terça-feira, 5 de maio de 2009

REABILITAÇÃO EM RETALHOS

Às vezes acho que percebo demais.
As pessoas cortaram seus cabelos de um jeito diferente e vão agora para uma boate diferente. As ruas estão vazias novamente na segunda mas já me disseram que quarta tem lugar novo para beber. Tentei beber mais e a manhã veio sem consegui. Também não consegui cantar uma música que queria e fiquei rouco no segundo dia. Meu time ganhou e pelo menos este era o mesmo que eu torcia, apesar de ter um atacante novo no gramado. Os amigos estão aparecendo aos poucos. Uns aparecem para saber como foi a viagem, outros só aparecem para contar o que andaram fazendo. Tento fazer um vídeo com as fotos da Europa mas paro para lembrar de como foi e esqueço o vídeo. Amanhã eu faço. Tento organizar os papéis e dar cabo dos vestígios da viagem mas paro para lembrar de como foi e esqueço a organização. Amanhã eu faço. Tento definir uma nova meta para 2010 mas paro para lembrar de como está sendo o ano e esqueço das metas. Amanhã eu faço.

Cantar e transar são dois prazeres que sinto falta. Mas também sinto medo de não saber fazer tão bem quanto imaginava fazer. Estou inseguro comigo mas também satisfeito pelo meu feito. Gozo com a minha própria consciência e durmo em paz. “É muita doideira”; “é muita coragem”; é muito dinheiro”. Ouvi de tudo sobre mochilão. Disse o mesmo sobre gravidez e carro zero. Cada um tem o que merece. Em compensação, se tudo anda solto de um lado, de outro engata-se. Vou trabalhar todos os dias, acordando cedo e me aborrecendo com a rotina imbecil que preciso seguir. Sou o primeiro a chegar e o último a sair. Tenho um mês para a empresa não fechar no vermelho e assim garantir meu emprego que imaginava ser meu. Precisamos de três títulos?Faço treze.

Domingo senti cheiro de bosta e mato. Fui na festa de São Jorge e vi muitos cavalos. Em sua maioria, magros e tristes. Queria comer carne de sol e aipim mas vendo o cavalo magro, desisti. Já bastam as conchas de feijão, os bifes com gordura e a coxinha que repeti sem critério esta semana. Fui surpreendido também por pessoas que não conheço mas que falaram, com olhos atentos, sobre minhas manias loucas enquanto enfrento o público com o microfone na mão. Aliás, conhecer pessoas é algo que tenho feito, não sei se pelo puro vício ou para recuperar o tempo perdido. Lá fora, a cada foto tirada ou cama escolhida, uma pessoa com histórias pra contar aparecia na cabeceira. O iraniano que não explode, a argentina que procura sua família com a foto na mão ou a alemã que se esconde do amor que nunca teve. Todos os dias gente nova, sorrisos inéditos, pedidos inusitados, gente cheia de hipocrisias, de dúvidas, de metas, mentiras e lembranças. Gente como eu. O final de semana foi e deixou uma superlotação na minha memória.

Comprei um presente pra minha mãe que está perdendo a cor e a história. Ela não apareceu para pegar, nem eu fui levar. Comprei outro para minha afilhada, ela não conseguiu montar. Comprei também uma flor para o cabelo da menina que me deu uma foto antes de ir. Pra mim, poucas novidades na mala. Bom mesmo é poder usar roupa velha que ficou nova agora e não as mesmas camisas e calças que esgotaram sua criatividade em combinações. Melhor ainda é me despir da vida que passou e ficar peladão esperando o que ainda virá.

4 comentários:

Gustavo disse...

Na veia, garoto. Na veia.
TJNP

Raíssa disse...

Repetindo o Gus: TJNP! SEMPRE!!!
Amei esse texto!!!!

Unknown disse...

Demais Aru!!!!

amprazeres@hotmail.com disse...

Simplesmente lindo este texto.Tudo de bom e belo e ... real.