quinta-feira, 17 de março de 2016

CADA VEZ MENOS SMART


Quando comprei finalmente meu smartphone, o aparelho já era mais febre que pochete nos anos 80. Jogadores de futebol, sertanejos e modelos faziam suas selfies no próprio ambiente de trabalho. No mesmo mês fui acometido por uma crise de ansiedade e não demorei para ver que existia relação íntima entre as duas coisas.

Este aparelho mágico e fascinante que temos em mãos tem uma função que vem sendo usada sem controle. Ele foi responsável por terceirizar nossa carência. Antes de existir um celular tão esperto já depositávamos nossas inseguranças e ansiedades nos animais de estimação,  na malhação da academia, na compulsão por sexo ou seja lá o que for. Mas por que tanto trabalho se através de uma rede social podemos unir tudo isso? Os nerds, aqueles garotos estranhos que tinham problema de relacionamento na escola e se escondiam em alguma atividade onde se sentiam seguros são atualmente nossos modelos de comportamento. Temos agora uma caixinha onde despejamos toda a fúria por não sermos tão amados e idolatrados. Assim, podemos sair na rua saudáveis, divertidos e leves tendo o facebook como nosso laxante emocional. Não precisamos mais correr atrás da gatinha para uma foda pós boate. Não precisamos mais bater na mesa do bar para dizer o quanto somos mengão.  Não precisamos mais olhar nos olhos da pessoa e dizer o quanto a amamos.

Gastamos  todo tempo de vida real gerando conteúdo para nossa vida virtual. Somos celebridade de nós mesmos. Tristes palhaços sem circo.

Quanto focamos no indivíduo, no caso eu e você que está lendo, estes hábitos parecem um tanto infantil e fáceis de controlar. Mas a carência é a mãe de todos os vícios e a sensação de impunidade virtual excita. Posso xingar, me exibir, posso me vangloriar e nada vai acontecer comigo. Assim como as putas de Amsterdam estamos escondidos atrás de um vidro, rebolando nossas farturas atrás de likes em forma de gorjeta. A grande guerra que o ser humano está prestes a enfrentar é contra sua própria hipocrisia. Neste momento, militares zoados em programas de comédia estão sendo cotados para presidente no Brasil. Jogadores negros estão sendo chamados de macacos na Europa. Jornalistas estão sendo degolados com transmissão ao vivo na Síria.  As redes sociais estão legitimando o lado mais sujo dos homens.

Minha bisavó costumava conversar com o rádio e dar boa noite para o apresentador do Jornal Nacional, o que divertia os mais novos, acostumados com a tecnologia. Espero que o mesmo aconteça conosco. Quando for coroão tirando uma selfie e minha filha rir destes modos tão antigos, quero ver através de seus olhos que tudo não passou de empolgação e nossos demônios voltaram para dentro do armário por sermos muito mais smarts que eles.



sexta-feira, 7 de agosto de 2015

TE FAZ PENSAR E TE FAZ SENTIR

Contando agora, depois de me espichar no sofa vendo TV, tomando uma coca cola e usando chinelo, Bogota ate pareceu uma historia distante. De anteontem para hoje tudo mudou. O segundo dia na capital surpreendeu com a luz do sol trazendo um pouco de cor as montanhas. Tive que abrir mao de conhecer a catedral de Zipaquira, toda em sal, contruida pelos mineiros devotos. Fui caminhar pelo bairro rico para almocar no restaurante-bar mais foda que ja conheci. Sao 3 andares que se dividem entre ceu, purgatorio e inferno, caprichosamente decorado. Do cardapio, que se leva para casa gratuitamente, a recepcao feita por musicos e palhacos, tudo muito bem calculado para impressionar. Quem conhecer o responsavel por essa facanha, aperte a mao do sujeito por favor. Andres carne de Res e a melhor coisa de Bogota. 

Um oculos novo e uma camisa azul. Foram essas minhas compras na cidade. Se por um lado os colombianos foram tao criativos na confeccao de livros e joias, deixaram a desejar no presentinhos que lembram a cidade. Na verdade o que deu vontade mesmo de levar para casa foram todos os quadros do Botero em seu museu. Seus gordinhos meio zarolhas bem que poderiam ser transformados em brindes do Mc Donald tamanha sua simpatia. Em tempos de cirurgia bariatrica, os quadros do pintor sao um verdadeiro ode a fofura alheia. Fiquei horas tirando foto e olhando de perto cada pincelada. Haviam tambem quadros de outros artistas incluindo de Picasso e Monet.

Me sentia tres vezes mais cansado por algo que esqueci de explicar. Cada vez que saio do hostel me perco. De um lado um sistema de estradas e ruas todas reconhecidas por numero, de outro eu que fujo da matematica ate na hora de decorar o nome do onibus. Por isso, cada passeio se tornava maior na medida que dava voltas e mais voltas no quarteirao ate encontrar. 

Aguardei no hostel a hora de pegar o onibus e ja na rodoviaria comprei um pao com bife dentro, que horas depois joguei fora com medo de comer. Com um mes de antecedencia reservei pela internet um lugar na janela de frente para o DVD para que a viagem ate Medellin fosse agradavel. Mas no meio do caminho havia um Bogotenho chamado Gali que roubou meu lugar. Vindo de um criminalista ate que era simpatico. Passamos a noite conversando sobre amenidades. Perguntei para ele sobre o periodo do narcotrafico mas percebi que ele, como todos os outros, evitam falar sobre o assunto. 

Tive uma grande expectativa por Medellin, justamente por ser um lugar que aparentemente nao tem nada especial. Mas como disse no post anterior nao viajei sozinho. Se em Bogota Gabriel Garcia Marques me fazia companhia, aqui um outro amigo chamado Juan Pablo Escobar me espera. 
A primeira impressao que tive da cidade me divertiu. Medellin parece a Zona Oeste, mais exatamente Bangu. Cercada de montanhas, quente, com camelos tomando a calcada para vender de tudo. Definitivamente o turismo aqui fica em segundo lugar. Meu hostel fica longe do centro, em um bairro meio Barra da Tijuca e tenho que pegar transporte. Deixei as coisas no hostel, que mais uma vez estava tomado de europeus que andam entre si e nao se importam em conhecer gente, e fui para o Centro. Depois de rodar pelas ruas esburacadas, com suburbanos colombianos, decidi que ainda nao estava preparado suficiente para passear por ali. Era muita informacao. Entao, aproveitei que ainda eram meio dia e tomei um onibus e fui para o interior conhecer El Penol. 

Entre lindos vales houve a necessidade de criar uma represa para abastecer a Antioquia e a decisao foi simples. Vaza todo mundo que a gente vai encher de agua. Uma cidade inteira esta debaixo d\agua e uma outra cidade, por cima das montanhas foi contruida. Tudo isso seria simples se no local nao houvesse uma enorme pedra, maior que o pao de acucar, com 700 e poucos degraus onde se tem uma vista fantastica e uma brisa deliciosa. Fiquei por la muitas horas e, se na subida para o monte que da acesso a pedra fui de tuc tuc, aquelas motos equipadas para carregar 3 pessoas.na descida fui a pe, curtindo o visual e raro silencio que se fez depois da ida dos onibus de turismo. A buceta, microonibus daqui me esperava, e encarei de pe a viagem de volta. 

Nestas 24h em Medellin ja carrego varias coisas comigo, como girias tipo `timba` `bacan`, casas todas no tijolo, ate as mais abastadas e um metro limpo e gentil, que explica os pontos turisticos proximos, Ainda refletindo sobre a diferenca entre as duas cidades, seria simplista dizer que sao como o Rio de Sao Paulo. Para mim Bogota te faz pensar e Medellin te faz sentir. 

terça-feira, 4 de agosto de 2015

VAMOS EMBORA PARA BOGOTÁ...

Quando deixei minha avó com olhos marejados por me ver partir na semana de seu aniversário de 80 anos, compreendi finalmente que esta seria uma viagem de dentro para fora. Depois de alguns anos experimentando a companhia deliciosa da Juliana e depois de voltar no tempo, indo para Cuba, finalmente estava com a mochila nas costas novamente, com roteiros e mapas. Mas diferente do que todos sabem nao viajei sozinho.
Para me acompanhar em Bogotá trouxe meu amigo Gabo, que me fez sentir o sabor ácido, doce, dourado e salgado da Colombia através dos livros. Disse para meu avô uma vez que os mortos me encontram no metro, pois reconheco rostos do passado, quase toda semana, no meio da multidao. Foi o que me aconteceu na conexao no Panamá, onde me vi desmontado por Cristován, um elegantissimo senhor, com seu bigode grisalho e uma bengala que, de tao bem encaixada com sua personalidade, parecia uma extensao dele mesmo. Nao conheci Gabriel Garcia Marques mas acho que se o encontrasse no aeroporto ele seria Cristóvan, com suas piadas de salao e uma fala pausada capaz de conseguir a atencao do mundo.
Com pouco menos de 24h em Bogota, ja visitei a metade de seus principais pontos turisticos, sendo que nenhum deles mereceu mais que meia duzia de fotos. Como gosto de tecer teorias sem qualquer embasamento teórico, acho que a Colombia , enquanto todos estavam amadurecendo para o turismo, ainda sofria com a guerra do narcotrafico. Agora corre contra o tempo. A Candelária, bairro alternativo, muito parecido com a Lapa no Rio, com o Pelorinho na Bahia ou com o Bairro Alto em Lisboa, tem sua beleza, com casa antigas, telas de grafite enormes em todas as partes e uma multidao de estudantes com seus seus olhares inocentes pro futuro. O Museu do Ouro tem tanto ouro, tanto ouro, que depois do segundo andar voce ja nao é capaz de diferenciar o que viu. Achei bacana os aderecos que as tribos andinas usavam e o nivel de detalhes que eram capazes de fazer em uma epoca primitiva com uma rocha tao resistente. Mas foi só. Ainda falando sobre turismo, Monserrat, a montanha com uma igreja que fica a mais de 3mil metro de altitude, me desafiou com seu teleferico quase em diagonal e tem uma vista incrivel para uma cidade cinza, chuvosa e feia.  Pausa para um auto elogio: o soroche, efeito colateral da altitude que fez minha Jujubinha murchar na vez passada, sequer fez cosquinha em mim.
Desconfio que as tantas tonalidades que Gabo tenta me mostrar em seu livro parte das pessoas e nao dos objetos. Os colombianos sao muito parecidos com os brasileiros. Possuem uma mistura indigena-negra-européia capaz de fabricar gente bonita, mesmo escondidas dentro de casacos e cachecois. Diferente da simpatia desesperada dos cubanos, sao plácidos e nos olham nos olhos. Buena gente!
Estou aproveitando os dias para treinar o espanhol que aqui nao surpreendeu ninguem. Alias quase ninguem. Um belga gago que tentava falar comigo logo na chegada tenho certeza que invejou minha fluencia. Para completar as ruas sao todas orientadas por numeros e as casas do bairro onde fica meu hostel sao todas iguais. Hoje vou repertir a noite de ontem. Tomar uma cerveja no hostel, ler a biografia do meu escritor favorito e aproveitar para organizar os pensamentos. Ah, isso se o gordo ingles que dorme na cama de baixo deixar. Aquilo nao foi ronco, foi turbulencia no beliche.


obs.: O teclado daqui nao coloca alguns acentos entao vai rolar assim ate o final da viagem.




quarta-feira, 11 de março de 2015

TOUCH ME DESTINO

Assim como as folhas se desprendem das árvores, no outono, namoro o vento frio, flerto comigo mesmo na poça d´água. Se o verão é algodão doce, óculos de lente colorida e camisa estampadinha, a chuva fina e o céu nublado anunciam a morte de tudo aquilo que não tem calor e luz própria suficiente para se manter de pé. Por falar nisso, baixei esse aplicativo aqui sobre previsão meteorológica, vê só. Passando o dedinho assim ele mostra que minuto vai começar a fechar o tempo. Poderia ter um aplicativo destes para tudo na vida né? Imagine saber a hora exata que minha filha despertará depois de lhe abrirem o peito ao meio, feito uma gaiola, para dar jeito na sua atresia pulmonar? Como seria tranquilizador, esticar o relógio de todo o semestre e ver que a firma, mal das pernas, não vai fechar as portas? Seria possível não sofrer, sabendo o dia exato que a mulher da minha vida irá renunciar ao namoro sabor água e sal, me olhando com olhos opacos da morte, depois de me culpar por tantos sábados perdidos, debruçada à minha espera na janela aberta do celular? Gosto de conversar com você porque é sincera. Enquanto filosofo já conferiu se havia recebido mensagem duas vezes, ou foi ver a hora, sei lá. Francamente acho que o mundo se tornou superficial demais. Voltamos a época das cavernas onde um emoticon, um desenho,  ou uma foto, dizem mais que mil palavras.  Sua cara, por exemplo, se fosse amarela, seria aquela que mostra descrença, tédio. Mas vamos falar de coisa boa. Me disse que estava fazendo curso de tarot e tinha algo para me dizer. Não desconfio da sua clarividência, inclusive foi a única a acertar a marca do meu carro novo, mas vou logo avisando: se pegar santo aqui na mesa do bar, meto o pé. Morro de medo de gente em transe. Se a capacidade intelectual do ser humano já é fantástica consciente, imagine quando ela se desprende do corpo? Melhor não brincar com isso aqui. Dizem que estes ambientes com bebida e jogo rondam muitos espíritos ruins. Inclusive pode ter um aqui olhando pra gente, ouvindo tudo que estamos conversando. Pago até uma Original para ele caso me ajude a entender minhas angústias. Sofro uma crise dos quarenta desde os trinta. Estou chegando ao final de um ciclo, o fim de uma corrida que irá emendar em outra. Sinto a urgência de novos percursos, novos adversários e me importo cada vez menos em chegar ao final deste primeiro ciclo como retardatário, um autodidata com pouco talento e muito esforço, sem grandes conquistas financeiras nem realizações inesquecíveis. Seria bom saber se, por trás desta casca fina e vulgar de beleza juvenil, existe algo de mais valor. Você dá este sorriso de canto de boca porque já passou por isso, apesar de parecer mais nova. Bom, se pelo menos sobreviveu sem sequelas, ainda tenho esperança. Pode rir. Volto já.


Fui ao banheiro e quando voltei Nina havia ido embora. Acho que realmente não fui uma boa companhia neste domingo à noite. Tem dias que é melhor conversar consigo mesmo. Antes de pagar a conta notei que ela havia mandado por mensagem a imagem de uma carta do tarot. Nela, o desenho de uma torre, atingida por um raio, e dois personagens desabando. Longe de mim saber do que se trata. Sem significado, não há profecia. Vai que o destino resolve dar like.

quinta-feira, 13 de março de 2014

CARRAPATO DE DEUS

Fizeram pouco caso da ressurreição do Guto, porra. Só porque era terça-feira de carnaval não houve sequer um smartphone pra registrar quando ele levantou do caixão, com aquela cara de espanto, no meio tantas flores. A notícia espalhou feito confete, mas no meio de tanta fanfarra e cerveja, ninguém acreditou. Parece piada. Se tornou piada. Guto, que agora vivia feliz da vida nem se importou com isso. Tinha como testemunha sua mãe e sua mulher, as únicas que velavam o corpo na sala de casa enquanto a beija-flor desfilava seu carnaval pragmático na tv.
- Agradece a São Lázaro e a novena que sua mãe fez. Não a mim.
Com o prato de comida na mão, sentado no sofá, Guto nem ouviu Brisa responder seus arroubos sobre a vida. Era a reprise do jogo do mengão na Libertadores, mas a cada gol, o ex defunto gritava com o locutor. O caixão, que acabou sendo comprado pela funerária novamente pela metade do preço, ainda jazia na sala, ao lado da mesa de jantar, quando o rapaz apareceu perfumado após longo banho, com a blusa vermelha de botão, calça jeans justa e barba feita. Preciso beber com meus amigos. Aquela cambada nem deu as caras por aqui. Não terminou a frase quando já havia batido a porta e saído. Sentia-se renovado, como se tivesse trocado de pele. Quanta resignação nos últimos anos! Parou de beber, parou de fumar, o pau não ficava em pé, não escovava mais os dentes e as unhas também cresciam livres. Eu ia morrer cacete, pra que vou me preocupar com isso?  Guto comemorou com seus amigos mais íntimos. Depois, com os menos íntimos. Depois, com o pessoal da repartição e o pessoal do bairro. Mas foi um desconhecido, amigo do amigo, que esticou a carreira de pó, na mesinha de cimento, onde os aposentados exercitavam seu cérebro toda manhã. Por que não? Inspirou tudo com a mesma gula de viver de sua nova realidade. Sabe-se lá o que é morrer, pior ainda, voltar a viver? Talvez não fosse sábio ir ao médico e ignorar o que havia acontecido para seu câncer no sangue curar de bate-pronto, mas por outro lado, o que os doutores falariam se eles mesmos haviam desenganado o paciente? Seria um conforto para a alma entregar-se a orações, mas os ensinamentos do pai ateu, comunista, não permitiam sequer admitir a presença do Divino ao seu lado. “Contra a força não há resistência”. Era seu lema para todos os assuntos de botequim que não concordava.
Brisa não saiu no quarto naquela manhã. Ou melhor, naquela semana. Guto atentou para a questão deitado no sofá. Seguia um ritual. Abria os olhos devagar, mapeava tudo o que via, conferia a respiração, dava um sorriso e estava pronto para mais um dia. Foi até a porta e abriu lentamente. Sua mulher, sob a meia luz da cortina, estava deitada, coberta pelo lençol que sacudia com o ventilador de teto rodando preguiçosamente. Como estava feia. De camisola verde água, como um bebê velho. Dormia com as mãos juntas e seus dedos longos se fechavam feito concha no travesseiro. Sentiu vontade de voltar para a sala mas Brisa acordou. Falou lentamente de afazeres da casa, tentando parecer que não eram cobranças ao marido. Falou do que ainda havia na geladeira, das plantas sem regar e da infiltração do banheiro. Guto ouvia tudo ao longe pois ao ajoelhar-se na beira da cama para ver sua mulher de perto, reencontrou uma velha amiga. Nos fundos dos olhos de Brisa a Morte se escondia. Tentava não encará-lo mas como não reconhece-la se era a mesma que morava no espelho de todas as manhãs, antes da hemodiálise? Brisa gozava de perfeita saúde mas a Morte, com sua perspicácia eterna tinha o tempo a seu favor. Enquanto se afogava em fúria ao ver marido tão cheio de vida, desejando que este ainda estivesse moribundo e dependente de sua compaixão, a mulher deixou uma porta aberta para que a morte, este carrapato de Deus, se instalasse no seu peito. Para ela mastigar amor ou saúde tanto faz. Importante é manter o equilíbrio entre a felicidade e a frustração entre os vivos.


 *Para Gustavo que, com seu eterno otimismo, me tirou da letargia.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

AMOR DE SEIVA BRUTA


Gosto dela quanto gosto do mar. Gosto quando está salgada, gosto de sua cor de areia molhada. Tem para mim um encanto, e seu colo, o mesmo balanço moroso de traineira em ponto morto. Já não vivemos tempos de tormenta e quando voltamos pelo litoral, substituímos a conversa pelo silêncio que a lua nos impõe.  É fugindo da rotina urbana que posso estudar sua natureza decantar.

Como uma janela que se abre todos os dias, antes mesmo de me livrar dos trincos, tenho em mente tudo aquilo que verei entre as ventanas. Curvas, nuvens, florestas, insetos e flores, tudo cabe na beleza desta mulher. Em qualquer lugar, sem muito esforço, sou capaz de  ouvir sua voz manhosa, ver seus olhos redondos e sua boca de grão de café. Sei, sem dizer uma palavra, quando está furiosa, agitada, ansiosa ou relaxada. É pouco, mas já me garante um visual deslumbrante.

Neste ponto onde o amor deu a volta no calendário e os dias começam a se tornar repetidos, encharca meu cascalho um amor de seiva bruta, melado e espesso. Matéria-prima que só ganhará valor através de quatro mãos. É preciso dar um destino ao amor, como os sulcos venosos esculpidos para a sangria do látex. É preciso ter perseverança de garimpeiro, que espera, com olhos fixados, cada ponto brilhante. É preciso ter sempre a mochila nas costas para ser capaz de mudar tudo de lugar sem perder o faro por preciosidades.

Do último passeio não trouxemos conchinhas, mas algo que nunca se viu em terra. A peguei pela mão e, numa jornada entre bolhas de ar e água a conduzi para o fundo do mar, que se deixou levar, cúmplice e confiante. A manobra não é das mais fáceis: é preciso parar lá embaixo, sem movimentos bruscos ou coração acelerado. Permanecemos por dois segundos, tempo suficiente para ouvir os mil sinos marinhos. Eles estão lá me esperando, desde a infância, e já cheguei a desconfiar que era o único a ouvi-los. Mas ela ouviu, emergiu com um sorriso de vitória e nem sabe o quanto fui feliz ao dividir mais este tesouro. O outro tesouro também ficou por lá. A chamamos de Cama Mágica porque tem o poder de nos proporcionar sonhos lindos que, vez ou outra, entrelaçam-se à noite. Está escondida no quarto sem janelas, onde também ficam os fósseis de caramujo, artigos de pesca e uma bóia inflável com cara de dragão envergonhado. 

Aproximar estas duas paixões são obras de puro interesse particular. Ambos me impressionam e me desafiam. Estando fora das estatísticas que determinam quem são os jovens do país, tenho a obrigação de me preparar para o futuro. Sou um jovem adulto e, ao invés do martírio pela idade avançada, prefiro gozar seus prazeres com o tempo. Muitas lacunas serão preenchidas, perdas serão assimiladas, conquistas serão celebradas. Mas nada tão profundo e misterioso quanto meu amor e meu mar.


Para J.D.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O QUE VAI E O QUE FICA

O QUE FICA EM 2012

 - A dor que eu senti ao terminar um projeto de banda, abandonado coletivamente, depois de cinco anos de diversão.
- A situações que causei a mim e a terceiros por conta do meu ego, baixa auto estima e necessidade de afirmação, seja através de conversa ou mensagem.
- A minha saúde que vem apontando falhas cada vez mais preocupantes. Tonteiras, tiques, enxaqueca, desmaio e, possivelmente, pressão alta.
- Meus planos e sonhos abruptamente cancelados por uma diminuição de salário e grana a receber.
- Minha falta de tesão literário causado por uma mediocre busca pela fama perdida.

 O QUE VAI PARA 2013

- Ter encontrado a mulher da minha vida. Desde o pedido de namoro no meio do carnaval até ontem, quando a salvei de um pesadelo, levo todos os dias com a Jujuba comigo.
- Minha filha morando do lado da minha casa e enchendo de alegria minha familia e vizinhos.
- Minha nova banda que me respeita, me valoriza e acima de tudo, me acompanha.
- A minha viagem para a Argentina onde reencontrei Buenos Aires e vi neve caindo do céu em Bariloche.
- Reencontrar o mar, agora em Ipanema.