segunda-feira, 15 de junho de 2009

IMIGRANTE SENTIMENTAL

Meu dia dos namorados foi solitário e cansativo. Casais insaciáveis arrancaram meu couro e a aparelhagem da banda, me esgotou a paciência com sua microfonia de araponga descontrolada. Diferente de tantos finais de semana, onde gente saudável e disposta troca telefones e marcam planos para o dia seguinte, vi dois carros passando e uma chuvinha fina cobria a luz numa transparência de lingerie. Ligo?Não ligo?Quero?Não quero?Deixa pra lá. Segui minha sina de imigrante sentimental e fui me esconder no interior do Rio e no interior de mim.

Perdoem-me os amigos pois mentirei a todos eles se insistirem em perguntar sobre a viagem. Falarei sobre a beleza das flores, da energia renovada e dos amores de bolso que deixei por lá. Deturparei valores que gastei, quilômetros que andei e até mesmo a temperatura medida do lado de fora da janela. Só não me peçam fotos e nem busquem testemunhas pois ambas não existem. Meu avô dirá que viu um neto comportado, atualizado em sua sede literária e apto a ser o motorista da família. Minhas primas dirão que mataram a saudade do mochileiro, com histórias mornas pra contar e um saco de dormir cruzado no chão da sala. Meu colega de faculdade dirá que encontrou um cara deslocado, se sentindo velho no show com ex-crianças, tentando fazer de sua companhia um motivo extra para se sentir mais feliz.

O que valeu: Paçoca feita em pilão, crocante e bem batida por muitas mãos. Meu pai com bigode pintado a lápis, acompanhado das suas novas crianças e minha afilhada, desajeitada com a bola. Parentes que não são exatamente meus mas emanam sua sinergia para os demais. Dias sem grandes exageros etílicos.

Agora voltando pela rodovia, entediado da paisagem monocromática, tento não fazer um balanço sobre minhas decisões. Estico a perna para o lado antes que meu companheiro da poltrona ao lado do ônibus chegue. Estou sem saco pra mim mesmo. Mas o ipod também se cansou e arriou suas baterias visto que não tenho outra escolha. Sei que me arrependi de não levar a moça a tira-colo, de não dar chances e exclusividade a quem me quer bem. Ficaram sem dono o chapéu de caubói de brinde que ganhei um par, a maçã do amor pela metade, as frases bonitas das canções que cantei pra ninguém e a brisa gelada, que só existe para unir casais. Nestes dias penso: melhor que ser egoísta, fazer planos solitários e tomar rédeas do destino, é ter alguém para ser ainda mais egoísta com você.

“Oi?Qual é o número do seu assento?Poderia tirar a mochila por favor?Tudo bem, você mora aqui ou ta passeando?Gostou da festa?E o show?Você ta com sono?Tá quieto...”

- Você quer mesmo saber?

6 comentários:

Ana Prazeres disse...

Nunca mais serás o mesmo depois daquela viagem. O que sente e o que escreve mostra um ser em plena metamorfose, a se descobrir.Que bom que você escreve...E como escreve lindamente sobre suas transformações!

Ana Prazeres disse...

Nunca mais serás o mesmo depois daquela viagem. O que sente e o que escreve mostra um ser em plena metamorfose, a se descobrir.Que bom que você escreve...E como escreve lindamente sobre suas transformações!

Lange Pinheiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lange Pinheiro disse...

A cada vez que leio um texto seu, me apaixono. Não por você, homem (nada contra), mas pela mulher que existe dentro de ti. Mulher detalhista, inspirada, expoente de toda sua sensibilidade. Mulher que te ama na mesma intensidade do seu amor por ela.
Amigo, você é uma fonte de inspiração para que um dia eu tambem possa viver um grande romance com esta mulher tão envolvente. Um triangulo, pentangulo, trilhangulo amoroso com esta mulher tão maravilhosa chamada: PUBLICIDADE.

bia disse...

Nossa! estou,admirada,...continue nesse caminho. Transforme essa graça em algo novo e bom, e ofereça para nós!!! VC É DEMAIS!!BJSS:)
biamarques

bia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.