quinta-feira, 2 de agosto de 2007

OS PASSARINHOS QUE MORAM NA MINHA AGÊNCIA

Crônica publicada no site do CCRJ (site do Clube de Criação do RJ em 16/08/2005

Finjo que não ouço as bitocas dadas no final da sala, senão seria obrigado a moralizar algo imoralizável, que é o beijo. Apesar de estar compenetrado nos organogramas de mil pernas, que aprendi a fazer já nos primeiros computadores, sei de onde partiram os carinhos. Observo, entrincheirado entre os dois macintoch da agência, e lá está o casal, amontoado como mochilas, em cima de uma única cadeira.
Seguem seus estalinhos, seguidos de risos, como se o mundo se resumisse ao metro quadrado que habitavam. Desde o dia em que leram um e-mail, se beijam em locais inusitados pois acreditam que cada lugar tem seu significado, além daqueles tradicionais que conhecemos. Na mão, admiração, no rosto, amizade, na testa, respeito, e por aí vai. Fica claro a qualquer estagiário, colaborador ou visitante, que nada que fazem naquele momento, nenhuma ação, é destinada a outra pessoa senão eles próprios. Existe um alinhamento olho-no-olho, parecido com monitoramento GPS, que não permite mais que alguns centímetros saiam fora do eixo. Ela, uma moça de seus 20 anos, usa um rabo-de-cavalo pretinho, intrépido, na parte de trás da cabeça e uns brincos tão grandes que parecem ser de sua mãe. Veste um casaco moderno, de cortes futuristas, vermelho e branco, calça jeans, cuidadosamente desgastada na fábrica e um chinelo de borracha repousado entre os dedos. Está recostada no ombro direito dele, com as mãos se apoiando no esquerdo e o nariz fuxicando seu pescoço. Ele, mais moreno que ela, tem olhos verdes e o cabelo ainda com a mesma forma da sua infância, usa camisa de malha com detalhes amarelos, calça azul e tênis combinando. De repente, o rapaz a faz levantar de seu colo numa atitude brusca que quase a leva ao chão. Ela xinga alguma coisa, dá um beliscão na perna dele e seguem se ferindo até que tudo termina em cócegas e, conseqüentemente, beijos. Já os observo há tempo e também não me espantam com seus rompantes, pois existe uma sincronia em seus movimentos, humores e objetivos, que mais parecem amestrados em algum circo do amor.
Profissionalmente, também se acertam. A moça escolheu ser atendimento da agência - aos menos informados sobre propaganda, é a pessoa responsável por saber do cliente quais serão os problemas a serem resolvidos -, mas também quer o planejamento, onde se faz pesquisa e mostra-se caminhos. O rapaz, segue meus passos e doa-se ao ofício de redator publicitário. Dificilmente estão juntos trabalhando, pois onde termina o trabalho de um, começa o do outro, são como elos de uma corrente esticada, cada um sendo puxado para um lado. Mesmo assim, não é raro vê-los como passarinhos na cobertura, um ajudando o outro, no difícil esculpir do ofício, ou cada um no extremo da sala na mesma semana, por conta de uma maior concentração nos trabalhos que encerram seus prazos.
São tão donos de si, tão cheios de razão, que dificilmente sucumbirão por causa do amor, seja juntos ou separados. Nunca deixarão os pesares do macro-ambiente atrapalhar, nem a falta de criatividade transformá-los em qualquer coisa igual. Farão análise SWOT para ver quais são os pontos forte, fracos, ameaças e oportunidades, para morarem juntos e futuramente montarem um escritório no quartinho de empregada. Não faltarão bilhetinhos escondidos pela casa e teasers criando uma expectativa para mais tarde.
Como supervisor, admito em vistas grossas o namoro pois acredito na sinergia, que somam um mais um e dão três. Mas como pessoa, respeito-os como casal, por talvez achar que são uma evolução de mim mesmo ou, no mínimo, porque gostaria que fossem...
Eles acabaram de vir a minha mesa entregar o planejamento que deviam e fui surpreendido também com um beijo. Na testa.

4 comentários:

Gustavo disse...

Aru, acho que tá na hora de vc pegar uma estagiária aí... hehehe
(fosse há alguns meses, estaria pedindo pra colocar na minha fita.. hahaha). Saudades de tu, porra! TJNP, temulento!

Anônimo disse...

Acho que sei quem é..

Abraço

Marcela Diniz disse...

Ai ai...
"És a mais bela de todas as crônicas"!
Os passarinhos não voam mais juntos, alçaram vôos maiores, traçaram rotas diferentes.... mas os beijos estalados nos cantos da "Sensa Sapiens" ficaram imortalizados!!
êeeeeeeeee galera bôa!! rsrs
:)
Bjus papaya
bom te ver dia desses...

Anônimo disse...

Época boa.. mas que não volta mais..