quinta-feira, 28 de junho de 2007

SENTIMENTOS NO PORTA-RETRATO

Essa semana teve 26 anos. Todo o meu passado resolveu romper pela janela adentro como os ventos sudoestes vindos da Pedra de Guaratiba. Revi vídeos, álbuns de fotografias e recontei momentos, que a cada dia ganham mais eco, ficam mais distantes.

Foi nessa semana que o cara casou. Um daqueles amigos que já reservaram uma alça no meu caixão, juntou suas escovas de dente com a namorada eterna. Metido numa roupa cinza, cheia de detalhes engraçados, nos recebeu como um mordomo na escadaria. Ao meu lado, todos aqueles garotos, que jogavam vídeo-game e RPG, que sonhavam transar com as professoras e fotografar para o outro ver, estavam fantasiados em um meio-fraque, sem menor intimidade com a roupa nem com a cerimônia.

Nos ajeitamos uns aos outros, apertando um nó de gravata aqui, recolocando um lenço ali, revivendo o amor paterno que sempre tivemos no grupo, desde a primeira barba que fiz, passando pelo dia de tirar a carteira ou fazer a mudança para a quitinete: sempre estivemos juntos.

A expectativa de uma alegria extrema, de um chororô absoluto, foi substituída pelo desânimo e pelo medo, afinal, o casamento do cara era a bifurcação, mais um grande teste de resistência. A cada ano que passa galopamos em sentidos distintos: um virou músico, o outro pretende morar no exterior, tem aquele que tá solteiro e rico, o outro casado e pobre, o outro com filho, e mais o último que não sei. Nos entrincheiramos de frente para a igreja, disfarçando o inevitável, com futilidades do dia-a-dia.

Em nossa marcha dos pingüins, unidos a um tanto de madrinhas compenetradas e muito mais tensas que nós, nos enfileiramos olhando fixamente para o altar e, sem saber se agradecia pelo momento ou se confessava meu sentimento de posse com o amigo, preferi o silêncio. Um, dois, pára, um dois, pára. Assim caminhamos lentamente, sob o olhar ansioso dos convidados. Convenhamos que ninguém vai a cerimônia para ver os padrinhos. Acostumados ao papel principal, era estranho ser um enfeite, um adereço de algo muito maior, traduzido pelas lágrimas discretas do noivo, quando ela entrou.

Depois da gravidez, não existe um estado de graça maior de uma mulher. Toda de branco, vestido tomara que caia, rosas vermelhas e uma longa cauda, a noiva radiante silenciou o mundo, distribuindo um sorriso de dentes trincados para todos. Qualquer indiferença ou estresse pré-casamento havia sido deixado fora da igreja: ela estava linda, como nunca.

Terminadas as juras de amor eterno, troca de aliança e pai-nosso, procurei os olhos de cada um dos meus e encontrei, por trás da alegria e votos sinceros de felicidade, o nó na garganta, a tensão perante o novo, igualável a dos soldados que entram em um campo de batalha sem saber o que existe por trás da moita. Já era, o cara casou e um enorme ponto de interrogação roubou seu lugar. O que acontecerá agora?Será o fim de choppinhos de terça-feira e viagem de ônibus juntos?Acabarão os assaltos ao bolo de domingo que minha avó faz?Até que ponto seremos bem-vindos em sua nova casa?

Desentalamos com cerveja, em uma festa de arromba oferecida pelos pombinhos longe dali. Aos poucos, foram saindo coletes, penteados, camisas pra fora da calça e os rancores ciumentos. Seja lá qual for a resolução, não tenho dúvidas que estaremos do lado, pois, durante toda a vida, esta amizade foi o barro de criação para qualquer momento, somos parte de um todo, referência um para o outro. Nos despedimos cedo, cada um rumo a sua próxima aventura, mas não antes de roubar o porta-retrato que adornava o hall de entrada. Talvez para lembrarmos eternamente deste momento ou talvez para não esquecermos que um dia fomos simplesmente crianças.

Parabéns Isaac.

8 comentários:

Anônimo disse...

LINDO, LINDO, LINDO!
De verdade: me emocionei!
Talvez, como vc mesmo disse, pq tenha me identificado muito.
Beijocas

Líu Brito disse...

Aliás, eu li tá? Adorei!!!
Me lembrei do dia que a minha professora da primeira série casou. Chorei o casamento inteiro sentada no primeiro banco e saí de lá me sentindo pronta para encarar qualquer revés da vida, do alto dos meus 7 anos. Bjus!!!

Anônimo disse...

Maravilhoso,
Acho perfeito esse seu olhar poético sobre a vida.
Parabéns!
Beijos!

Anônimo disse...

Mt lindo Aru!!

Estamos ficando velhos cara!! Quem será o primeiro a se aposentar?? hehehe. A referência à mim foi no mínimo irônica hein.

Abraços!

Anônimo disse...

o porta retrato parece que custou a ele multa de 50 reais...

André Luis Mansur disse...

Muito bom o texto, bem saudosista, mas sem chororô. Gostei muitas das frases, essa especialmente: "Um daqueles amigos que já reservaram uma alça no meu caixão, juntou suas escovas de dente com a namorada eterna."

Só faltou falar das tulipas que vocês roubaram (muito bonitas por sinal) e do porta-retrato. Mas a ficcção, como você sabe, não precisa ser realista.

Abraços.

Gustavo disse...

mt bom o texto. Agora, vc poderia escrever um sobre o p�s-festa... hehehehe

Anônimo disse...

Muito lindo. Parabéns