quinta-feira, 4 de outubro de 2007

MULHER MICROONDAS

Já se passaram 365 dias depois daquele fatídico adeus. O último namoro foi embora e levou com ele qualquer vontade de recomeçar tudo de novo. Se a ressaca de bebedeira fosse tão marcante quanto o fim de um relacionamento, não existiria o A.A. Terminar uma relação, abandonar uma mulher com olhos afogados e o coração no final da efervescência, sem ao menos poder confortá-la, fica no sangue, dói na alma para o resto da vida.

Ser dono da minha própria órbita foi a grande lição. Abusar da falta de planejamento e sair e chegar sem rumo, sabendo que o único comprometimento que tenho é comigo mesmo, foi o primeiro passo para me conhecer. Como uma adolescente que apalpa seu corpo na procura de novas sensações, palmo-a-palmo me deparei com as debilidades e exclusividades que carrego, mapeando quem realmente sou e não apenas quem eu achava que era. O romântico inveterado, que expunha seus sentimentos no varal da janela, cedeu lugar para becos úmidos e mal iluminados onde nem todo mundo tem coragem de entrar.

Se o amor agora se disfarça com capa-preta e se mostra tão difícil de acertar quanto cesta de três pontos, a lucidez escancara os prós e contras de cada relacionamento. Assim como o flash da máquina fotográfica revela as rugas e acnes, a racionalidade deixa tudo tão sem graça quanto os muros das fábricas.

Neste último movimento de translação da terra, muitas foram as tentativas, porém as poucas que valiam a pena esbarraram na natureza cronológica das mulheres. Penso que as moças da minha idade, em sua maioria, possuem uma pressa de não sei o quê, como o coelho do país das maravilhas. Na idade da afirmação, onde o trem de pouso começa a fazer menção a subir, o mundo feminino se vê de frente ao desafio de equilibrar suas prioridades na ilusão de deixar para a próxima década de sua vida tudo tão arrumado quanto armário de militar.

Entre o tempo do casamento com seu espreguiçar lento de domingo de manhã e o tempo da adolescência, tão cítrico e contrastante com suas emoções, a geração pré-balzaquiana erra a medida dos seus ternos, a fermentação de seus vinhos e transforma a procura pela pessoa certa em um jogo cronometrado de programa de auditório. Mesmo vislumbrando um horizonte infinito de novas mentalidades, estas deveriam aprender com suas avós, no antigo ofício do simples cozinhar, o procedimento necessário para reencontrar o amor. Já fui congelado por elas. Já fui engolido por elas. Já fui raspado do prato por elas, que se alimentam das minhas intenções em pé no balcão. Será que não existirá mais ninguém capaz de perceber que as pessoas são como bacalhaus e quanto mais relacionamentos frustrados viveram, mais se preservam chafurdando os sentimentos no sal?

A cada fim de relacionamento destes, me sinto recém-saído do microondas, que deixa tudo torrado por fora e cru por dentro. Prometi a mim mesmo que nunca mais ensinaria a lição básica que deveria vir ilustrada nos cadernos do primeiro grau. Namoro não é uma esmola, é uma conquista. Não se pede ninguém em namoro, simplesmente descobre-se já namorando. Diferente da época que eu acendia um novo amor no outro, hoje vejo que relacionamento não é um título na bolsa de valores e sim uma experiência acumulada.

Este tempo de amolecimento, de cozimento em banho-maria, é tão necessário quanto o girar completo que o boxeador faz para estudar seu adversário, afinal é ali, no travesseiro ao lado, que você pretende ancorar sua nau, descer seus mantimentos e explorar as regiões mais íntimas do seu companheiro, e nesta eterna procura pela ilha certa, a ansiedade crispa o mar, chacoalha as velas e afasta as esperanças do cais.

Enquanto este alguém não toca a campainha, não cruza as avenidas dos meus olhos nem tropeça nas sinuosidades das minhas palavras eu fico aqui, como uma estação de metrô das grandes cidades, que ora existe deserta, ora não consegue comportar tudo em seus vagões que nunca esperam.

4 comentários:

Anônimo disse...

Grande Aru! Essa sua linda crônica me fez lembrar dos nossos saudosos papos sobre nossos relacionamentos. E quantas metáforas! Penso que quanto mais metáforas temos para expressar algo, tanto mais tempo passamos pensando sobre e tanto mais importante aquilo nos é. Concordo muito contigo quando à essa corrida das mulheres. Aquela história de cuidar do jardim ao invés de correr atrás das borboletas é mais válido do que nunca para nós. A procura do macho ideal está em curso. Seja um deles ou serás pra sempre fast-food, assado em microondas! Um grande abraço!

Anônimo disse...

aruanã...amei!! há tempos não lia algo que traduzisse tão bem o que acontece com a nossa geração....vou mandar p/ todas as minhas amigas "encalhadas"!!!!!!! rsrsrs....bjos e bom fds, catita

Anônimo disse...

Dizer que eu amei mais essa crônica seria redundância, mas é isso aí: pra variar você descreveu perfeitamente o que acontece com muitas mulheres (e, pasme, homens tb, tá?).
Só não gostei muito da metáfora do bacalhau, fora isso SENSACIONAL!
Beijocas

Anônimo disse...

Lindo, boa amostra de um grande amadurecimento. A geração de vcs que nem tão longe da minha é, realmente está com a vida afetiva complicada. Boa sorte pra vcs. um bjão.