sexta-feira, 24 de outubro de 2008

12 VEZES

Minha vida caminha para os 30 anos como um navio fantasma sem timoneiro, chacoalhando em seu rumo certo e inevitável, enfrentando marés e corais. Dá saudade das calmarias de domingo à tarde, das férias intermináveis e das promessas de amor eterno cozidas em fogo brando. Tudo se tornou tão passageiro, pontual, provisório, transitivo, que tenho a impressão de estar decidindo o meu futuro com a mesma displicência dedicada as revistas semanais, folheadas ao acaso num salão de beleza. Fazer aniversário me faz olhar para trás e remexer gavetas de bibelôs com poeira da mesma maneira que me força a tornar público e notório, inclusive para mim mesmo, o que devo fazer do próximo ano. Yo no hablo español, não conheci Lisboa, não paguei as contas da TIM, não cumpri metade de tudo que eu queria e ainda enchi a agenda de novas coisas que se entulham no aterro da memória, tornando meu salário mesquinho, apesar dos aumentos, e as realizações mais distantes. Farei 28 anos sem nenhum novo curso de aperfeiçoamento, mas com a fama de cantor de padaria, sem nenhum grande relacionamento, mas com a agenda de telefone cheia sem lembrar o nome de ninguém. Entraram para o meu testamento músicas antigas que voltei a cantar, uma banda nova no mp3, duas doenças inéditas, uma paixão na correspondida, triglicerídeo acima da média, tatuagem nova, muitos litros de coca zero no sangue e mais um canal dentário.

A ansiedade me acordou na quinta-feira com a latência dos filmes de terror de Hitcock. Meus parentes, agitados, vivem a expectativa da reforma de onde moro, financiada pela casa de praia recentemente vendida, sem dó nem piedade, calando os ecos de saudade que se escondiam nela. Foi aonde tive noções básicas do que é ter família e amigos e conviver em comunhão com estes seres tão parecidos comigo, dividindo a grade que se debruçava no pôr-do-sol da baía , os improvisos dos baldes embaixo das goteiras e fantasias de carnaval feitas de saco de carvão. Mudarei meu quarto para uma sala mais arejada, com saída independente, onde comportarei os tantos cacarecos eletrônicos adquiridos este ano; notícia que recebi com sorriso amarelo pois este tempo já passou. Quero uma casa, um bairro, um país só pra mim. Vejo, como o rastejar despretensioso de uma trepadeira, que a vida vai me libertando de coisas, descascando minha pele morta de jibóia para deixar tudo exposto a outras descobertas e aquisições. Assim como a casa de praia, a variant azul, os amigos de infância, o cheiro de café da fábrica demolida e a primeira bicicleta herdada do primo, um dia minha avó se vai, minha mãe e tias também, e precisarei ter amigos, mulher e filhos, para não terminar a vida sozinho, afogado por descuido no próprio vômito. Há 10 anos atrás não pensaria nisso. Mas se deixar passar mais 10 anos pode ser tarde demais.

A voz de protesto, inconformismo, o tudo pra dizer, vão se calando, sumindo como a chama de uma vela, deixando o breu, o nada, engolir tudo. Ficamos mais quietos, mais observadores e mais cansados de lutar por problemas cíclicos como a barriguinha de chopp e os candidatos populistas, heranças malditas de centena de gerações. É verdade que o tempo nos deixa egoísta substituindo a vontade de mudar o mundo pela necessidade de fazer da mediocridade da vida algo um pouco melhor. Conforto passa a ser um diferencial considerado tanto nas propostas bancárias quanto nos serviços delivery. Perto dos 30 ainda temos a imaturidade para lidar com o poder. Compramos pessoas e coisas e a distancia entre os pequenos sonhos e as realizações tornam tudo sem graça. Não esperamos mais até o natal para ter uma bicicleta nova, não toleramos mais que uma noite para transar, nem aguardamos meia hora depois do almoço para entrar na piscina. Somos donos do próprio nariz e temos aval para fazer qualquer merda e defender a tese com legitimidade. Penso nisso porque está chegando a hora de assoprar a velinha e não teria nada para pedir além de saúde e paz. A felicidade de comemorar o aniversário agora divido em 12x no cartão.