quarta-feira, 11 de março de 2015

TOUCH ME DESTINO

Assim como as folhas se desprendem das árvores, no outono, namoro o vento frio, flerto comigo mesmo na poça d´água. Se o verão é algodão doce, óculos de lente colorida e camisa estampadinha, a chuva fina e o céu nublado anunciam a morte de tudo aquilo que não tem calor e luz própria suficiente para se manter de pé. Por falar nisso, baixei esse aplicativo aqui sobre previsão meteorológica, vê só. Passando o dedinho assim ele mostra que minuto vai começar a fechar o tempo. Poderia ter um aplicativo destes para tudo na vida né? Imagine saber a hora exata que minha filha despertará depois de lhe abrirem o peito ao meio, feito uma gaiola, para dar jeito na sua atresia pulmonar? Como seria tranquilizador, esticar o relógio de todo o semestre e ver que a firma, mal das pernas, não vai fechar as portas? Seria possível não sofrer, sabendo o dia exato que a mulher da minha vida irá renunciar ao namoro sabor água e sal, me olhando com olhos opacos da morte, depois de me culpar por tantos sábados perdidos, debruçada à minha espera na janela aberta do celular? Gosto de conversar com você porque é sincera. Enquanto filosofo já conferiu se havia recebido mensagem duas vezes, ou foi ver a hora, sei lá. Francamente acho que o mundo se tornou superficial demais. Voltamos a época das cavernas onde um emoticon, um desenho,  ou uma foto, dizem mais que mil palavras.  Sua cara, por exemplo, se fosse amarela, seria aquela que mostra descrença, tédio. Mas vamos falar de coisa boa. Me disse que estava fazendo curso de tarot e tinha algo para me dizer. Não desconfio da sua clarividência, inclusive foi a única a acertar a marca do meu carro novo, mas vou logo avisando: se pegar santo aqui na mesa do bar, meto o pé. Morro de medo de gente em transe. Se a capacidade intelectual do ser humano já é fantástica consciente, imagine quando ela se desprende do corpo? Melhor não brincar com isso aqui. Dizem que estes ambientes com bebida e jogo rondam muitos espíritos ruins. Inclusive pode ter um aqui olhando pra gente, ouvindo tudo que estamos conversando. Pago até uma Original para ele caso me ajude a entender minhas angústias. Sofro uma crise dos quarenta desde os trinta. Estou chegando ao final de um ciclo, o fim de uma corrida que irá emendar em outra. Sinto a urgência de novos percursos, novos adversários e me importo cada vez menos em chegar ao final deste primeiro ciclo como retardatário, um autodidata com pouco talento e muito esforço, sem grandes conquistas financeiras nem realizações inesquecíveis. Seria bom saber se, por trás desta casca fina e vulgar de beleza juvenil, existe algo de mais valor. Você dá este sorriso de canto de boca porque já passou por isso, apesar de parecer mais nova. Bom, se pelo menos sobreviveu sem sequelas, ainda tenho esperança. Pode rir. Volto já.


Fui ao banheiro e quando voltei Nina havia ido embora. Acho que realmente não fui uma boa companhia neste domingo à noite. Tem dias que é melhor conversar consigo mesmo. Antes de pagar a conta notei que ela havia mandado por mensagem a imagem de uma carta do tarot. Nela, o desenho de uma torre, atingida por um raio, e dois personagens desabando. Longe de mim saber do que se trata. Sem significado, não há profecia. Vai que o destino resolve dar like.

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