segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O QUE VAI E O QUE FICA

O QUE FICA EM 2012

 - A dor que eu senti ao terminar um projeto de banda, abandonado coletivamente, depois de cinco anos de diversão.
- A situações que causei a mim e a terceiros por conta do meu ego, baixa auto estima e necessidade de afirmação, seja através de conversa ou mensagem.
- A minha saúde que vem apontando falhas cada vez mais preocupantes. Tonteiras, tiques, enxaqueca, desmaio e, possivelmente, pressão alta.
- Meus planos e sonhos abruptamente cancelados por uma diminuição de salário e grana a receber.
- Minha falta de tesão literário causado por uma mediocre busca pela fama perdida.

 O QUE VAI PARA 2013

- Ter encontrado a mulher da minha vida. Desde o pedido de namoro no meio do carnaval até ontem, quando a salvei de um pesadelo, levo todos os dias com a Jujuba comigo.
- Minha filha morando do lado da minha casa e enchendo de alegria minha familia e vizinhos.
- Minha nova banda que me respeita, me valoriza e acima de tudo, me acompanha.
- A minha viagem para a Argentina onde reencontrei Buenos Aires e vi neve caindo do céu em Bariloche.
- Reencontrar o mar, agora em Ipanema.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O SONO DO PALHAÇO

Um dia o palhaço acorda. Mas por enquanto ele continua dormindo e sonhando com o picadeiro. Sente o cheiro da pipoca, do perfume que exalam as crianças com roupa de sair, sentadas na primeira fila. Repete de olhos cerrados o gesto ritualístico: passa as pontas dos dedos no pote invisível e esfrega na boca a tinta vermelha que não há. Levanta as sombrancelhas e espalha com delicadeza a pasta branca. Por último, cata com as mãos, no banco de cimento que dorme, o nariz redondo de encaixe. Sem o disfarce é só um velho rabugento, viciado em calmantes. Com disfarce é um ser de luz viciado em palmas. Mais palmas. Mais palmas. Elas garantiram seu soldo, sua cama, seu camarim. A moeda do circo são as palmas, moço. Comprei uma casa que nunca soube o endereço. Comprei roupas que nunca usei. Simplesmente porque a vida sem o personagem passa a não ter sentido. Se eu pudesse não seria gente, só palhaço. O palhaço dorme mas tateia seu baú procurando o trinco. Preserva nele seus bastões, a roupa em setim, bambolês e as gargalhadas. Estas são suas verdadeiras jóias. Guardou de muitas espécies: Gargalhadas explosivas, contínuas, libertadoras. Fazer rir não é um dom, anota no caderninho seu repórter. Fazer rir é uma precipitação, uma ânsia pior que enfiar o dedo na goela. Arranque um riso do desempregado. Da esposa traída. Da criança sem presente de natal. É este prazer primitivo e inexplicável da natureza que faz lotar a porta deste camarim. É este poder de multiplicar o riso. O sangue de palhaço tem poder. A motocicleta estica a marcha na estrada à frente mas ele quer que rufem os tambores. É a deixa que tanto aguarda, quando surge no lugar da assistente de palco, serrada ao meio pelo ilusionista gay. O palhaço o que é...O palhaço o que é... telegrafa as piadas, repetindo tudo sem som. Sonâmbulo, se levanta do banco de cimento. Respira fundo como um nadador e caminha pelo mato mais alto que a canela. Um, dois, três...são quinze passos até a marcação da luz. Aprendeu a não franzir a cara com a claridade. Aprendeu a substituir as piruetas pela singeleza dos gestos. Aprendeu a impostar a voz. Esteve tão preocupado em repetir com maestria seu número que não viu a lona ser arriada, os animais serem trancados, as estacas serem retiradas e o caminhãozinho sair pela manhã rebocando seus vagões. Houve um dia que o circo abandonou o palhaço, que se nega a acreditar, e ainda hoje vive no terreno baldio, solitário, porém convicto que é um sucesso. O velho rabugento sabe que é um fracasso e se recolhe, constrangido, dentro da fantasia. O público já foi. As palmas se calaram. Quem o vê acha que é apenas um retirante, vagabundo, morador de um terreno baldio que tem mania de conversar com as estrelas. Mas o palhaço dorme e, enquanto dorme continua sonhando. Um dia o palhaço acorda.

quinta-feira, 1 de março de 2012

AMOR COME-DORME

Desconfio que é amor porque, não contente em dividir encontros casuais, também sinto vontade de partilhar com ela meus prazeres fisiológicos, que aprendi sem aprender, ainda no ventre da minha mãe.

Quem ama come mais. E os casais que saem para comer não o fazem por falta de criatividade, e sim porque existe uma ligação entre a cama e a mesa, na descoberta dos prazeres. Empapuçar-se em um rodízio não me parece nada romântico mas descobrir o sabor do manjericão, sim. Como também revelar o restaurante da infância o desenterrando de uma ilha imaginária. Quem ama tem prazer em cozinhar mesmo sem fome, para acompanhar, feito voyeur, o outro deleitar-se sem pudor. Livro de receita e kama sutra. Sexo e gastronomia. Quem ama usa o tempo e o tempero a seu favor, usa o paladar quando nenhuma outra palavra basta.

Não sai da minha lembrança a redescoberta da cana-de-açúcar gelada, cortada em palitinhos, que ela avistou na estrada, em uma tarde que o céu tinha a cor de chá-mate na jarra. Não esqueço a fome que sentimos juntos e a lula recheada que deixamos para trás.
Desconfio que é amor desde o dia que a mordida no seu sanduíche revelou mais afinidades que uma tarde inteira de papo furado.

Quem ama dorme mais. E os casais não o fazem por exaustão ou monotonia. Fazem porque ao lado do amado é possível sonhar sem limites, encorajados pelo toque sob o lençol. É como se aquele braço embaixo do travesseiro ou aquelas pernas enroscadas simbolizassem um cordão umbilical invisível, que o acompanhará por todos os becos e abismos do inconsciente, te resgatando de bate-pronto para um abraço acolhedor, caso tudo dê errado.
O silêncio da noite inspira, inclusive a trégua, mesmo quando há uma guerra declarada. Dormir profundo com outra pessoa é baixar suas armas, é dividir a paz.

A urgência de estar apto, sem remelas, com um sorriso no rosto, aos poucos cede espaço para mais meia hora de sono. A cama, antes um deserto de dunas feitas por edredon, agora é disputada palmo a palmo quando a temperatura do corpo esquenta e separamos os corpos momentaneamente. Nestas horas me forço a abrir os olhos para vê-la dormir. É como uma paisagem vista da janela, viva porém quase imóvel. A observaria por horas como fazem os pescadores antes de enfrentarem as marés, mas não resisto e, ignorando o calor, volto a me enroscar nela, embalado por seu ressonar de sereia.

Desconfio que é amor porque bebemos, saímos, rimos, dançamos, cantamos, enlouquecemos, mas também comemos e dormimos demais.


Para J.D.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

ESCOMBROS DO DESTINO

Catei o isqueiro no bolso e não achei. Deixei na minha gaveta, junto com alguns contracheques, cópias de documentos, um bibelô cafona que ganhei no amigo oculto e minha escova de dente. Vai ser difícil achar meus pertences nesta montanha de escombros. Queria achar Vilma também, que foi a última a ficar. Disse a ela: “você namora no telefone o dia todo e depois precisa virar a noite digitando memorandos.” Não suspeito que vão achar seu cadáver com o celular na mão. Tenho pena porque queria transar com ela e nunca consegui. Não sou bonito, nem novo e trabalho em agência de propaganda porque gostaria de ser criativo. Sou o revisor e entro e saio sem ninguém perceber. Minha ocupação é corrigir os erros dos outros, portanto, sou lembrado apenas quando uma merda acontece. Pelo menos, desta vez, não tive culpa e até me sinto bem por isso. O prédio foi nocauteado e caiu em pé, retinho. O barulho parecia de uma decarga de banheiro, no volume máximo. Assisti a tudo do outro lado da rua, na travessa, onde costumo tomar minha cerveja até o trânsito aliviar. Na verdade, nem me mexi. Pedi apenas para trocar de copo porque a poeira veio até aqui e invadiu bares, hotéis, agências, carros e tudo que mais havia. Devo estar com a cara branca, parecendo um padeiro.

- Mais uma, Raimundo.

Quer saber?Nem ligo. Este trabalho anda me tirando os prazeres da vida. Chego suado para bater ponto, sob a vigiância da nariguda do RH e seu cumprimentar com as sobrancelhas suspensas me irritam. Tenho vontade de fazer o mesmo quando sou chamado para receber meu salário defasado, na sala. Pena que o prédio desabou tarde demais. Assim levaria uns tantos desafetos, que me avaliam de cima em baixo como “excesso de custo”. Essa repórter ali estava atrás de testemunhas do acidente que agora toma conta dos principais veículos de comunicação. Pensei em aparecer na TV e já tinha uma história triste pronta para contar. Não tenho dúvida que eu seria o rosto que simbolizaria a tragédia, ganharia indenização da prefeitura e estaria no camarote, juntos com as personalidades, no carnaval. Mas bastaria estampar esta cara redonda fazendo papel de vítima para que casos sensacionalistas pipocassem por aí. E o pior: seriam todos verdade.

- Saideira, Raimundo.

Meu casamento com a patroa só durou até a primeira gravidez. Decidimos morar no mesmo bairro para manter as amizades e foram elas que me levaram para o mal caminho enquanto minha esposa sofria com inchaços, refrescando a noite com o ventilador amarrado na janela. Para aliviar a tensão, arrumei uma amante. Ela era pobrezinha mas muito carinhosa. Tinha uma carne dura e eu gostava de adormecer entre as suas coxas. Íamos para a quadra na quinta e, no começo, no cinema na quarta. Mas ela engravidou também e seus irmãos decidiram me pressionar. Parei de freqüentar a vila que a minha preta morava e decidi tomar jeito, ser um sujeito pacato. Foi nesta época que descobrimos que meu filho era mudo e uma sucessão de momentos angustiantes tomou conta do nosso lar. O garoto, que já tem nove anos e está com a cara da mãe, me olha com reprovação e quando tento me aproximar, levanta as sobrancelhas, do mesmo jeito que a mulher do departamento.

- Pode fechar pra mim?

Sempre quis ser outra pessoa. Se não fosse a falta de recursos para a faculdade e a timidez, teria conseguido ser um redator de sucesso, daqueles que aparecem nos anuários em fotos preto e branco. Poderia também ter investido em outro ramo quando meu cunhado me convidou para abrir um negócio de piscinas de fibra. Com quarenta e um anos me sinto envergonhado de mudar até o corte de cabelo. Até minutos atrás, quando prédio caiu. Acho que alguém em algum lugar ouviu minhas preces e já que não sou capaz de mudar o que está a minha volta, tudo que está a minha volta mudou de direção. Olha essa fumaça, esse cheiro de queimado. Olha aquela a esposa do porteiro chorando. Nunca entrei no Theatro Municipal, que está localizado aqui atrás do bar, mas sinto que esta é a mais importante ópera da minha vida. E como toda ópera merece um gran finale.

- Raimundo, sabe, mais ou menos, quanto custa uma passagem pra puta que me pariu?

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O QUE VAI E O QUE FICA

O QUE VAI FICAR EM 2011

1 - Minha escolha profissional como redator em agência de propaganda, começa a deixar dúvidas.
2 - Os primeiros amassados do meu pegeout que nem terminei de pagar.
3 - Amigos que foram morar fora, pais que abandonaram seu posto e ninguem para contar história.
4 - Não consigo mais beber nem ficar acordado como adolescente.
5 - Minha tentativa de escrever um livro - mais uma vez - estacionou.


O QUE VOU LEVAR PARA 2012

1 - Batizado, aniversário e andanças de Marysol pelo seu mundo.
2 - Chegada do meu amigo de velha data na Banda e show memorável na Lona.
3 - México de cabo a rabo de carro com cumpadri Washington e minha irmã preta.
4 - Terceiro lugar em concurso nacional para escritores com mais de 1500 obras inscritas.
5 - Pizza, jogo da vida, passeio com o cão e a volta dos prazeres à dois.