O preço alto de realizar um sonho é ter que deixar outros sonhos para trás. Aqui na garagem um carro velho me olha, cheio de poeira, querendo fugir feito cão sem dono. No coração, onde acontecia um baile de máscaras, só escuridão e saudades. O quarto, entulhado, cabe tudo que eu quero e só falta espaço pra mim mesmo. Restando 15h para embarcar a incerteza veio puxar meu pé esta noite. Mas agora já era.
Meia grossa, barbeador, presentinhos, camisa do mengão. Tudo socado no mochilão disforme que testo de hora em hora para saber se ultrapassei o limite de quilos exigido no aeroporto. Sei que o mais pesado disso tudo são meus medos, alguns tão íntimos que estão indo guardados no meio das cuecas, amassadinhos. Medo de ficar deprimido, de ser imaturo, de ser rejeitado, de não entender porra nenhuma que aquele grupo de romenos ta tentando me dizer. Um suburbano, criado por vó, cheio de manias e dengos, acaba de abrir mão da popularidade, das noites quentes, dos amassos nas ruas, da cerveja estupidamente gelada, para se aventurar no continente que manda de volta tantos outros suburbanos criados por vó, seja no controle da alfândega ou no destrato feito a povos pobres e ex-colonizados como nós. Ao mesmo tempo, a capacidade que cada lugar daquele tem de nos encantar faz de mim um apaixonado, um desbravador inconseqüente, capaz de se emocionar com os aquedutos de Segóvia, mesmo que eles me lembrem a Lapa.
Acham que eu não vou voltar e me divirto com isso. Fizemos tantas despedidas que nem no meu enterro terão mais palavras dóceis. Ganhei presente, festinha, homenagem ao microfone, declarações contidas de amor. Não mereço nada disso, afinal ninguém sabe que no fundo do peito gostaria de congelar tudo ou fazer que chova 60 dias para que ninguém viva sem mim. Quero estar aqui a cada folha solta desta amendoeira que me observa pela janela. Meu monstro de estimação e o de tanta gente não admite que o tempo passe, a fila ande, enquanto não se está presente. E aquela paquera?E a música nova pra cantar no estúdio?E o título que ficou faltando para o Dia internacional da mulher?É difícil virar de costas, mesmo que por pouco tempo, para tudo que compõe quem sou eu. O jeito está sendo levar um pouquinho disso tudo comigo dando graças a Deus que no coração não tem limite de peso para despachar.
A partir desta terça cada amanhecer será cercado de lugares milenares, línguas esquisitas, manias inéditas, paladares surpreendentes. Experiências tão profundas e ao mesmo tempo tão particulares que ninguém no mundo será capaz de decifrar com tanta precisão. Talvez exista somente uma coisa mais importante que ir ao Parque Guel, fumar um baseado em Amsterdam, andar de bicicleta por Monmatre, ganhar uns euros trabalhando, ou tocar violão no pôr-do-sol do Tejo. Se um dia, brincando aos meus pés, meu filho questionar o quanto foi querido, direi a ele tudo que fiz por aí, e o provarei que nada no mundo é tão bonito e importante que sua existência na minha vida.
Esta é, sem dúvidas, uma viagem para eu encontrar certezas.
*Usarei, na medida do possível, este blog como diário de viagem, registrando minha passagem e as observações sobre os lugares.
Nenhum comentário:
Postar um comentário