quinta-feira, 5 de março de 2009

MILAGRE DE SÃO JERÔNIMO

Agorinha mesmo passou na passarela um brasileiro tremendo de frio, andando de meias pela rua com os sapatos e um saco gigante nas mãos. Era eu. O filho da puta do tênis que custou 200 pratas arrebentou todo o meu pé e foi uma delícia andar com 8 graus na rua somente com as meias compradas no china. Cruzei com uma família de pretos (aqui tem muitos vindos da África), no momento que pequena fazia uma dança daquelas esquisitas na rua mas ninguém via porque ninguém chamava mais atenção que o manco aqui.
O pé começou a doer eram 12h, quando eu havia acabado de desistir de andar adiante na rua da liberdade. Cheguei aos pés do Marquês de Pombal, grande cara que reconstruir Lisboa, e senti uma fisgada no calcanhar. Mas a vista de Lisboa era tão linda que deixei pra lá. Descendo preferir tomar um metro para fazer valer o investimento de 10 euros que tinha feito em um cartão e não havia usado. Nada. Nada de novo. Putz. O portuga me passou a perna. Fui direto para a praça do comércio e me deparei com uma obra em volta de tudo. Putz de novo. Fiquei muito surpreso em ver que o César Maia veio parar aqui. Não me restou alternativa. Depois de comer uns sanduíches feito em casa que tive que dividir com as gaivotas barulhentas na beira do Tejo, peguei um comboio (ônibus) para Belém até agora, o lugar que mais me impressionou.
Tenho fascínio pelo descobrimento do Brasil e não pude conter a emoção ao ver o monumento em homenagem ao descobrimento. Sempre que via nos livros imaginava algo do tamanho natural, sem-gracinha até. Mas foi ver o tamanho do pé do jesuíta ao meu lado para ser tomado por um calafrio instantâneo. Estavam lá todos os personagens que habitavam minha imaginação nas aulas de história do Rosário, onde ainda contavam que os portugueses descobriram o Brasil por engano. Lindo mesmo. Pedi para um japa bater minha foto depois da dica preciosa da minha amiga chilena (“eles são ótimos com máquinas e sempre contam até três antes de bater”) e fiquei ali, parado feito um pau Brasil, contemplando com os olhos vibrantes aquele marco na minha viagem, depois do calo, claro.
Atravessei o jardim, fiz umas fotos sozinho com o timer da máquina porque nenhum adolescente português se ofereceu a fazer e me arrastei para o museu da marinha onde teriam réplicas das naus. Senti falta dos playmobils que eu tinha pois eram tão pequenas que poderiam estar na piscina da minha casa. Frustrado entrei no mosteiro dos Jerônimos pedindo para o santo, que é meio sinistro, ligado a xangô na macumbra, pra dar um jeito na dor que me tiraria do circuito tão cedo. E ele fez. Primeiro pela absoluta beleza que encontrei. Um pátio central, todo e completamente branco, com um pequeno chafariz e gramado no centro. Tive a sensação que iria encontrar um unicórnio a qualquer momento de tão mágico. Era impossível não sentir paz naquele lugar, tanto que me sentei sozinho para observar cada detalhe do que chamam de ponto alto do período Manuelito. Mas o segundo motivo foi ainda melhor. Na saída, agradecendo ao São Jê pela força ouço algo tão familiar que olhei pra trás por impulso. Uma carioca!Legítima, da gema, da Gávea. Ia para o marco do descobrimento. Prometi levar desde que me fizesse companhia até a torre de belém. Fechadão, belezinha, maneiro, e tome gíria.
Isabele é dona de um par de bilhas verdes, um senso de humor maravilhoso e cheia daquela ginga da galerinha do baixo. Dei sorte porque a gaja faz artes e tem muitas idéias para fotos. Falamos do mochilão, o dela terminando pra variar, do Rio, de Lisboa e foto vai e foto vem, já estávamos na torre de Belém, empuleirados no beiral fotografando o início do pôr do sol. Uma hora depois, no comboio, indo de volta a Lisboa, onde eu a apresentaria o resto que ela não viu, justo nesta hora, no meio de tanta gente diferente, com pretos falando seus dialetos e portugueses falando com dentes presos, lembrei de Supertramp e sua aventura no Alaska. “A felicidade só existe quando é compartilhada” escreveu ele antes de morrer. Ela ali de costas, intertida, hora ou outra virava-se pra mim, sacananeando pela grande distância percorrida, com tantos prédios de azulejos passando correndo, me bateu o coração, não por ela claro, mas pela vontade de estar com alguém que se ama.
Fomos coroados com um céu absurdamente azul e muita gargalhada com a confusão da língua em momentos de informação(Você pagou este título no payshop?"O que?PetSohp?Não, nem tenho bicho de estimação"). Amanhã na frente do Mc Donald encontro Isabela novamente para ir ao Castelo de São Jorge, feliz pela amizade instantânea e pelos novos tênis que comprarei. Ah, sim, foi só ela ir embora para eu perceber que além dos calos também haviam duas grandes bolas na sola devido ao tanto tempo andando na ponta dos pés. Quando a família de pretos me viu chegar, cheio de sacos de compras com o tênis na mão, deveriam ter percebido que apesar de estar com meias no chão eu também estava com a cabeça nas nuvens.
São Marcos, Portugal

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