segunda-feira, 18 de maio de 2009

DOMINGO NO SHOPPING

Comprei uma calça azul em Lisboa mas até hoje não sei se gosto dela. Quando recebo um elogio, acho que sim. Quando sou contrariado, acho que não. Mesmo assim fui com ela ao shopping porque havia beijado na boca e estava feliz. Shopping é um lugar muito triste, especialmente aos domingos onde casais sem esperança andam feito elefantes velhos com suas trombas enlaçadas, rumo a qualquer lugar. Reparei nos olhos daqueles moços a cuidar das crias e das suas mulheres gordas que ainda tentam voltar a forma anterior à gravidez. Passeiam arrastando os chinelos, vendo aquilo que não podem ter e construindo sonhos de consumo tão frágeis quanto a promessa de um casamento eterno. Uma das gordas fitou minha calça azul e presumo que tenha, por pura falta de assunto com seu velho diabo, dito algo sobre ela. Fingi que não vi.

Fui a procura do que pudesse preencher as horas vazias do final de semana. A grande pausa modorrenta causada por uma tarde sem jogo do flamengo, nem praia, nem alguém do meu lado despertando sem pressa. Um livro seria bom, ou filme também. Mas o telefone novo tocou no bolso e a moça da flor no cabelo me ligava. Mas não estava feliz comigo. Sob a desculpa qualquer de uma informação que eu teria, vieram cobranças de sentimentos nobres que não tinha para dar. Ela não brigou mas fez pior: baixou a voz e soltou palavras sem valor, numa evidente decepção àquilo que imaginava sobre mim. Não tinha o que dizer nem queria mentir e a menina que prendi uma flor vermelha nos cabelos há tempos atrás se foi no fechar do celular, como numa piscada lenta de criança de castigo.
Havia acabado de perder o que nem cheguei a ter.

Não me lembro se disse que odeio minha calça azul, especialmente quando ela chama atenção para mim quando não quero ser visto. Me senti tão amarrotado e patético que preferi sentar e tomar um chopp, escondido entre colunas da escada rolante. Do meu lado, um daqueles casais, trocavam ofensas e cumplicidade numa profusão delirante. Ele perguntou quem era Mario e tentou arrancar o celular da mão dela. Ela explicou que era do trabalho. Ele perguntou se era melhor que ele na cama. Ela debochou e respondeu que sim. Ele queria mais que sim, queria elogio, queria um pingo de segurança naquele enorme deserto de areia movediça que se tornou sua relação. Bebiam, se ofendiam e me irritavam com seu diálogo de teatro de marionete. Abri minha bolsa de mão e comecei a rever os tickets que trouxe da Europa, tentando encontrar algo novo que prolongasse ainda mais minhas lembranças de momentos recém passados. Encontrei o telefone da portuguesa de bunda grande que dormia na cama de cima em Roma. Encontrei outro que não me lembro de quem era e por último encontrei o dela. A Alemã que se foi em Florença por não gostar de gostar. Me deixou com um beijo sem gosto e um adeus aliviado. Definitivamente não era isto que eu queria neste domingo á tarde. A conta, por favor.

- “Qualquer livro do Pedro Juan Gutierrez”. “Não minha filha, Juan não é com R”. “Antônio Lobo Antunes, tem?”, “Esquece, muito obrigado”. Odeio quando lembro que meu bairro é feito sob medida para gente ignorante. Filme?Só dublado. Livraria?Só uma, e olhe lá. Em contrapartida, torre de chopp e churrasco a quilo tem para todo lado. Mas bem feito pra mim. Quem mandou ir ao shopping?Quem mandou atender o telefone quando não tinha nada a dizer?Quem mandou não cativar alguém para te fazer companhia nos momentos mais sem graças da vida? Os corredores me espremiam com suas vitrines e não tive dúvidas. Disparei com meu carro velho, furando engarrafamento, controlando seu desalinho que sempre o empurra para o lado direito, rumo a qualquer lugar. Praguejava a minha total falta de sorte e só silenciei quando subi o viaduto e vi o céu sorrindo,simples e encantador, misturando as nuvens coalhadas, os montes verdes da Pedra do Rui e os raios de sol, avermelhados no horizonte. Diminui a marcha, a pulsação, a culpa, a vontade de acertar e, aos poucos, fui me encontrando dentro de mim, rindo das urgências que eu mesmo criei. O domingo terminou sossegado, sentado no portão com a minha bonita calça azul.

4 comentários:

Uma Pequena Mulher disse...

Verdade... Mutas vezes já me peguei pensando e reparando nas mesmas coisas!
Adorei seu jeito de escrever!

Ana Prazeres disse...

Vivi em seu bairro há muitos anos.Fiz aí o "ginásio" e comecei a Escola Normal. Na época eu já sentia a mesma coisa.Havia uma única livraria onde eu entrava todos os dias ao sair da escola só para mexer nos livros, fuçar mesmo, ler as orelhas...Era impossível comprar,só desejar.Eu adorava o cheiro da livraria,até hoje eu gosto. Ainda tenho mania de ler orelhas.Leio as de vários livros, mesmo indo comprar só um. Nessa hora já estou escolhendo mais ou menos os que vou comprar na próxima vez.Tenho amigos aí e por isso sei que o bairro mudou bastante. Mas tenho sempre a mesma impressão: de que tudo mudou, mas nada mudou...As lojas e os shoppings, os produtos e seus consumidores mudaram, mas são iguaizinhos aos de tantos outros bairros.É uma pena que um jovem de hoje sinta o mesmo que eu sentia na minha adolescência de tanto tempo atrás.Ainda mais tendo aí hoje, cursos universitários, tantas licenciaturas,inclusive Faculdades de Letras.Mesmo assim tenho saudades e sinto uma ponta de inveja de quem mora por aí, de quem ainda mora em casas com árvores,varandas e quintais.Sei que não é bem assim, mas teimo em acreditar que ainda é possível existir casas assim e pessoas que as valorizem. E, não sei por que,sempre que penso nisso, só imagino que seja possível aí, em Campo Grande.Leio, volta e meia o seu blog, desde que o descobri e cho que me identifiquei por causa do bairro que você descreveu no primeiro que eu li.Depois disso viajei com você pela europa e foi muito bom. Só que não o segui até o final da viagem e nem sabia que já havia retornado.Gosto demais dos seus escritos e da sua maneira crítica de amar seu bairro.Penso em criar meu blog, mas afalta de tempo não tem permitido. É mais fácil ler o seu..Espero que não se importe. Abraço. Até mais ler...

Raíssa disse...

ADOREI!!!
Apesar de já conhecer seu jeito de escrever, ainda me encanto cada vez que vejo um texto novo em que vc se
entrega assim, de corpo e alma, sem se preocupar com julgamentos.
um dia ainda escreverei assim...
Por enquanto, deixo a promessa de retomar o blog.
Beijocas

Lorena disse...

Incrivel com vc descreve as coisa perfeitamente do jeito q elas são.Realmente shopping domingo ninguem merece!