quinta-feira, 11 de outubro de 2007

MICROONDAS, TALVEZ NÃO

Por Héllen Dutra

Só se passaram 91 dias do meu último adeus. Marcado por lágrimas, soluços e súplicas que não foram suficientes para reter, a areia a escorrer pelos meus dedos, o homem que, há mais ou menos nove anos, eu escolhera como o parceiro da minha vida. Desde então o que faço é me adaptar. Me adaptar a morar sozinha, me adaptar a fazer compras, equilibrar contas, cozinhar para uma pessoa só, escutar o silêncio da noite que não passa,do fim de semana que não se agita, da televisão monótona na sala, dos latidos estridentes e reconfortantes dos meus cães que denunciam haver vida além da minha, me adaptar ao telefone que não toca, ao barulho do rato no forro da casa, me adaptar a torneira que pinga e cadencia o escorrer das minhas horas vazias, me adaptar a estar sozinha com os meus dias, sozinha comigo.
Aprender a me conhecer tem sido um desafio diário: dormir até a hora quero, lavar a louça, se der vontade, sair sem hora pra chegar, não dar satisfações, dançar na Lapa até cair ou sair para beber em plena segunda-feira. Nesse mar de coisas novas a que eu preciso me adaptar, está o fantástico mundo dos solteiros. Trocar um olhar, trocar um beijo, pode virar telefonema no dia seguinte ou apenas sexo na mesma noite. De uma forma ou de outra, vai ser difícil mais do que isso. Me pergunto: por que essas pessoas têm tanto medo de se relacionar de verdade? Conhecer o outro mais do que no superficial, se permitir embrenhar no labiríntico ser que cada um de nós se constitui, se decepcionar sim, por que não? Faz parte do que chamamos de vida. Conhecer a si mesmo é um processo que necessita da presença do outro, pois é no intermédio entre o que sou e o que o outro é, que nos encontramos.
Os homens com quem eu tenho cruzado ou que têm cruzado o meu caminho, nesta minha solteirice, parecem sair de uma escola, cuja cartilha prega que o prazer está na novidade e não na intimidade. Intimidade requer a paciência de conhecer o outro. O maior número possível de parceiros vai trazer experiências fugazes. Experiência vem de experimentar e experimentar várias coisas pode ser menos instrutivo do que experimentar a mesma coisa, buscando diferentes ângulos de apreciação. Me parece, e isso serve para homens e mulheres, que a única coisa que se quer dos relacionamentos são os bônus, o que mostra uma extrema imaturidade de nossa geração, já que todos sabemos que os ônus são intrínsecos aos bônus, inclusive na materialidade física das duas palavras. Eu, na minha ainda cabeça de mulher recém-divorciada, custo a entender como a aquisição de experiência se funda na quantidade e não na qualidade. Experiência que eu chamo de líquida, volátil, pouco aproveitável.
Como curiosa investigadora dos comportamentos afetivos na pós-modernidade, com base numa filosofia, discutida geralmente em botecos às tantas da madrugada de sábado com bastante cevada nos neurônios, percebo uma diferença natural entre homens e mulheres. Nós não temos medo de nos apaixonar, aliás, acho que a progesterona causa amolecimento agudo do miocárdio. Se gostamos do carinha, esperamos o telefonema no dia seguinte, repassamos mentalmente os detalhes do último encontro, não exitamos em pensar nele quando toca uma música romântica; se temos programa para o fim de semana, queremos convidá-lo e convidamos (ou tentamos se o telefone não der desligado ou se ele simplesmente não atender porque é fim de semana). Mandamos mensagens carentes em manhãs de chuva ou excitantes em noites de luar. Para ficarmos assim totalmente apaixonadas não precisa de muito tempo, uma semana, às vezes, é suficiente. Isso porque não somos apenas ansiosas, temos a urgência da paixão. Até corremos o risco de sofrermos mais, porém este é o preço que se paga por ter um útero. Ou acham que não faz diferença na vida de um ser humano o poder de gerar um outro ser nas entranhas. Somos naturalmente intensas. Sabemos, porque trazemos na veia o antigo ofício de cozinhar de nossas ancestrais avós, que é preciso, para apurar o sabor dos alimentos, cozinhar em fogo brando, porém nunca deixando de mexer. Mexer é fundamental, provar também. Toda cozinheira sabe que nada melhor do que aguardar ansiosa o prato ficar pronto.
Ter vários encontros numa mesma semana pode ser legal. Até quando? O namoro acontece naturalmente? Sim, mas eu não conheço rosa que brote em jardim algum (mesmo com a melhor terra) sem que primeiro seja plantada uma sementinha e que se regue todos os dias. Para que se descubra namorando, é necessário um mínimo de investimento, senão o que se tem são relacionamentos de finais de semana, que deixam um vazio na segunda-feira. Com medo de monótonos domingos de casado, tem-se apostado em monótonos sábados de solteiro.
Meu bom de verdade, e não tenho medo de assumir, é dvd rolando, pipoca estourando e intimidade no edredom. É ligar com saudade, abandonar o orgulho e pedir desculpas, passar a noite em claro ensaiando um sermão ou passar o dia refletindo sobre a ultima bronca. Transar no elevador ou no carro também é legal, mas é a paixão, e não a aventura, que garante o prazer.
Se passaram 91 dias que eu perdi o último amor, mesmo com o coração sangrando ainda e com uma marca indissolúvel que só um grande amor deixa na alma, não abro mão de sentir o friozinho na barriga, de ficar ansiosa por um telefonema, de comprar um vestido decotado e uma lingerie preta para o próximo encontro. Não abdico do prazer de me apaixonar sempre.

9 comentários:

Anônimo disse...

Por que será que me identifiquei tanto???.....hahahhahahahaha....Adorei!! Bjos Cla

Anônimo disse...

Que tal uma pipoca?

Bj Luiz

Anônimo disse...

Não tem jeito, sua formação Ufrjotiana te denuncia...senti cheiro de Sá-Carneiro, cheiro de Benjamin, cheiro de de modernidade líquida (ou gosto?).
Otávio

Anônimo disse...

Adorei sua crônica, querida! E assino embaixo.
Mas que tal a gente sentar num bar pra discutir isso e qualquer outra coisa? Adoooooooro! Não estou solteira, mas beber com os amigos é sempre bom!
Beijos!
Aline

Anônimo disse...

Bom ver transformado em texto nossas inúmeras discussões pelos bares da cidade... incrivel como vc ainda consegue escrever melhor do que fala.
Texto provocante e sensível, bem à moda Héllen de ser. beijão!
Pedro

Anônimo disse...

òtimo, muito bem escrito. Deve ser muito difícil realmente a readaptação à vida de solteira(o). No início, deve ser ótimo, mas depois da euforia da solteirice deve ser barra ficar em casa sozinha, cozinhar pra uma pessoa, não ter a cumplicidade do outro, e o pior, sem muita perspectiva de encontrar alguém q vai valer a pena...Bjs

Marcela Diniz disse...

Caralhowwwwww!!!
Desculpem os dois palavrões, o que já disse e o que direi em seguida, mas esse texto é FODA!! rs
Sem mais comentários sobre essa perfieta descrição do íntimo universo de uma recém-solteira da paixão e do amor!
Hoje, são 91 dias... mas não podemos nos iludir. Aos 365, o vazio ainda vai ser o mesmo e a busca por outra paixão não vai velar os gritos interiores de nosso miocárdio.
Ou será mesmo do nosso útero!!
Mulheres.. mulheres!
Seja uma, e só assim saberás!!

Boa papaya!!
A autora mandou MUITO BEM!
Bjs

Unknown disse...

Olá!
Gostei muito do texto...
Me lembra uma pessoa que não é mulher...
Um amigo muito querido, mas em outros tempos...
Esse mesmo aí que é seu também...O Arú.
Abraço!

Anônimo disse...

Não entendi, vc que tinha um amante sofre por ter perdido o marido.Como é a vida, hoje está só sem o amante e o marido.Ambos felizes sem vc por perto!!!!!!!!!!!!!!!!