quinta-feira, 6 de setembro de 2007

SE EU TIVESSE UM FILHO AGORA

Se eu tivesse um filho agora talvez ele ficasse sentado ali na cama me ajudando a decidir se uso a camisa verde com estampa preta ou a camisa preta de estampa verde. Se ele já existisse, a tv estaria ligada em algum desenho animado que esqueço de ver. Sairíamos juntos nesta manhã azul de outono, depois de comer biscoito de maisena com leite, e suas mãos repetiriam os meus gestos ao fazer sinal para o ônibus parar.

Seria para ele que eu ensinaria minhas infinitas teorias, minha falta de crença e o revelaria os mais incrustados segredos da minha alma. Um filho tem o tamanho certo de qualquer solidão, inclusive aquelas que nascem com a gente, quando pai e mãe não fazem seu papel e deixam o eco do vazio falar mais alto.

Só um filho teria o poder de meter os bedelhos no meu trabalho sem me dar chance de defesa. Sei que seria meu maior fã, presente em meus pensamentos quando canto com a banda ou quando dou palestra na faculdade. Quem sabe não seriam dos próprios anúncios que crio que retiraríamos as primeiras letras de seu trabalhinho de alfabetização?Ou quem sabe com um outdoor gigante do seu herói preferido que eu arrancaria dele o sorriso mais sincero do mundo?

Gostaria que meu filho tivesse os olhos da Ângela e seu jeito todo próprio de dormir sorrindo. Porém não abro mão da altivez da Renata, da garra da Polyana, da amizade da Danúbia e muito menos da espontaneidade da Lílian. Na bibliografia de seu DNA também poderiam estar a genialidade do bisavô e a libido dos tios, amantes incorrigíveis.

Se fosse um moleque me ensinaria já velho a jogar bola de gude e andar de carrinho de rolimã, afinal não seria criado pela avó, soltando pipa no ventilador. Eu ficaria feliz em ajoelhar na areia para aprender sobre bulicas e mata-matas e resgatar dibiques e cabrestos do meu vocabulário burocrático. Vindo menina adoraria brincar de pai bravo, com poltrona própria e bigode, olhando de cara feia para seus rompantes adolescentes mesmo rindo por dentro. Teríamos conversas longas na cozinha enquanto à duas mãos o jantar improvisado estaria sendo feito. Por ela, tiraria os pêlos do nariz, depilaria a sobrancelha e a deixaria espremer meus cravos das costas com as unhas.

Ter um filho é a oportunidade que todo adulto tem de se reinventar, sem ouvir questionamento do chefe ou da vizinhança. Assistir novela, mudar de time e parar de fumar podem ser atitudes que precisem de uma forcinha extra para acontecer.

Minha cria crescerá em uma casa arejada como foi a minha, de janelas grandes de vidro onde o sol entra colorido pelo vitral. Terá um cachorro que poderá escolher o nome, uma enorme varanda com rede onde brincará de voar e uma praça arborizada na frente, onde todos o conhecerão. Falando nisso, seu nome será tão esquisito quanto o do pai para um dia discutirmos os sabores e dissabores que provocamos a cada vez que a professora faz a chamada.

Mesmo com tanto para oferecer, sei que ainda esquecerei de lhe dar uma coisa básica: o direito dele ser ele mesmo. Afinal ainda projeto na criança tudo aquilo que fui ou que gostaria de ser. Talvez por isso meu filho ainda more nos meus sonhos, mesmo acenando, de vez em quando, que está próximo o seu dia de chegar.

7 comentários:

Anônimo disse...

Como sempre, muito bom.

Anônimo disse...

Simplesmente emocionante!! Adoro sua forma de escrever, expressa os pequenos detalhes tornando a leitura prazerosa. Do jeito como vc se descreveu como pai deu até vontade de ser A mãe desse filho...quem sabe né?
Bjs

Vivianni Patricia disse...

Com toda experiência que tenho entre um menino e uma menininha, tudo o que vc expôs era tudo o que eu imaginava ser, mas de repente tudo o que sonhamos ou cremos quebra a partir do momento que nos derretemos pelo primeiro sorriso dele olhando para nós. É forte, é doloroso, é companheiro, é feliz... ser uma mãe ou um pai, mas a recompensa é gratificante e é intensa. Não há ninguém que não esteja preparado... Amei! Vc está cada vez melhor. Bjk

Juliana Viana disse...

Eu gostaria de pedir mais uma vez para você visitar o meu blog!!
Por favor!
Preciso das suas críticas e comentários.
Te adoro amigo.
Bjs
Ju Preta

Anônimo disse...

Melhor q imaginar é ter... quando o sua [ou seu] chegar vc vai ver cada coisa se materializando, cada descoberta q ela faz, q a sua sensibilidade de homem solteiro ainda não descreveu nesse blog.

Como eu ja te disse, pode acreditar, ser pai é a melhor coisa que irá te acontecer!!

Unknown disse...

De uma beleza fina digna de qualquer grande cronista de nossa língua portuguesa. As imagens evocadas ao longo da leitura, a tranqüilidade que nos passa o texto, a precisão da escrita. Aruanã, Aruanã, Aruanã.... Sim, acho que gostaria de encontrar um texto seu estampado nas páginas de um jornal, que eu abriria vagorasamente e o leria, com a mesma expressão de prazer que li "Se eu tivesse um filho agora".

Nanny Nascimento - A Sonhadora disse...

Li o texto inteiro duas vezes. Depois reli vários pedaços, a esmo. Uma vontade enorme de comentar, mas nenhuma palavra traduziria meus olhos rasos d'água.
Tive um impulso de perguntar se já depila a sobrancelha, dizer que Marysol não é um nome esquisito e que meninas também gostam de bolas de gude. Principalmente as "bilhas", ou aquelas que parecem ser recheadas de estrelas.
Mas, minha mente ainda projeta as imagens do sol atravessando o vitral e da praça arborizada. Enquanto pontes se estabelecem entre seu texto e os anseios do meu coração.
Por essa razão, não me será possível tecer frases sobre a beleza dessa crônica. No máximo, posso dizer que Marysol chegou, coberta de pó de fada, recheada de amor e muito disposta a realizar seu sonho.

Um beijo, paizão.