Texto resgatado de 06/08/2002.
De tempo em tempo, minha tia passa o dedo nos cantos inóspitos da estante e descobre trilhas de poeira, faz uma cara de reprovação e vai andando e reclamando até sumir pela imensidão da casa. “E não tem jeito”, digo pacificando “empregada é assim mesmo”. Elas chegam por indicações das mais variadas, no entanto, reúnem as mesmas qualificações de currículo: “É honesta e trabalhadeira”; “é superlimpa e discreta”; “acho até que é crente”. E numa mistura de critério de admissão e mercado negreiro, são contratadas. A partir daí segue uma trama de competição e traição que acirram mais a rivalidade. É a mulher moderna que aprendeu a valorizar seu trabalho e desvalorizar o dos outros contra a menina que vê tudo e não tem nada. Na verdade está em jogo a vaidade feminina e a ignorância do homem em achar que só da sua maneira é que dá. “São profissionais”, lamenta a moça no caixa me contando seus infortúnios. A dela foi pega em flagrante, tinha um mini-mercado na bolsa: limpeza, cama, mesa e banho, alimentação, perfumaria, tava tudo ali. E quando questionada, estufou o peito com o restante da dignidade e disse: “o papel higiênico eu trouxe de casa”, pegou as coisas e foi, sem remorso, em busca da próxima vítima. Levam orégano, porta-retrato, CD do Belo, vale até roubar o pedigree da patroa, se passando por ela na hora de atender o vendedor . A mesma que pode tornar a vida das patroas num inferno, pode levar almas cheias de espinha e vergonha aos céus. Nada de caridade com o rapazinho, afinal para ser rainha é preciso começar a investir no príncipe, que mal levantou do troninho e já quer encarar o banquete. E a mulher que cabia nos buracos das fechaduras se mostra perigosamente insaciável, querendo mais e mais... Faz parte da vida ficar febril por elas, seja que idade for. Com a vida já encaminhada e o coração abrasado, o marido faz sua dieta sexual com sucesso, relê na cama o álbum de figurinha repetida na esperança de encontrar o detalhe que faça a diferença, suas formas também perderam a imponência grega de antigamente e as brigas acrescentam diariamente uma parede para o labirinto chamado esposa. Então aparece dentro de casa a solução, boa bonita e barata, e lá se vai o marido, o pai das crianças, rebocado pela mulata reboladeira. É inexplicável a complacência do homem com a empregada, se arranhar o esmalte do dente da esposa o cara já olha para ela meio atravessado, em compensação, se a moça tiver uma janelinha no sorriso, tudo bem, ninguém é perfeito. “Cravo, celulite, verruga e perna cabeluda só a esposa que tem” finalizou minha prima, novamente solteira. Passado o período de experiência, implicância, cleptomania, sexo, suor e lágrima, começa-se a colher frutos da erva daninha. Tudo funciona direito e seus dotes passam a ter admiração da família, vira pauta nos jantares, e com o tempo ninguém consegue viver sem a secretária do lar. Os pares de meia, a baixela, o vestido azul, só elas conhecem seu paradeiro. Também tem a malandragem, em casa de nanico não se limpa em cima do armário, de míope não precisa desembaçar os vidros, de solteiro é só por tudo no lugar e jogar um cheiro. Assim seguem felizes. Mal acabou de limpar o dedo sujo de poeira, minha tia foi abordada pela secretária lá de casa, que contava com empolgação, as últimas notícias da vida alheia. Tática, nada mais.
Um comentário:
hahaha
A daqui de casa é igual.
Nossa, muito boa essa.
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