quinta-feira, 30 de agosto de 2007

AMORES FÚTEIS

Amores fúteis me perseguem
são como frutas podres de um pomar.
De longe todos a querem,
Mas são poucas que se pode aproveitar.

A minha inconveniência
é que o mundo é conivente com você,
com seus mimos de criança
que nem sempre sou obrigado a fazer.

Os buracos da sua estrada
todo dia mudam de direção
distanciamos um do outro
cansados de andar na contra-mão.

Eu queria era uma aposta
mas esqueci, se chamam jogos de azar,
minha vida são dois dados
nas mãos de quem não sabe brincar.

Amor a casa caiu, amor o sol já sumiu, amor foi tudo ilusão,
fiquei vazio de você mas fiquei cheio de razão.

Amor a casa caiu, amor o sol já sumiu, amor foi tudo ilusão,
eu só queria ter você e um pouquinho de atenção.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

TENTATIVAS

Será que um dia eu consigo entender
O que seu sorriso alheio quer dizer?

Será que eu dia eu consigo escutar
O que foi que seu silêncio quis falar?

Tento entrar no seu ritmo pra não dançar.
(ela sabe sambar, eu não consigo acertar)

Tento andar nos seus passos pra não tropeçar.

Hoje eu quero acordar com você.
Edredon, pipoca e filme na TV.

Me desculpe se eu falo demais
Só quero te fazer o bem que você me faz.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

JOGOS DA MEMÓRIA

Não era uma casa muito engraçada. Sinistra até. Entre o portão e o imóvel, um terreno mal iluminado dava poucas pistas sobre o dono. Onde seria um antigo jardim, o mato e a trepadeira deitavam sua soberania verde-escura, cobrindo anões e sapos de gesso. Ela abriu o portão em um só golpe, como nenhum cachorro ladrou, seguiu as pedras no chão pouco visíveis naquele horário lusco-fusco. Via-se uma luz fraca pela portilhola e nada mais. Chamou baixinho e nada de resposta. Entrou na varanda, tentou de novo. Viu um bilhete preso: “Por favor cuide dele. Não posso mais.” Não se assustou. Como enfermeira em tantos asilos, já estava acostumada com abandono e mal-trato. Abriu a porta de madeira detalhada e foi tentando se encontrar. Entre móveis velhos identificou a entrada de onde vinha a luz. No banheiro de azulejos detalhados, chamava atenção o espelho quebrado com marca de sangue seco, onde Luzia se viu pela primeira vez. Estava despenteada e suada depois de tantos ônibus lotados. Começou o procedimento de assepsia, colocando luvas, gorro e jaleco distraída com as notícias de terremoto em Lima que havia lido cedo, mas foi surpreendida pelo vulto estranho entrando no banheiro, esbarrando na porta, com o pênis na mão. O observou sem ser notada. Tinha textura de um pão de queijo, sem um pêlo cobrindo o corpo de tom amarelado, coberto de pintas. Era tão alto que precisava abaixar a cabeça para passar sobre o umbral que revelava marcas de antigas pancadas. Esperou que voltasse e o seguiu. No quarto fétido, sem luz, o velho deitou-se novamente resmungando coisas indecifráveis e logo adormeceu. Luzia catou a indicação que recebera, tentando relembrar o histórico do paciente.

Pouco sabia-se dele. Estrangeiro, vindo de uma família de poloneses, estruturou sua vida trabalhando no serviço de correios e telégrafos mas perdeu tudo por causa do jogo. Os vizinhos juravam que já havia sucumbido pela presença de urubus no quintal, mas foi visto por estudantes que fumavam baseado em sua varanda. Dele, era impossível saber algo, afinal, o mal de Alzheimer em estágio avançado nem o permitia lembrar como mijar direito.

Luzia sentou-se ao seu lado numa cadeira e aos poucos se aproximou. No exame de toque detectou anemia pelas pálpebras e alguma chagas nas costas e nas pernas. O paciente imóvel, parecia morto. Seguiu conferindo ossos e veias, até que, ao seu lado, uma velha caixinha de música dá seu alarde, despertando o velho que levanta-se gritando, indo de um cômodo ao outro, como se procurasse uma saída. Sentindo o sangue gelar, Luzia refugiou-se no quarto ao lado, onde adormece vencida pelo dia estranho. Muitos pensamentos a seguiram naquela noite porém o que prevaleceu foi seu compromisso assumido como aluna exemplar na Escola de Enfermagem Dra. Adair Teixeira.

A luz do dia seguinte revelou cômodos repletos de bibelôs coloridos, calendários antigos e sofás e camas de madeira Luis XV. Seu paciente também parecia mais calmo, sentado na cadeira de balanço, fingindo ler um jornal de 15 de abril de 1988, de cabeça para baixo. Mesmo contra sua vontade deu uma geral na casa, arrastando móveis e abrindo janelas. Aos poucos tudo voltaria ao normal. Chamou sua atenção os inúmeros porta-retratos espalhados por todos os lugares, sempre com paisagens incríveis de recantos desconhecidos. Ora ou outra, o velho levantava-se, escolhia uma das fotos e a contemplava longamente, por vezes chorando em silêncio. Luzia lembrou da caixinha de música e foi desarmá-la evitando novos sustos. Na penteadeira de pernas arcadas e tampo redondo meio rococó, ela repousava no centro, sozinha. Com cuidado a enfermeira a pegou nos braços. Era grande e pesada, do tamanho de uma caixa de sapato e, em cima , marcado com algo pontiagudo, lia-se “Herança”.

Um sentimento estranho tomou conta dela, que viu naqueles segundos a oportunidade da sua vida mudar. “Depois de limpar tanto velho cagão, eu mereço”. Pela porta dos fundos, foi até o limite do terreno e, numa distância onde o dono não pudesse ouvir, a abriu. Um par de óculos, uma caneta tinteiro e muitos bilhetes de loteria preenchido. Sentiu-se burra em lembrar que o velho havia perdido tudo em apostas e, desanimada, analisou os papéis, na esperança de alguma dica que a fizesse ganhar dinheiro. Os números eram desencontrados e sem qualquer lógica. Mesmo assim, anotou alguns e foi fazer sua fezinha.

Orgulhava-se de sua natureza cigana, explicada em uma regressão feita quando jovem. Por isso mesmo Luzia adaptou-se rapidamente ao seu novo lar, decorando-o com flores e determinando hábitos. O velho, um pouco mais sadio, vestia conjuntos floridos de viscose, única coisa que ela sabia costurar, e passeava pelo jardim diariamente para tomar sol. Seguiam os dois, num pacto de silêncio, interrompido pelo radio baixinho na cozinha, que um dia anunciou o resultado da Loterj.

“Se merda fosse dinheiro, pobre nascia sem cú”, repetia Luzia várias vezes naquele dia. Ficou tão indignada com a falta de sorte do velho que não se conteve. Pegou a caixinha e, derramando sobre a cama o perguntou sobre a herança. Ele a observava de olhos arregalados sem entender, até que identificou seu bilhete. Correu desesperado para a sala e, numa braçada, recolheu seus porta-retratos, que caíam no chão, quebrando seus vidros. Com os pés cortados, o polonês tentava fugir pela casa, escorregando em seu próprio sangue. Luzia arrependida, pedia calma aos berros, tentando arrumar a bagunça. Passou a noite limpando a sujeirada e pensando nos números. Não era possível. Precisava entender que herança era aquela.

Ao copiá-los repetidas vezes, percebeu algumas coincidências numéricas. Estava chegando lá. Lembrou dos retratos. Lembrou da Polônia, dos jogos, da família abandonada, da profissão...

Junto com os primeiros raios da manhã, Luzia deu um salto da mesa da cozinha. Depois de consultar o mapa de ruas e bairros, recolheu alguns itens na bolsa, inclusive algumas peças de roupa de ambos, todos os bilhetes e acordou o velho de súbito. Com dificuldade em carregá-lo, tomou um ônibus até a rodoviária e, antes do meio-dia já se encontrava a quilômetros da casa. No ponto que desceram consultou os números novamente e determinou a direção. Subiram a ladeira escorando-se com muita dificuldade e após muitas horas de sacrifício, finalmente chegaram ao local. Uma praça com muito verde, mesinhas e caramanchão. O velho, sem reação até ali, seguiu andando até um mirante invisível daquele ângulo. De lá os dois viram as montanhas do Mendanha, a plantação de laranja e e o mar da restinga da Marambaia. O velho, antigo carteiro da cidade, pode rever os lugares que andou e nunca gostaria de ter esquecido. Anotar o CEP com os números do bilhete da loteria foi sua forma de lembrar sua maior lição, que algumas coisas da vida, não há dinheiro que compre.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

AMOR ENTRE IMAGEM E PALAVRA

* Mais uma tentativa de compor uma canção.

A Imagem descia a ladeira
mini-saia, decote e batom
a Palavra falou da janela
"Que coisa mais bela", ganhou atenção

A Imagem era exibida
fez de tudo para aparecer
chamou a palavra pro samba
que disse "Caramba, essa eu pago pra ver".

Palavra na ponta da língua
Imagem na ponta do pé
sairam as duas da quadra
andando abraçada, jurando amor

Palavra era mais animada,
fez juras, pediu pra casar
Imagem estava calada, mostrou-se empolgada
em subir no altar

Palavra ficou engasgada
quando viu a Imagem dizer
que valia mil vezes a outra
palavra nenhuma vai a descrever

Imagem ficou arranhada
Palavra foi quem agrediu
Sem ofensas ou xingamentos 2x
se fez o silêncio e Palavra sumiu.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

OS PASSARINHOS QUE MORAM NA MINHA AGÊNCIA

Crônica publicada no site do CCRJ (site do Clube de Criação do RJ em 16/08/2005

Finjo que não ouço as bitocas dadas no final da sala, senão seria obrigado a moralizar algo imoralizável, que é o beijo. Apesar de estar compenetrado nos organogramas de mil pernas, que aprendi a fazer já nos primeiros computadores, sei de onde partiram os carinhos. Observo, entrincheirado entre os dois macintoch da agência, e lá está o casal, amontoado como mochilas, em cima de uma única cadeira.
Seguem seus estalinhos, seguidos de risos, como se o mundo se resumisse ao metro quadrado que habitavam. Desde o dia em que leram um e-mail, se beijam em locais inusitados pois acreditam que cada lugar tem seu significado, além daqueles tradicionais que conhecemos. Na mão, admiração, no rosto, amizade, na testa, respeito, e por aí vai. Fica claro a qualquer estagiário, colaborador ou visitante, que nada que fazem naquele momento, nenhuma ação, é destinada a outra pessoa senão eles próprios. Existe um alinhamento olho-no-olho, parecido com monitoramento GPS, que não permite mais que alguns centímetros saiam fora do eixo. Ela, uma moça de seus 20 anos, usa um rabo-de-cavalo pretinho, intrépido, na parte de trás da cabeça e uns brincos tão grandes que parecem ser de sua mãe. Veste um casaco moderno, de cortes futuristas, vermelho e branco, calça jeans, cuidadosamente desgastada na fábrica e um chinelo de borracha repousado entre os dedos. Está recostada no ombro direito dele, com as mãos se apoiando no esquerdo e o nariz fuxicando seu pescoço. Ele, mais moreno que ela, tem olhos verdes e o cabelo ainda com a mesma forma da sua infância, usa camisa de malha com detalhes amarelos, calça azul e tênis combinando. De repente, o rapaz a faz levantar de seu colo numa atitude brusca que quase a leva ao chão. Ela xinga alguma coisa, dá um beliscão na perna dele e seguem se ferindo até que tudo termina em cócegas e, conseqüentemente, beijos. Já os observo há tempo e também não me espantam com seus rompantes, pois existe uma sincronia em seus movimentos, humores e objetivos, que mais parecem amestrados em algum circo do amor.
Profissionalmente, também se acertam. A moça escolheu ser atendimento da agência - aos menos informados sobre propaganda, é a pessoa responsável por saber do cliente quais serão os problemas a serem resolvidos -, mas também quer o planejamento, onde se faz pesquisa e mostra-se caminhos. O rapaz, segue meus passos e doa-se ao ofício de redator publicitário. Dificilmente estão juntos trabalhando, pois onde termina o trabalho de um, começa o do outro, são como elos de uma corrente esticada, cada um sendo puxado para um lado. Mesmo assim, não é raro vê-los como passarinhos na cobertura, um ajudando o outro, no difícil esculpir do ofício, ou cada um no extremo da sala na mesma semana, por conta de uma maior concentração nos trabalhos que encerram seus prazos.
São tão donos de si, tão cheios de razão, que dificilmente sucumbirão por causa do amor, seja juntos ou separados. Nunca deixarão os pesares do macro-ambiente atrapalhar, nem a falta de criatividade transformá-los em qualquer coisa igual. Farão análise SWOT para ver quais são os pontos forte, fracos, ameaças e oportunidades, para morarem juntos e futuramente montarem um escritório no quartinho de empregada. Não faltarão bilhetinhos escondidos pela casa e teasers criando uma expectativa para mais tarde.
Como supervisor, admito em vistas grossas o namoro pois acredito na sinergia, que somam um mais um e dão três. Mas como pessoa, respeito-os como casal, por talvez achar que são uma evolução de mim mesmo ou, no mínimo, porque gostaria que fossem...
Eles acabaram de vir a minha mesa entregar o planejamento que deviam e fui surpreendido também com um beijo. Na testa.