quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

E O CORAÇÃO RESOLVEU TRABALHAR

É fora de moda dizer que amigos a gente não faz, os reconhece, mas ser brega no país dos outros pode. Os carioca que conheci um dia destes me encantaram. São gentis, leais, autênticos, engraçados, amigos. O mais cumprido deles lidera o grupo pela sua natureza justa sem afetações, sempre com ordens seguidas de piadas interessantes. Já amanhecia e os planos de México 2011 foram rascunhados sobre promessas fortes. Prometemos também conhecer a cidade e sua beleza arquitetônica de dia.

O passeio iniciado de tarde nos foi revelando uma Buenos Aires bonita porém sem inspiração. Uma velha senhora que tenta manter sua elegância livre de baratas e cupins. Casa Rosada, Café tourtoni, nada me chamou mais atenção que a imensa flor de metal que se abre e fecha cercada de arte colorida e reciclada em um gramado no caminho. A capital, para muitos a mais européia da América do sul, precisa de menos nostalgia e conservadorismo e mais criatividade e autenticidade. Me lembrei do consultor de moda que dava uma palestra no Rio falando sobre a dificuldade de encontrar traços que determinem o estilo argentino. Hoje o entendo melhor.

Este foi o único dia até então que o coração trabalhou. Quando propus que ela dançasse comigo não imaginava que causaria tanto descompasso. Fomos a aula de tango, no subterrâneo de um clube finalmente freqüentado por moradores e não apenas turistas e aprendemos, criamos, rimos e sublimamos nossa cumplicidade.

Seu pai boliviano tocador de flauta encontrou o amor nas praças da Áustria e se casou por lá. Nascia a hippie que colocou a mochila e três amigas nas costas vinte anos depois e veio conhecer a América do Sul por meses de viagem e poucos pesos no bolso. Da Bolívia veio a cor de doce de leite queimado e seu hálito de sereia, da mãe, a reserva dos gestos e a profundidade dos olhos feito poço, onde joguei minhas pedrinhas e não ouvi o barulho das águas. De uma dança a outra quando vimos já estávamos em outra pista, em outra discoteca, com tantos viajantes que conseguimos reunir. Era o momento de estar livre, dançar livre, olhar para o mundo e deixar que ele nos visse. Mas a natureza possessiva e insegura que tenho como segunda pele não me permite tal capricho e observo com rancor os tantos que dançam, que tentam e que curtem com ela. A noite se torna um suplício de sorrisos amarelos e dedos cruzados para nenhum americano, guatemalteco ou brasileiro conseguir a rendição máxima de um beijo. Sim, a lenda que as mulheres do leste europeu transam mas não beijam tem suas verdades. Me lembrei da ucraniana em Barcelona que rebolava, permitia liberdades, seduzia, mas na tentativa de um beijo, se foi ofendida pra sempre. Finalmente a noite acabou já de dia, alguns bêbados, outros pensativos, fora os que praguejavam ter que caminhar tanto. Quando finalmente os deixei senti alívio e procurei beber com os primeiros que encontrei. Uma alemã e um argentino trocavam galanteios na porta da minha hospedagem e foram os convidados para a última cerveja de uma longa noite. Ou seria o primeiro brinde de um grande dia?

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