. O caos estava formado.

O navio era lindo, como estes que os pobres de campo grande pagam pra ir até a Bahia e gastam uma fortuna, aqui custou 60 euros. Fiquei melhor que a hermana que preferiu poltronas mais baratas. Um banho digno, uma toalha limpa e ficamos na espera da porra zarpar. Mas era uma zona tão grande que desistimos e fomos dormir. Acordei com tudo chacoalhando, mas não era o barco. Os olhos doíam, a cabeça também e a tontura me fazia andar escorado. Me fiz de desentendido e dormi o quanto pude. Perdi almoço e tudo e nada do mal estar passar. Pra todos eu estava mareado e passei a acreditar nisso.

Foram dois dias torturantes no navio onde eu não tinha mais paciência pra falar espanhol e acabei maltratando a bichinha. Coitada. Nascida em Buenos Aires, ela vive em Sevilla e estava fazendo uma viagem pra encontrar a família dela no sul da Itália pra conseguir o visto. Estava ilegal e estava um pouco sofrida, ainda mais depois de tantas horas sem um banho, com a mesma roupa. Mas foda-se, eu doente do jeito que estava não podia cuidar de outra pessoa. Foi quando as coisas começaram a piorar pois descobrimos que não haveria transporte para Roma. Dormir do caminhão de um Húngaro que fiz amizade ou ir para estação de trem?Eu passei horas em dúvida até mirar aqueles olhos que já havia visto mas não tão de perto. Paula era brasileira e estava se chegando em um italiano com pinta de drogado quando falamos. Tínhamos tanta coisa em comum que a noite ficou pequena. Lenine, profissão, destino das viagens, tudo igual. Queria ficar mais com ela, tanto que pensei em ir para o monte Vesúvio, ou seja lá onde ela fosse. Mas o frio na bunda, na canela sem meia, tonto, com dor de cabeça e uma Argentina a tira-colo me excluiu de qualquer possibilidade e assistir quando o italiano roubou um beijo e ela se foi. Mais uma paixão de bolso pra guardar no coração.
Agora estou na cama do hostel. Tem um casal de brasileiros na minha frente e duas gringas que estão se arrumando pra dormir. Na cama de cima da minha uma portuguesa gostosa foi pra night e eu preferi ficar quietinho. Foram 30 pratas de remédio pro fígado, que não era enjôo do mar porra nenhuma e mais 10 de comida. Vi o coliseu de noite e participei de um evento em favor da água no planeta, onde o Totti, jogador italiano era o padrinho. Aqui em Roma é caótico, com carro furando o sinal, mas também é encantador, com gente mais espontânea e muito mais bonita que na Espanha. Fui encarado por algumas italianas mas sinceramente acredito que esta minha cara de doente não está fazendo nenhum sucesso. Ou será que elas já descobriram que eu não to usando cueca?

BARCELONA

BARCELONA – AS PESSOAS

Barcelona é um lugar onde gente nova não é novidade. Todos os dias as Ramblas são invadidas por grupos enormes de turista. A mudança de gente no hostel também é algo que impressiona. Conheci poucos moradores que nasceram lá, pois em sua maioria, mudaram-se depois. O dia-a-dia da cidade é diferente e parece um pouco com o Rio, sem favela e gente feia. Todos os dias artistas de rua se apresentam por todos os lugares. Muito tradicional são os artistas fantasiados como estátua viva em busca de um troco. Tem macaco, gárgula, fadas, gente sentada no pinico, múmia vampiro, pra todo tipo. São criativos e levam o trabalho a sério, com horário marcado e respeito ao colega ao lado. Estava hospedado tão perto desta via principal que todos os dias os encontrava, muitas vezes conversando em rodinha, o que era muito engraçado.
Fora isso Barcelona inspira a moda. Cada um tem um particularidade pra mostrar. Comprei pra mim um camisa de brechó e um óculos colorido e fiquei todo bobo. Mas queria tanta coisa que a mochila não daria pra trazer. Vi gente de trança, suja, limpa, com gel e sem, enfim, é uma cidade que você pode ousar nas roupas e acessório.
Também é um lugar que aceita bem as diferenças, com negros, indianos e brasileiros pra todo lado.



BARCELONA – OS AMIGOS

ROBERT- Inglês figuraça que veio tentar a vida na cidade. Muito amigo, tagarela e brincalhão. Não era muito fã de banho e já encontrei um pão com queijo embaixo da cueca sobre a cama. Foi essencial para os meus primeiros dias e ensinei pra ela a expressão “GET OUT STAGE”, ou desce do palco, pra uma mulher metida a besta.
JUAN – Argentino que conheci em Segóvia e que se hospedou também no Kabul. Me ensinou tudo que aprendi sobre espanhol até agora. Paciente, leal e bem novinho. Foi meu companheiro em pontos turísticos. Não se dava bem com mapas e era normal andarmos em círculos. Nós três (com Robert) andávamos juntos boa parte do tempo.
BRASILEIRAS – Moravam em Porto mas estavam passeando de férias. A carioca era mais sagaz, tanto que saiu com o inglês, e a outra mais quietinha. Eram conhecidas de um brasileiro meio barro meio tijolo que foi minha companhia na primeira night catalã.
FRANCESES – Eram três mas apenas um era nosso amigo de verdade. Dizíamos que devia ter sido mendigo e agora estava bem de tanta felicidade. Sem tempo ruim. Fala um inglês tão certinho e pausado que até eu entendia o contexto. Pagava bebida, tomava iniciativa e estava sempre dizendo algo como MAKEMAMÁ. Um elogio pra mulherada, imagino eu. Os dois amigos dele diziam que eram muçulmano ou uma porra assim, mas andavam abraçados demais pro meu gosto.
FRANCESA – Aruuuiiii. Era assim que me chamava. Voava de paraglaide em todo lugar do mundo e tinha ido a Barca pra isso também. Dançava salsa e dançamos com o ipod no ouvido no último dia. Era gata e gente boa. Dizem que saiu com o colombiano que mal pude zoar dizendo que um brasileiro, um argentino e um boliviano no mesmo lugar era quadrilha. Me deu o contato pra encontrá-la na França.
MEXICANA – Figuraça. Namorada de uma pessoa importante no México que achou que era importante ela conhecer o mundo e deu uma viagem pra ela de seis meses por aí. Gostava de sair com a gente pra night e dançava e tirava fotos muito engraçadas. Elogiou meu espanhol e sempre muito atenciosa com o grupo.

BARCELONA – O LUGAR

Barcelona não seria nada sem as pessoas que vivem e passam por lá. Gaudi deu uma boa ajuda, colorindo e enchendo de traços incertos prédios, igrejas e parque. A Sagrada Família tem que ser vista sem ter que ouvir repetidas vezes que ta tudo em obra. Óbvio, a obra final termina em 20020. Parque Guell é muito lindinho, trabalhado com pedras, rochas, pedrinhas e azulejo. Um lugar pra namorar, tirar fotos e ver a vista da cidade. O Draco, dragão que eu tanto queria ver é menor do que eu imaginava, mas tem seu encanto também.
As ramblas, que parecem o calçadão de campo grande com muitos artistas e um mercado São Brás que se chama Boqueria. As praias são simpáticas, assim como os gramados que sempre tem um monte de gringo se esticando no sol. A night ficou devendo um pouco também, com atividades tão comuns e mornas como os outros lugares. 7, 8 reais uma cerveja desanima qualquer folião, ainda mais quando vê as dançarinas sob o balcão, com a bundinha triste e pequena.




BARCELONA – EU

Barcelona é um oásis no meio de tantas cidades caóticas e cinzas. Me senti bem pra caralho na cidade. Dormi na praia e no gramado, assisti banda cubana, fui em todos os pontos turísticos e creio ter conhecido bem o espírito da cidade. Tive dificuldade com a língua mas aprendi que vai muito mais da boa vontade alheia. No final, numa mesma roda, eu falava espanhol, inglês e português, do meu jeito, e nos entendíamos e riamos todas as noites. Fiz os gringos brincarem de rolha, sambarem e em troca dancei salsa, aprendi espanhol melhor que imaginava e deixei pra trás a primeira cidade que eu penso um dia voltar.

domingo, 22 de março de 2009

EXILADO EM KABUL

Tudo que escrever agora caberá dento de 10 minutos. Este è o tempo que tenho aqui no aalbuergue que se chama Kabul. Tambèm náo tem tomadas e o chuveiro a luz e o diabo a quatro tem tempo pra usar. È um dos melhores albergues do mundo e um dos mais economicos tambèm. A viagem pra Barcelona teve muita expectativa. Assisti antes o filme do Almodòvar pra tirar onda com meus amigos cultos do Brasil. AVISO: O filme è fraco. Porèm depois de uma noite táo morna assitir um fillme em espanhol me despertou muitos sentimentos e fiquei muito feliz com a minha capacidade de entender espanhol. Estou aqui em Barcelona fazem 3 dias e o tempo voa. Barcelona è o Rio de Janeiro que deu certo e as Ramblas, ruas principais parece o calçadáo de campo grande com direito ao mercadáo sáo bràs que aqui se chama Boqueria. No primeiro dia foi um inferno porque nao sabia falar nada direito e nao tinha amigos mas agora por exemplo, vou jogar buraco com 3 brasileiros, uma mexicana, um argentino e um ingles. Divido quarto com gente do mundo inteiro e aqui em volta tem muita gente. Chata ou bonita.
Tenho que ir...doi minutos.....ai ai i

volto a falar do navio rumo a roma...

terça-feira, 17 de março de 2009

ACHADOS E PERDIDOS

Neste exato momento estou na minha beliche, com quatro franceses a minha volta dormindo, no quarto que eu tanto paquerava na Internet pelas fotos. Já estou em Madrid faz um pouco mais de 24horas e ainda estou aprendendo a me adaptar a nova vida de viajante. De fato, é agora que tudo começa. Gostaria de contar as coisas engraçadas que aconteceram logo de cara mas tenho usado o blog como descarga emocional e não poderia negar a deprê que bateu ontem e hoje. A gripe, somada com a conversa inesperada com minha mãe pela net e o isolamento que uma língua diferente nos impõe me deixou com os pneus arriados. Preciso beber pra esquecer meus problemas como tinha dito. Sabia deste choque e comprei a briga. Agora agüenta, negão.

Para minha sorte este é o hostel que mais tem brasileiros trabalhando. Sulista, paulista e um de inhoaíba. Ele achou normal e eu ri pra caralho. Encontrar neguinho de inhoaíba só podia ser aqui mesmo. A comparação com são Paulo é inevitável. Suja, bagunçada, cheia de ruas iguais e atrações sem graça. Em compensação uma noite pulsante, com gay, putas, punks, roqueiros, clubbers e tudo mais. Por falar nisso hoje é dia de São Patrício, aquele que protege os bebuns, e a galera já começou a se animar. Amanhã é feriado em Madrid e vou me arriscar nestas nights loucas da capital espanhola. Por enquanto durmo cedo, tomo vitamina e tento me recuperar desta porra de coriza que peguei em cascais, lugar lindo por sinal, que voltei a visitar com meu amigo Marcelo e sua namorada. Nos embrenhamos pelas pedras, escorregando em um puta penhasco e fiquei horas no vento, crente que era um lisboeta, só de bermudinha e camisa. Deu no que deu.

Apesar da dor no corpo, amanheci animado, quase sem dormi ontem, feliz e preocupado com a entrada na Espanha. Os caras são super cricris e pedem tudo que é documento. Mesmo assim manda uma cacetada de brasileiros pra casa. Tinha que dar pinta de turista, esta era a dica do meu guia. Fui com a camisa do mengão, calça marrom, afinal turista sempre tem mal gosto e, pra completar, meti um chapéu comprado no china. Tava completa fantasia. Agüentei um aeroporto cheio de gente bonita, com porte e elegância, me encolhendo entre o livro e a cadeira. Desta vez pelo menos dei sorte e fui na janelinha. Vi umas plantações redondas, que se chama rotação de cultura mas parece um gráfico do do Excel e também vi uma coisa linda de longe:neve. Eita porra, vi neve lá longe, cobrindo feito um lençol branco o pico das montanhas. Mas a preocupação era grande e fiquei tentando imaginar o que o fiscal me perguntaria: Por que 2 meses?Cade o dinheiro?Por que você não torce pro Real Madrid?Desci com os documentos na mão, junto com o guia, a mochila de bordo e a água, parecia um sigano. Fui, fui, fui e..caralho, já passei. O vôo é regional e não precisa de controle de imigração. No meu ipod o mano chao cantava “Mano negra, clandestino, nigeriano clandestino..”

Depois de colocar as malas no hostel dei uma volta na cidade. Queria muito ver a puerta de sol, o marco zero da Espanha. Rodei pra caramba e nem acreditei quando guarda me disse o que era. Um largo em obra, com gente pra todo lado, muitas lojas e nada. O urso comendo a frutinha, símbolo da cidade, achei bem depois, no meio daquelas vacas pintadas que todo mundo acha legal e eu acho nada demais. Comecei a implicar com a cidade e sua gente. Tudo que eu via era previsível ou decepcionante. Melhor dormir. Quem disse?Malandrão acostumado a andar naquelas cidadezinhas de Lisboa saí sem mapa e me perdi. Mas não foi pouco não. Lembro me da hora que entrei pela grande via e depois de dar uma enorme volta saí nela novamente. Aqui em Madrid não tem quarteirão. As ruas são diagonais e como tudo é parecido me fudi de vez. Quando a coisa ficou feia fui perguntar a um china que me ignorou completamente. Cheguei no quarto tão cansado e puto que nem falei com ninguém.

Hoje foi diferente. Pra começar que tomei café da manhã e me arrisquei no Buenos dias com dois ou três que não responderam. É foda ser um analfabeto e mudo porque se não houver muita boa vontade do outro lado a conversa não rende. Fui pra rua me sentindo melhor, com o sol ainda se espreguiçando no céu. Com o mapa na mão varri pontos interessantes e mudei um pouquinho minha opinião. A beleza de Madrid está dentro dos lugares, com obras fantásticas nos museus. Fui ao Museu do Prado, onde havia uma exposição sobre deuses gregos em mármore branco. Fui sendo absorvido por tudo que diziam, impressionado com as datas e conservação. Estava tão compenetrado que me peguei cheio de tesão na Afrodite e daí pra frente a coisa ficou feia. Quadros com mulheres de peito de fora, bacanal rolando e realmente a coisa ficou feia. Estando nestes tantos dias sem colocar a máquina pra funcionar eu já to beliscando mármore e azulejo. Vi alguns pintores que gosto, como El Grego e descobri tantos outros que nem sequer conhecia. Mas perdi o quadro “As meninas’ de Velásquez, pois o museu fechou antes. Já havia visto no Rio e nem gosto muito dele, que era pela saco dos reis e se especializou em pintar as personalidades da côrte. O resto foi ladeira acima, virando o mapa até chegar aqui onde estou pra enfrentar um quarto solitário novamente. Opa, “habla español?”Non..”and you, speak english?”Im not...sorry..a francesa linda colocou seu shortinho cinza e adormeceu lendo um livro grosso me deixando aqui, in the dark.

domingo, 15 de março de 2009

SENTIMENTOS EM SANTIAGO

Uma cidade avisa pra você a hora que você tem que partir. Foi assim em Porto quando acordei e acertei as contas com o portuga mal humorado da pensão. Com uma informação cheguei até uma estação de autocarro prestes a realizar um sonho. Comi uma francezinha, prato típico da cidade e me mandei. Acordei e olhei na placa uma propaganda “Queres un coche?”. Caralho, pela primeira vez eu estava na Espanha.
Como brasileiro tem em todo lugar encontrei um casal aventureiro simpáticos e bonitos na mesma condução que eu. Tive que dar uma zoada por ele estar com a camisa do grêmio e me arrisquei “Bonita a camisa do Boca Juniors”.Ufa, ainda bem que ele riu.
Chegamos em Santiago de Compostela e fui surpreendido por uma cidadezinha dinâmica, agitada. Porra, sempre imaginei santiago uma espécie de mosteiro a céu aberto onde deveriam ter umas velhas te olhando pela fresta da janela. Nada disso. Parecia o centro de Caxias, muito mais bonito claro, com muitos prédios novos e ruas iluminadas. Fui até a porta do hotel que meus novos amigos sulistas estavam e perguntei sobre albergue ou algo assim. A moça não entendeu nada do meu espanhol que tanto treinei enquanto cagava antes de viajar. O curso de 3 meses do yes deve ter sido de espanhol de algum outro lugar, não este aqui. Bateu uma pane quando a moça disse que não tinhas estas acomodações ali, só foda da cidade. Eu estava 3 dias sem tomar banho, dormindo mal, comendo sardinha e não merecia ficar ao relento. Minha mochila só haviam duas mudas de roupa que já estavam suja e tudo que eu trouxe, inclusive o saco de dormir, estava em Lisboa. Mesmo assim acredito nos santos que me protegem, nas orações que a Graça e minha avó terezinha fazem por mim além da minha tia vânia que deve ter orado também por mim. Enchi o peito de ar e o cú na mão e saí por aquelas ruas do bairro velho, que são bem apertadinhas, pronto a perguntar ou pedir alguém que me desse abrigo. No mesmo ponto onde eu havia chegado encontrei uma placa de hostel. Fui disposto a tudo e fui recebido pelo sorriso mais bonito que vi na europa. Uma senhora, fofa, baixinha, com longos cabelos brancos. Um quarto foda, todo cuidado, televisão, cobertas extras, uma sacada com vista linda para a praça e as torres da catedral além de um banheiro todo cheio de babadinhos e sabonete: 20 euros. Comecei a fazer um video da minha alegria e comecei a chorar. Muito, muito. Não porque estava fedendo, mas porque parecia que eu tinha voltado pra casa, que havia alguém que gostava de mim. Pode parecer muito idiota pra quem lê essa porra agora mas talvez poucos saibam o que é estar do outro lado, com roupa suja, corpo sujo, sem transporte pra voltar, bancando tudo isso com seu próprio peito, sem platéia, sem gente pra me achar um coitadinho. Foi emocionante demais, acredite. Quero fazer um adendo também para dizer que sonho em ter uma casa assim, com varanda e uma praça na frente o que contribuiu para o chororô…

Um sentimento que me permito em toda viagem é sair andando sem mapa e ser surpreendido por alguma coisa. Me sinto um esbravador quando dou de cara com um paredão medieval ou como uma ponte. Foi assim quando cheguei ao lado da catedral e pude admirar toda sua magnitude. Uma frente tão grande que era dificil enquadrar na foto. Toda iluminada, a catedral que recebe tantos peregrinos diariamente tem imponência e deixa muitas que vi no chinelo. Não fiquei ali muito tempo e preferi tomar uma cerveza em algum sítio. Na máquina de colocar músicas, mais relaxado mandei um portunhol agressivo e comecei a ser entendido. Depois descobri que na Galícia, região que me encontro, eles falam assim. Fiz amigos logo de primeira. Conheci duas moças lindas, uma publicitária inclusive além de Alfonso , um figuraça noivo da outra tica. Aprendi a comer pipas, semente de girassol com sal, separei briga do Alfonso, bebi e ri muito com a minha dificuldade de falar. O povo espanhol é muito diferente do português e muito parecido com o brasileiro. Fomos no mesmo dia a 3 bares e terminamos numa boate. Também dirigi o carro, ou coche, da galega , levei gente bebada em casa, fui cantado por uma coroa, me pagaram um monte de coisa, enfim, uma puta noitada que tem tudo a ver com aquela cidade viva, cheia de universitários como Porto e gente espontânea e festeira. Nem preciso dizer que tava tudo tão bem que acordei com a tia da pensão batendo na porta. Disse sim pra ela, vou ficar mais um dia aqui. Infelizmente um desencontro me fez não ver esta galera mais uma vez pois marcamos em um lugar e ninguém chegou no horário. Por isso o dia seguinte foi mais calmo. Tive tempo de visitar o tumulo onde supostamente está o santo que, diz a lenda, foi decapitado pelos romanos e trazido la da casa do cacete até aqui. Também comprei coisinhas, como um emblema para costurar na mochila e um chaveiro. Deitei na frente da catredral, vi museus e mesmo naquela noite de novo aquele aviso que to aprendendo a conhecer cochichou no meu ouvido: tá na hora de voltar. Fiz a bolsa, pedi pra senhora me acordar e me mandei de volta para Lisboa que durou um dia inteiro dando muitas paradas, recordando o que passei e me planejando para uma aventura ainda maior. Daqui a 48 horas estarei na capital espanhola, Madrid.
Hasta La vista, Baby

Obs.: You can take one picture, please seu japa?thanks paulinha…
Praça Galícia, Santiago de Compostela. Espanha

SEM DINHEIRO E SEM BANHO

Prestes a completar uma semana em Lisboa e já tendo conhecido os principais pontos turísticos da cidade, dei um até logo para o meu amigo e fui para o norte. No dia anterior havia abusado de gastar dinheiro pois além de precisar comprar um novo tênis (aquele outro filho da puta eu dei pro marcelo), almoçado bacalhau na rua e bebido em plena segunda no bar ouvindo fado vadio, também comprei uma parada que nunca tive e precisava aqui: um ipod. O bichinho me custou 139 euros , o que pode significar umas duas cidades ou umas cinco farras. Estava com a cabeça cheia de me cobrar mas precisava ouvir musica nas tantas horas pra lá e pra cá e o meu velho mp4 não resistiu ao vôo e quebrou de vez. O dia piorou quando perdi meu primeiro compromisso e dei adeus ao autocarro de 11h da manhã e com isso chegaria em Porto somente 18h. A viagem foi chata, com paisagem óbvia de mato para um lado e para o outro e um coroa português querendo ser amigo de além, falando pelos cotovelos. O que valeu mesmo foi ver, diante de nossos pés, uma cidade que parecia aquelas miniaturas feitas de caixa de fósforo. Porto brilhava ao sol e nós da janelinha fizemos um óóóóó uníssono.
Desci de frente a torre dos Clérigos que é uma piroca como o obelisco de ipanema com milhares de anos. De frente a ele me indicavam um hostel baratinho afinal havia me prometido que iria compensar os exageros de grana na semana. “Tem este aqui de 20 euros, com casa de banho e vista para a rua”.”Mas não tenho este dinheiro todo moço””Então fica com este aqui por 15 euros.” Um quadradinho, com pia, cama, uma mesinha de cabeceira e uma cadeira. As cobertas velhas eram finas e a única janela tinha o tamanho e um palmo. Larguei tudo lá e saí vadio, sem mapa nem nada pelas ruas, sentindo o sabor de estar perdido em uma cidade que não é sua, cheia de coisas para descobrir. De cara o bondinho antigo quase me atropela e desce as ruas varado. Vou seguindo seus trilhos e as pequenas ruelas da “Invicta” são se mostrando pra mim. Flores nas janelas, roupas também, carros, jovens nas ruas, tudo funcionando em harmonia. Tudo isso até chegar a ribeira, local onde eu tinha uma imagem na cabeça e precisava vê-la. E foi lá, sob a ponte que encontrei aquele cais, com barcos antigos, cheios de barril, casarios coloridos, caves de carvões e tudo que sempre vemos de porto. O sol ia embora e fiz umas fotos meio abestalhado com o lugar. Convicto das economias fui ao mercado e mandei ver no pão, sardinha e vinho e tava tudo relativamente bem quando encontrei o banheiro. Era velho, mal iluminado, sem box, somente a banheira com o chuveirinho. Eita, fica pra amanhã.
Depois de rodar e rodar pela ribeira e constatar que ali já foi point me mandei ladeira acima em direção a universidade, no piolho, mini bairro onde a rapaziada de porto mesmo entorna. Foi lá que conheci os tunas, que são rapazes que usam uma túnica e dão rote nos calouros. Nem precisa dizer que além de tocar com eles, dar trote no calouros também e ainda mandei uma: “Onde que compra uma roupa destas de harry potter?”Só eu ri. Mesmo assim fiz amigos ali e fui pra casa bêbado às 4h da manhã.

Era pra eu ir embora mas não fui. Logo constatei que as pessoas em portugal se tornam mais abertas a diálogo conforme vamos subindo o país. Havia ficado com uma ótima impressão dali principalmente por muitos que encontrei. O pessoal da tuna me ofereceu até abrigo e uma vaga no ensaio com eles. Toquei “Veja bem, meu bem” do Los Hermanos e eles queriam gravar. Por isso o segundo dia tinha tudo para ser fantástico e mesmo acordando às duas estava bem disposto. Subi ladeira pra cacete, vi porto de cima, de lado, de tudo que é jeito e deixei apenas as caves com os vinhos para depois. Havia neste meio tempo conhecido um carioca, que estava a atravessar a passadeira como eu e foi interpelado por mim. Me prometeu um tour pela frança, onde ele estuda. Eu estava indo encontrar mais três estudantes de Londres, paulistas, que também passeavam por ali. E foi com eles que inciei a night, sem tomar banho de novo porque não dava pra encarar aquela porra. Vimos o jogo do Porto contra o atlético de Madrid. Desde cedo os espanhóis enchiam o saco fazendo barulho pela cidade. E eles foram eliminados apesar do empate e joguinho mixuruca. Dali para uma festa do curso de direito lá na puta que pariu. Demos um trote no trem pois não pagamos e ficamos de olho caso viesse algum fiscal, também atravessamos o trilho andando e mijamos na rua, marginalidade total, que acabou com drinks de graça da portuguesa gordinha que sonhava conhecer o Brasil e trabalhava como garçonete na festa. Depois de dormi no táxi com eles, fui descendo até meu hostel com a certeza que o melhor que a vista ou a paisagem do porto, são as pessoas que descobri ali.
Cidade do Porto, Centro. Portugal

domingo, 8 de março de 2009

TAMANHO FAMILIA

Se ontem dormi com soluço hoje acordei com ele também. Uma ressaca infernal que me deixou muito enjoado logo no dia que combinei com meu pacato amigo marcelo ir em óbidos. Estradas em ziguezague durante uma hora que me faziam lembrar o que eu tinha comido toda hora. Tivemos um domingo lindo, em família, pois a Miriam namorada dele, levou o irmão e a filha para passear. Coitada das crianças vendo o tio ali, feito um pato engasgado, acreditando que eu estava doente. Fui melhorando a medida que as emoções iam acontecendo. Pela primeira vez vi uma hélice de energia eólica. Enorme. Pensei no meu trabalho e tudo que estudei sobre energia renovável. Contei para as crianças que ali fazia frio porque tinham aqueles ventiladores ligados e elas acreditaram. (hahahah)

Óbidos é Paraty dentro da muralha. A arquitetura colonial cercada por muros de todo canto onde nós andamos sobre elas de um lado pro outro. Tinha um festival do chocolate por lá e a cidade, sempre quieta, estava bem movimentada. O soluço ia e vinha conforme eu tomava coca-cola. Diz Marcelo que é o frio e eu acredito em qualquer porra quando to doente. Como era uma viagem mais para o norte, resolvemos também ira a Batalha, esta sim uma grande surpresa. Um mosteiro enorme,com um grande calaveiro guardando sua praça nos esperava mais quentinha, com o sol animando as crianças andando de trotenete, ou patinete no Brasil. Lindo, bucólico. Dentro, o mesmo sentimento de paz e surpresa ao ver os claustros, parecidos com o do Mosteiro dos Geronimos. Tenho gostado do cara e das influencias manuelitas que acompanham estas igrejas. São grandes sim mas transmitem paz e não onipresença.
Saí de lá com pena, levando o sol conosco e uma surpresa agradável, cheia de fotos com crianças que a esta hora já aprontavam comigo e zoneavam o silencio do mosteiro.
Terminamos o dia em Fátima que é bacana e tal mas não se compara a cidade anterior. Vimos alguns romeiros chegando de mãos dadas cantando, descendo o pátio emocionados. Foi bonito. Lembrei da minha avó, primeira comunhão e comprei o primeiro presente pra ela. Já avisei ao povo que estou indo de mochila portanto não serei aquele sujeito que chega cheio de muambas, tenha certeza. Decidi por um terço que tem um eterno perfume das rosas, dois escapulários, um pra Graça também que me deu este que estou usando, e uma fitinha que vou amarrar na minha mochila. Depois desta via crucis cansativa mas extremamente reveladora e feliz na presença deste amigos que me aturam segurando vela e pedindo pra ir aqui e ali, terminando a noite de uma maneira tradicional: fomos ao mc donald´s. O que mais você pensou, ora pois?

PRICELESS. OUR NOT.

Aqui em São Marcos sempre ando de comboio mas acabo indo para Lisboa com suas ruas fantásticas. Mas hoje não. Peguei o rumo inverso e saí para Sintra, um bairro próximo. Na encosta da montanha, logo que vi uma enorme fortaleza de pedras logo teria que andar pra cacete. Mas desta vez fui facilitado por trenzinhos que, apesar de estar gastando uns euros. Valem a pena. Cheguei ao Castelos do Mouros, aqueles árabes que moravam aqui antes da tomada de portugal. O bicho é enorme, alto pra burro, com aqueles pátios enormes que a gente só vê em videogame. Sozinho fui cruzando com gente do mundo todo e mais disposto a trocar informações uma vez que irei em breve pra espanha. “You can…can…picture…”caralho, até agora não sei como se pede pra alguém bater uma foto pra mim. Fui no gesto e na boa vontade mesmo e deu certo. Além disso fiquei craque no timer da máquina o que facilita bastante. Subindo aquela porra toda me deu um aperto no coração novamente, como todos os dias, por não ter uma pessoa querida por perto mas tenho feito algo que resulta muito. Cada vez que penso em alguém, específicamente, faço um video como se estivesse falando com ela. É a maneira eficiente de não se sentir só. Depois do castelo subi mais um pouco até chegar no palácio da pena, ou algo assim. Se um era imponente por suas paredes de pedra, que são anteriores até que os romanos, este é inesquecível pela delicadeza. Casa que a família real vinha quando enchia o saco de lisboa, o interior que não pude fotografar era cheio de bibelô, muito parecido com o que a gente entende como a casa da avó só que em tamanho GG. Vi, bem na subida, três meninas, uma bonita, uma engraçada e a outra delicada. Foram gentis tirando minha foto e depois me acompanharam o tur. Impossível não rolar uma conversa. Vieram de braga, uma espécie de campo grande de portugal. O papo rendeu uma pizza, uma viagem de trem e acabou na night fervente lusitana, nas docas, debaixo da ponte vasco da gama. Ah, boate aqui é coisa de puta, fomos a uma discoteca.

Bem diferente do Rio, aqui elas são menores e servem drink verpertinos de graça. Em compensação, 3,50 euros uma mini tulipa de cerveja. Comprei uns canecões porque sou turista e tava pouco me fudendo pra quem olhasse e dancei pra cacete. Umas mulheres sobem nas mesas e dançam com uma bundinha de codorna virada pra gente. Depois é a vez de um viadão paneleiro fazer a performance. O clima lá dentro é esquisito: ninguém chega em ninguém, o povo fuma pra caralho e não bebe. O oposto da guerra que é o west show. Por falar nisso tocou “cidade de deus é ruim de invadir…”Vê se pode… As meninas de Braga, animadas no ponto certo garantiram uma noite feliz até decidirem partir umas 3h.Adeus queridas, nos vemos em Porto. Eu já tinha bebido tudo que vi pela frente, conhecido gente, entrado em boate de graça e o quando me peguei totalmente bebado, sem ninguém e…com soluço…porra, nunca tive isso e agora o soluço não passava. Comi, comi e nada. Entrei no taxi que me deixou na praça porque iria cobrar caro. Foi pior: deu vontade de mijar também.
Andei para um lado e outro. Nada de banheiro. Lembrei do meu amigo Ian que já mijou no colisseu e mandei uma regada na árvore bem na praça dos restauradores, todo feliz. Peguei outro taxi e fiquei sóbrio quando fiz a conta de uma nightzinha qualquer: 200 reais. Não tem preço?é ruim hein mané...

sexta-feira, 6 de março de 2009

ALTOS E BAIXOS

O Zé Carioca, piriquito do Marcelo não entendeu nada. Olhei pra ele, dei bom-dia, horas depois voltei e dei boa tarde. Com os pés ainda ardendo em bolha e o quarto quentinho, silencioso e escuro foi impossível ter disposição para enfrentar a ventania e o tempo mal humorado que estava lá fora. Perdi o encontro com uma grande e nova amiga mas como uma boa carioca ela vai relevar. Pago um chopp depois moça…Mas exagerei e levantei pelas 16h. Bateu uma cobrança de estar dormindo e perdendo um dia de europa e lá fui eu correndo, querendo ganhar o mundo, sem desperdiçar uma gota. Ia para Sintra mas como estava com o cartão de transportes que valia somente para lisboa resolvi subir o monte e chegar ao castelo de são jorge, que desde a minha chegada, me olhava de rabo de olho lá de cima. De fato uma vista fantástica, ideal para namorar, beijar na boca, mas como estavamos só eu e minha mochila, segui adiante, explorando seus labirintos de paredões e torres. Mais um lindo lugar nesta terra que estou aprendendo a gostar cada dia mais.
Na saída dois casais brasileiros fazendo pose de turista me pediram para tirar umas fotos. “É brasileiro?Carioca?Torce pro mengão?Então senta aí…”Cardiologistas que vieram pra um congresso e estavam aproveitando um tempo vago. Foi bom para pegar dicas precisosas sobre Paris e Roma ealém do incentivo a apertar um baseado em amsterdam. “Bicho, come também um bolo que eles fazem lá. Mais vai devagar que o efeito é lento e prolongado”. Papo bom demais que levou o sol embora e trouxe uma noite gelada. Como me sobrava gás desci até a a esplanada da figueira, vi uns livros usados, experimentei o mal humor típicos dos lusitanos e resolvi voltar ao bairro alto, onde deveria ter aquela hora algum movimento. Antes, fui surpreendido por uma esquina muito cheia com pessoas bebendo na rua, igual ao Rio. Tomavam uma cachacinha, como uma catuaba, feita pelo próprio dono do bar. Uma só já deu o grau e subi de carreira por trás do elevador de santa justa, que prometi nunca mais pagar por ele. Chegando no largo de Camões tentei encontrar o Fernando Pessoa, ou melhor, a estátuta dele que tantos falam. Ela esta na frente do café brasileira. Rodei muito, fui e voltei e a porra do café nem dava sinal. Rodei tanto que entrei no bairro alto e comecei a ver uns bares onde possivelmente mais tarde vai rolar um pancadão. Tava com muita vontade de mijar mas muitos hábitos brasileiros aqui não colam e fazer isso na rua é um deles. Então dei de cara com um botecão onde estava escrito FADO VADIO. Na hora me lembrei dos cães vadios, um grupo de vagabundos adolescentes que eu era componentes. Grandes caras, se estivessem aqui talvez fôssemos presos por baderna ou algo assim. Lá dentro uma brasileira, da minha idade servia os velhos beberrões. O bar era estilo boteco mesmo, mas no meio de tanta coisa chique tinha seu charme. Mijei, bebi umas duas cervejas e desci a ladeira para ir embora. Já estava contente com o rendimento do meu dia mas adivinhe quem fez psiu pra mim?O próprio Fernandinho…nunca li nada dele porque todo pseudointelectual o cita como Deus. Isso me afasta. Deve ser por isso que ele nem sorriu pra foto. Foda-se também. Eu vou pra casa e ele vai passar a noite ali sentado. Amanhã vou para Sintra…ou para o oceanário?Não existe destino melhor que a liberdade de escolhe-lo.

São Marcos, Portugal.

quinta-feira, 5 de março de 2009

MILAGRE DE SÃO JERÔNIMO

Agorinha mesmo passou na passarela um brasileiro tremendo de frio, andando de meias pela rua com os sapatos e um saco gigante nas mãos. Era eu. O filho da puta do tênis que custou 200 pratas arrebentou todo o meu pé e foi uma delícia andar com 8 graus na rua somente com as meias compradas no china. Cruzei com uma família de pretos (aqui tem muitos vindos da África), no momento que pequena fazia uma dança daquelas esquisitas na rua mas ninguém via porque ninguém chamava mais atenção que o manco aqui.
O pé começou a doer eram 12h, quando eu havia acabado de desistir de andar adiante na rua da liberdade. Cheguei aos pés do Marquês de Pombal, grande cara que reconstruir Lisboa, e senti uma fisgada no calcanhar. Mas a vista de Lisboa era tão linda que deixei pra lá. Descendo preferir tomar um metro para fazer valer o investimento de 10 euros que tinha feito em um cartão e não havia usado. Nada. Nada de novo. Putz. O portuga me passou a perna. Fui direto para a praça do comércio e me deparei com uma obra em volta de tudo. Putz de novo. Fiquei muito surpreso em ver que o César Maia veio parar aqui. Não me restou alternativa. Depois de comer uns sanduíches feito em casa que tive que dividir com as gaivotas barulhentas na beira do Tejo, peguei um comboio (ônibus) para Belém até agora, o lugar que mais me impressionou.
Tenho fascínio pelo descobrimento do Brasil e não pude conter a emoção ao ver o monumento em homenagem ao descobrimento. Sempre que via nos livros imaginava algo do tamanho natural, sem-gracinha até. Mas foi ver o tamanho do pé do jesuíta ao meu lado para ser tomado por um calafrio instantâneo. Estavam lá todos os personagens que habitavam minha imaginação nas aulas de história do Rosário, onde ainda contavam que os portugueses descobriram o Brasil por engano. Lindo mesmo. Pedi para um japa bater minha foto depois da dica preciosa da minha amiga chilena (“eles são ótimos com máquinas e sempre contam até três antes de bater”) e fiquei ali, parado feito um pau Brasil, contemplando com os olhos vibrantes aquele marco na minha viagem, depois do calo, claro.
Atravessei o jardim, fiz umas fotos sozinho com o timer da máquina porque nenhum adolescente português se ofereceu a fazer e me arrastei para o museu da marinha onde teriam réplicas das naus. Senti falta dos playmobils que eu tinha pois eram tão pequenas que poderiam estar na piscina da minha casa. Frustrado entrei no mosteiro dos Jerônimos pedindo para o santo, que é meio sinistro, ligado a xangô na macumbra, pra dar um jeito na dor que me tiraria do circuito tão cedo. E ele fez. Primeiro pela absoluta beleza que encontrei. Um pátio central, todo e completamente branco, com um pequeno chafariz e gramado no centro. Tive a sensação que iria encontrar um unicórnio a qualquer momento de tão mágico. Era impossível não sentir paz naquele lugar, tanto que me sentei sozinho para observar cada detalhe do que chamam de ponto alto do período Manuelito. Mas o segundo motivo foi ainda melhor. Na saída, agradecendo ao São Jê pela força ouço algo tão familiar que olhei pra trás por impulso. Uma carioca!Legítima, da gema, da Gávea. Ia para o marco do descobrimento. Prometi levar desde que me fizesse companhia até a torre de belém. Fechadão, belezinha, maneiro, e tome gíria.
Isabele é dona de um par de bilhas verdes, um senso de humor maravilhoso e cheia daquela ginga da galerinha do baixo. Dei sorte porque a gaja faz artes e tem muitas idéias para fotos. Falamos do mochilão, o dela terminando pra variar, do Rio, de Lisboa e foto vai e foto vem, já estávamos na torre de Belém, empuleirados no beiral fotografando o início do pôr do sol. Uma hora depois, no comboio, indo de volta a Lisboa, onde eu a apresentaria o resto que ela não viu, justo nesta hora, no meio de tanta gente diferente, com pretos falando seus dialetos e portugueses falando com dentes presos, lembrei de Supertramp e sua aventura no Alaska. “A felicidade só existe quando é compartilhada” escreveu ele antes de morrer. Ela ali de costas, intertida, hora ou outra virava-se pra mim, sacananeando pela grande distância percorrida, com tantos prédios de azulejos passando correndo, me bateu o coração, não por ela claro, mas pela vontade de estar com alguém que se ama.
Fomos coroados com um céu absurdamente azul e muita gargalhada com a confusão da língua em momentos de informação(Você pagou este título no payshop?"O que?PetSohp?Não, nem tenho bicho de estimação"). Amanhã na frente do Mc Donald encontro Isabela novamente para ir ao Castelo de São Jorge, feliz pela amizade instantânea e pelos novos tênis que comprarei. Ah, sim, foi só ela ir embora para eu perceber que além dos calos também haviam duas grandes bolas na sola devido ao tanto tempo andando na ponta dos pés. Quando a família de pretos me viu chegar, cheio de sacos de compras com o tênis na mão, deveriam ter percebido que apesar de estar com meias no chão eu também estava com a cabeça nas nuvens.
São Marcos, Portugal

quarta-feira, 4 de março de 2009

PEQUENO E DELICIOSO

- Dorme porque tá um temporal lá fora.
Nem foi preciso o Marcelo me falar de novo. Desde uma semana antes de viajar não dormia sossegado, hoje sim. Logo ao acordar me apaixonei pela primeira vez. O fiambre daqui é inesquecível. No Brasil se chama presunto mas nem dá pra comparar uma coisa e outra.
Arrumadinho, cheirozinho, máquina na mão, dinheiro no bolso e escondido, mochila nas costas. Pronto para embarcar pela primeira vez sozinho mesmo em Lisboa. Nem foi preciso andar muito pra me embananar. Carreguei o cartão do metro achando que era do comboio (trem), não conseguia comprar nada na maquininha inteligente e ainda tentaram me assaltar…é isso mesmo. Pior , foi um portuga. Cercou de um lado, pergunta de outro, mas carioca que sou dei um tapinha nas costas dele e disse simplesmente: valeu irmão!
Fui direto para o Baixo Chiado em direção de um praça linda que tem ali. De longe, o Tejo emoldurava a cidade. Fiquei emocionado com aquilo tudo. No alto, o castelo também me observava. Me lembrei do abrigo nazareno e da caixa d´água em campo grande que sempre estiveram cercando minha casa. Deu vontade de rir sozinho. Fui andando meio sem rumo e logo vi em todo lugar os azulejos portugueses, a arquitetura que tanto temos referencia no Brasil, um mescla de novo e velho, letreiros digitais sob casarões milenares. Segui rumo ao rio imaginando ser aquele o caminho principal mas bastou andar 100 metros para tudo mudar de direção. Um elevador colossal, no meio de prédios, todo de ferro, lindo mesmo, estava com suas portas abertas e sua imponência me chamando. Caro pra dedéu, 3 euros, mas tudo que ele me reservou valeu muito mais que isso.
Depois de muitas tentativas frustradas de tirar uma foto que enquadrasse o castelo de são jorge e a praça de rossio e eu, fui ajudado por um casal de gringos e assim começaram as trocas de máquina naquela torre de babel do elevador. No meio destes tantos uma pequena me pediu para fotografar e em seguida emendamos um papo que terminou quase agora. Fomos percorrendo ruelas do Chiado e da baixa pombalina, entre escombros da igreja e praça de Luis de Camões conversando aliviadamente. Tinhamos os mesmos objetivos sendo que ela indo pra casa e eu chegando na europa. Impressionante como os latino americanos se identificam pelo cheiro. Mesmo com ela hablando seu espanhol legítimo e eu sem arriscar uma palavra que aprendi no cursinho nos demos bem, apesar de não encontrarmos mais o elevador. Já estava satisfeito de ter conhecido Karin, a chilena, mas a Santa Providência move as peças sob esta cidade tão abençoada por santos, e logo em seguida nos encontramos com natália, sob o portal da cidade. A espanhola que falava mais rápido e não entendia bulufas do que eu dizia, mas riamos tanto juntos que me senti em um seriado americano cheio de claquetes rizonhas e sem graça. Paramos no chatô do Chapitô, lá na encosta do castelo, tomando uma breja local e provando uns tapas de bacalhau. Karin ia embora às 21h e fizemos sua despedida sob as luzes da cidade, mirando a ponte vasco da gama ao fundo. Natalia é de Salamanca e me ofereceu prontamente um pouso em sua casa. Prometi aparecer por lá. Assim, cheia de surpresas minha viagem vai ganhando aos poucos novas direções, cada vez mais interessantes. Acompanhei a chilena até seu ponto e nos despedimos como velhos amigos. Nesta hora a baixa já se silenciava, com ventos limpando suas ruas e levando consigo um dia pequeno e tão delicioso quanto fiambre português.
São Marcos, Portugal

terça-feira, 3 de março de 2009

CAINDO A FICHA

Vi a Europa pela primeira vez pela greta da janela do chinês ao lado, toda iluminada. Queria ter visto a África mas ele fechou nessa hora. A viagem foi boba, com um gringo de botas de esquiar do meu lado e o desenho da sininho na telinha. Já na fila de imigração foi diferente: a brasileirada toda junta. Muita puta, antes de mais nada. Com tatuagem no pescoço, Dolce & Gabanna na calcinha, tinha de tudo. Pra elas nada, pra mim uma porrada de perguntas. Cada vez que um oficial passava, era questionado. Finalmente achei minha mochila com a bandeirinha do Brasil e também achei o Marcelo, meu amigo brasuca-portuga, no portão de desembarque.
A saída do aeroporto é como São Paulo, com direito a COBAL e tudo. Fomos direto para São Marcos onde este gajo mora e não via nada demais em lugar nenhum. Sangue frio pra conhecer tudo, inclusive a hospitalidade amável do meu amigo. Mais uma volta de reconhecimento pelo bairro onde trabalha e tudo era tão familiar que parecia um passeio pelo Jabour.
Então posso voltar e te dizer tudo de novo: Vi a Europa pela primeira vez na Boca do Diabo, em cascais. Um enorme buraco no meio das rochas, milenares, onde o mar bate cansado sabendo que ali não tem vez. Vi gaivota, vi turista, vi um mar azul escuro absolutamente imponente. E tudo isso ficará na memória pra sempre. Aliás só nela porque as pilhas compradas aqui nem rolaram com a minha câmera. Nenhuma foto. Seguindo para o lugar onde A Europa é mais brasileira, pois o Cabo da Roca é a ponta do nariz do velho continente embicado pra nossas terras. Nada de foto. Porra, nem uma a máquina deixava. Já eram horas sem dormir e tudo incomodava, principalmente minha cueca que, por estarem todas na mala, era frouxa e descia e subia dentro das calças. Só fui esquece-la depois da primeira cerveja no pub onde um gordo brasileiro meio chato comandava o videokê. Ali conheci mais gente que está tentando a vida como pode, vi a união desta galera, um misto de cadeia com BBB, e vi todos reclamando da crise, numa constante intermitente. Eu era o turista, meio sem sal no meio de tantos como eu que acabou cantando “exagerado” sem sucesso, recebendo palmas burocráticas. Deu saudade da minha banda, dos meus amigos e do colo quente. Mas amanhã novas expectativas: irei a lisboa, já troquei as pilhas e encontrarei muitos turistas mochileiros como eu. Ah, também abandonei a cueca em algum lugar e aderi a umas ceroulas quentinhas. Só assim o saco fica quente e não cheio.
Bairro São Marcos, Portugal.