É fora de moda dizer que amigos a gente não faz, os reconhece, mas ser brega no país dos outros pode. Os carioca que conheci um dia destes me encantaram. São gentis, leais, autênticos, engraçados, amigos. O mais cumprido deles lidera o grupo pela sua natureza justa sem afetações, sempre com ordens seguidas de piadas interessantes. Já amanhecia e os planos de México 2011 foram rascunhados sobre promessas fortes. Prometemos também conhecer a cidade e sua beleza arquitetônica de dia.
O passeio iniciado de tarde nos foi revelando uma Buenos Aires bonita porém sem inspiração. Uma velha senhora que tenta manter sua elegância livre de baratas e cupins. Casa Rosada, Café tourtoni, nada me chamou mais atenção que a imensa flor de metal que se abre e fecha cercada de arte colorida e reciclada em um gramado no caminho. A capital, para muitos a mais européia da América do sul, precisa de menos nostalgia e conservadorismo e mais criatividade e autenticidade. Me lembrei do consultor de moda que dava uma palestra no Rio falando sobre a dificuldade de encontrar traços que determinem o estilo argentino. Hoje o entendo melhor.
Este foi o único dia até então que o coração trabalhou. Quando propus que ela dançasse comigo não imaginava que causaria tanto descompasso. Fomos a aula de tango, no subterrâneo de um clube finalmente freqüentado por moradores e não apenas turistas e aprendemos, criamos, rimos e sublimamos nossa cumplicidade.
Seu pai boliviano tocador de flauta encontrou o amor nas praças da Áustria e se casou por lá. Nascia a hippie que colocou a mochila e três amigas nas costas vinte anos depois e veio conhecer a América do Sul por meses de viagem e poucos pesos no bolso. Da Bolívia veio a cor de doce de leite queimado e seu hálito de sereia, da mãe, a reserva dos gestos e a profundidade dos olhos feito poço, onde joguei minhas pedrinhas e não ouvi o barulho das águas. De uma dança a outra quando vimos já estávamos em outra pista, em outra discoteca, com tantos viajantes que conseguimos reunir. Era o momento de estar livre, dançar livre, olhar para o mundo e deixar que ele nos visse. Mas a natureza possessiva e insegura que tenho como segunda pele não me permite tal capricho e observo com rancor os tantos que dançam, que tentam e que curtem com ela. A noite se torna um suplício de sorrisos amarelos e dedos cruzados para nenhum americano, guatemalteco ou brasileiro conseguir a rendição máxima de um beijo. Sim, a lenda que as mulheres do leste europeu transam mas não beijam tem suas verdades. Me lembrei da ucraniana em Barcelona que rebolava, permitia liberdades, seduzia, mas na tentativa de um beijo, se foi ofendida pra sempre. Finalmente a noite acabou já de dia, alguns bêbados, outros pensativos, fora os que praguejavam ter que caminhar tanto. Quando finalmente os deixei senti alívio e procurei beber com os primeiros que encontrei. Uma alemã e um argentino trocavam galanteios na porta da minha hospedagem e foram os convidados para a última cerveja de uma longa noite. Ou seria o primeiro brinde de um grande dia?
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
LAST NIGHT
Não sei quando acabou ontem e começou hoje. Minhas habilidades de migrar do dia para a noite e para o dia de novo foram colocadas em prática. Guerreiro, com uma pint de Quilmes na mão às 10h percebi que finalmente estava bêbado sozinho. Ninguém queria conversar comigo no único bar aberto. Um tipo conquistador e eloqüente contava suas histórias sobre drogas para meninas de alguma província argentina, totalmente encantadas. Dois bêbados, um inclusive parecido com John Lennon, tentavam me usar pra chamar atenção de outros grupos, um grupo de putas muito feias continuavam me achando atraente e interessante até que uma mendiga pegou meu copo e numa golada terminou com o chorinho que eu guardava na caneca. Tava na hora de partir. Voltei para o hostel e me perdi na busca de uma fanta para o café da manhã. Aliás foi a primeira vez que tomei café da manhã no hostel. Muito animado, de roupa amarrotada, junto com aqueles gringos dormentes de sono, sem menor inspiração para entender meu espanho. Tinha ido afogar as angústias de um coração que começava a ficar carente e bater forte por tão pouco. Tinha ido sugar as últimas 24horas que tinha na cidade. Tinha ido lembrar e esquecer a noite anterior.
Acordei objetivo, disposto a encarar sozinho a jornada de conhecer os pontos turísticos. Havia 4 dias que eu estava na cidade e mal havia passado da metade. Retomei os mapas, o livro de viagem mas, para minha alegria, o grupo de amigos cariocas no qual eu estava totalmente envolvido, também queria continuar fazendo o turismo começado com certa preguiça no dia anterior.
O que posso dizer deste passeio de domingo é a capacidade que a prefeitura e a iniciativa privada tem para criar seu próprio turismo, se aproveitando da criatividade popular e transformando numa espécie de zoológico um lugar onde o perigo, a malandragem, a sujeira e pobreza viviam junto com a inspiração dos artistas. Assim vi o Caminito. Uma rua no meio do bairro abandonado La Boca que, graças a criatividade e alegria dos imigrantes que viviam ali, transformou-se em passeio de madame. Bibelôs, entretenimentos copiados da Europa, brasileiros, show de tango, sósia do Maradonna e muitos oportunistas se apertam nas duas ou três ruas coloridas consideradas seguras, sendo observados pela esperança de meninos que batem bola a poucos metros do estádio do Boca Juniors. Não chega a ser um Pelourinho mas as cores fortes nas casinhas e barracos nos lembra que estamos na América do Sul.
A feira de San Telmo, que tem o nome mais bonito que a própria feira, estava no final e um casal de dançarinos de tango sem disposição se apresentava na busca de um troco. Um grupo afinado também mostrava seu talento de frente para a igreja. Caminhávamos em busca de novidade e só encontrei em um outlet que ficou com alguns mangos meus. No final da rua um carnaval feito de atabaques reunia uns branquelos do leste europeu que ainda não sabem que a capital do samba não é Buenos Aires.
Propus sairmos sozinhos, só os homens para a última curtição. E tudo foi concordado na teoria. A noite passada foi dividida em vigília e angústia a hippie que eu queria pra mim, cujos olhos pareciam cortinas de teatro que se abrem para cima, lentamente revelando um cenários totalmente incompreensível a primeira vista mas não menos encantador.
Nada do previsto aconteceu e pelas tantas estávamos no quarto, cantando músicas brasileira para ela, que é austríaca e boliviana, que fala inglês, espanhol, alemão mas usa o silencio como ninguém para responder questões do coração. Ela ia e novamente dançaríamos nos olhando e não nos permitindo. Tinha que falar pra ela alguma coisa. Ser exato com sentimentos em outra língua que não se domina é algo difícil. Saiu te gusto mucho e só. Ela sorriu como se já soubesse e me deslocou dizendo algo sobre a distância. Aquele romance bobo de viagem escrevia suas últimas linhas em um beijo sem vontade e o pedido para que eu fosse sair com meus amigos. Ela voltou para o hostel e disse adeus.
Me restou seguir em frente e encontrar alguns dos cariocas numa boate pequena e bem provinciana perto do Av Córdoba. Mas o destino é como o vento que não tem vergonha de mudar de direção na hora que lhe dá na telha. Nos reunimos às brasileiras que já havíamos amanhecido sentados na Puente de La Mujer e nos adaptamos a noite portenha, seu fernet maldito, seu regaton intermitente e ao costume de começar a noite pelas duas da madruga. Creio que o conforto de estar falando a mesma língua nos seduziu a ambos, numa cumplicidade de amigos de infância. Dois casais se formaram. Dois casais dançaram. Dois casais partiram para o hostel onde, dentro do abraço, dormimos pela primeira vez em nosso país.
Acordei objetivo, disposto a encarar sozinho a jornada de conhecer os pontos turísticos. Havia 4 dias que eu estava na cidade e mal havia passado da metade. Retomei os mapas, o livro de viagem mas, para minha alegria, o grupo de amigos cariocas no qual eu estava totalmente envolvido, também queria continuar fazendo o turismo começado com certa preguiça no dia anterior.
O que posso dizer deste passeio de domingo é a capacidade que a prefeitura e a iniciativa privada tem para criar seu próprio turismo, se aproveitando da criatividade popular e transformando numa espécie de zoológico um lugar onde o perigo, a malandragem, a sujeira e pobreza viviam junto com a inspiração dos artistas. Assim vi o Caminito. Uma rua no meio do bairro abandonado La Boca que, graças a criatividade e alegria dos imigrantes que viviam ali, transformou-se em passeio de madame. Bibelôs, entretenimentos copiados da Europa, brasileiros, show de tango, sósia do Maradonna e muitos oportunistas se apertam nas duas ou três ruas coloridas consideradas seguras, sendo observados pela esperança de meninos que batem bola a poucos metros do estádio do Boca Juniors. Não chega a ser um Pelourinho mas as cores fortes nas casinhas e barracos nos lembra que estamos na América do Sul.
A feira de San Telmo, que tem o nome mais bonito que a própria feira, estava no final e um casal de dançarinos de tango sem disposição se apresentava na busca de um troco. Um grupo afinado também mostrava seu talento de frente para a igreja. Caminhávamos em busca de novidade e só encontrei em um outlet que ficou com alguns mangos meus. No final da rua um carnaval feito de atabaques reunia uns branquelos do leste europeu que ainda não sabem que a capital do samba não é Buenos Aires.
Propus sairmos sozinhos, só os homens para a última curtição. E tudo foi concordado na teoria. A noite passada foi dividida em vigília e angústia a hippie que eu queria pra mim, cujos olhos pareciam cortinas de teatro que se abrem para cima, lentamente revelando um cenários totalmente incompreensível a primeira vista mas não menos encantador.
Nada do previsto aconteceu e pelas tantas estávamos no quarto, cantando músicas brasileira para ela, que é austríaca e boliviana, que fala inglês, espanhol, alemão mas usa o silencio como ninguém para responder questões do coração. Ela ia e novamente dançaríamos nos olhando e não nos permitindo. Tinha que falar pra ela alguma coisa. Ser exato com sentimentos em outra língua que não se domina é algo difícil. Saiu te gusto mucho e só. Ela sorriu como se já soubesse e me deslocou dizendo algo sobre a distância. Aquele romance bobo de viagem escrevia suas últimas linhas em um beijo sem vontade e o pedido para que eu fosse sair com meus amigos. Ela voltou para o hostel e disse adeus.
Me restou seguir em frente e encontrar alguns dos cariocas numa boate pequena e bem provinciana perto do Av Córdoba. Mas o destino é como o vento que não tem vergonha de mudar de direção na hora que lhe dá na telha. Nos reunimos às brasileiras que já havíamos amanhecido sentados na Puente de La Mujer e nos adaptamos a noite portenha, seu fernet maldito, seu regaton intermitente e ao costume de começar a noite pelas duas da madruga. Creio que o conforto de estar falando a mesma língua nos seduziu a ambos, numa cumplicidade de amigos de infância. Dois casais se formaram. Dois casais dançaram. Dois casais partiram para o hostel onde, dentro do abraço, dormimos pela primeira vez em nosso país.
TURBULÊNCIAS DA ALMA
Foi entre números de vôo, poltrona na janela e escala em São Paulo que decidi escrever minha história de viagem respeitando minhas lembranças, ajudada pelas fotos que tirei. Queria ter vivido tudo de maneira organizada mas o destino não tem trilhos nem estação.
Este foi o último dia em Buenos Aires. A chuva que batia no telhado de zinco do salão comum no albergue dos amigos Cariocas e a manta, onde traseiros dos quatro cantos do mundo já sentaram, me aquecia, me abraçava cúmplice da cidade que parecia criar um clima propício a esquecer a rotina que me esperava no Brasil. De fato, a noite de despedida e estes momentos aninhado no terraço do hostel custaram caro para o bolso de mochileiro controlado. “Tiene que pagar 30 pesos. Quedou-se acá nesta noche.” O dono do lugar, autoritário, econômico e pavio curto, tinha pensamento de proprietário de pensão, controlava o uso da internet, o horário de entrar e sair e me parece que nunca colocou meia dúzia de cuecas e um tênis na mala e foi conhecer o mundo. É argentino, portenho e vai morrer assim. Os 20 pesos, que nem é tanto assim para os bolsos tupiniquins na verdade me custaram tempo pois na primeira segunda feira do ano de qualquer lugar do mundo o caos está formado. Bancos sem funcionar, táxis lotados, engarrafamentos e as horas correndo. O sorvete de doce de leite ficou pra lá, os alfajores da família vieram, o passeio do rio tigre e a esticada em Uruguai também não aconteceram, a camisa da afilhada deu tempo de comprar. Tenho que confessar que detesto comprar presente. Fico com os pedidos vagando na minha lembrança e a corrente interminável de pidões me atrapalham os passos. Acho uma viagem algo tão pessoal que nunca fui capaz de pedir nada mas também não ignoro. Corri atrás de tudo que pude e por isso mesmo perdi o vôo. Caos no aeroporto, brasileiros fazendo escândalo, marcando sua presença e o check in terminando 40 minutos antes me dobraram ao meio. Precisava sair dali. Precisava voltar ao trabalho. Mas também queria voltar. Não queria deixar a minha hippie sozinha. Queria tomar sorvete de doce de leite. Queria qualquer coisa que não fosse ficar no meio do caminho que se chama aeroporto. Em protesto solitário joguei minhas coisas em um canto como retirante, me deitei e dormi feito vagabundo, abandonado, esperando a repreensão de alguma policial de preferência sexual distinta. Só acordei com frio e mosquito meia hora depois.
Sem álcool no sangue recuperei a lucidez e tracei meus planos para o dia seguinte. Os últimos 50 dólares que acalantariam a monotonia da volta no free shop se foram pagando uma pensão indicada pelo próprio balcão de recepção. A dona, de alegria intrépida e imensa doçura nas palavras e nas coisas, transformou o final da noite em uma confortável e refrescante noite.. Me buscou, me acordou, me levou e, mesmo sendo uma prestação mecânica que ela repete todos os dias, me cativou a ponto de querer ficar mais naquele fim de mundo ao lado do aeroporto. Tomei um banho demorado, gravei uma mensagem pra minha ex loira mas decidi não mostrar, busquei um filme pornô na tv a cabo e acabei adormecendo ao acompanhar a cobertura do funeral de um cantor famoso argentino.
Voltei cheio de turbulência na alma, preocupado, cansado, triste, confuso, com os pensamentos precisando de amaciante e secadora, de serem separados por cor, tamanho, novos e velhos, pensamentos para guardar em um armário novo de 2010 ainda tão cheio de espaço.
Ás 14h estava sentado na mesa do escritório, pronto para mais um dia de trabalho. Atrás de mim muita história, lembranças e uma mochila cheia de bandeirinhas que ainda não me largou.
Este foi o último dia em Buenos Aires. A chuva que batia no telhado de zinco do salão comum no albergue dos amigos Cariocas e a manta, onde traseiros dos quatro cantos do mundo já sentaram, me aquecia, me abraçava cúmplice da cidade que parecia criar um clima propício a esquecer a rotina que me esperava no Brasil. De fato, a noite de despedida e estes momentos aninhado no terraço do hostel custaram caro para o bolso de mochileiro controlado. “Tiene que pagar 30 pesos. Quedou-se acá nesta noche.” O dono do lugar, autoritário, econômico e pavio curto, tinha pensamento de proprietário de pensão, controlava o uso da internet, o horário de entrar e sair e me parece que nunca colocou meia dúzia de cuecas e um tênis na mala e foi conhecer o mundo. É argentino, portenho e vai morrer assim. Os 20 pesos, que nem é tanto assim para os bolsos tupiniquins na verdade me custaram tempo pois na primeira segunda feira do ano de qualquer lugar do mundo o caos está formado. Bancos sem funcionar, táxis lotados, engarrafamentos e as horas correndo. O sorvete de doce de leite ficou pra lá, os alfajores da família vieram, o passeio do rio tigre e a esticada em Uruguai também não aconteceram, a camisa da afilhada deu tempo de comprar. Tenho que confessar que detesto comprar presente. Fico com os pedidos vagando na minha lembrança e a corrente interminável de pidões me atrapalham os passos. Acho uma viagem algo tão pessoal que nunca fui capaz de pedir nada mas também não ignoro. Corri atrás de tudo que pude e por isso mesmo perdi o vôo. Caos no aeroporto, brasileiros fazendo escândalo, marcando sua presença e o check in terminando 40 minutos antes me dobraram ao meio. Precisava sair dali. Precisava voltar ao trabalho. Mas também queria voltar. Não queria deixar a minha hippie sozinha. Queria tomar sorvete de doce de leite. Queria qualquer coisa que não fosse ficar no meio do caminho que se chama aeroporto. Em protesto solitário joguei minhas coisas em um canto como retirante, me deitei e dormi feito vagabundo, abandonado, esperando a repreensão de alguma policial de preferência sexual distinta. Só acordei com frio e mosquito meia hora depois.
Sem álcool no sangue recuperei a lucidez e tracei meus planos para o dia seguinte. Os últimos 50 dólares que acalantariam a monotonia da volta no free shop se foram pagando uma pensão indicada pelo próprio balcão de recepção. A dona, de alegria intrépida e imensa doçura nas palavras e nas coisas, transformou o final da noite em uma confortável e refrescante noite.. Me buscou, me acordou, me levou e, mesmo sendo uma prestação mecânica que ela repete todos os dias, me cativou a ponto de querer ficar mais naquele fim de mundo ao lado do aeroporto. Tomei um banho demorado, gravei uma mensagem pra minha ex loira mas decidi não mostrar, busquei um filme pornô na tv a cabo e acabei adormecendo ao acompanhar a cobertura do funeral de um cantor famoso argentino.
Voltei cheio de turbulência na alma, preocupado, cansado, triste, confuso, com os pensamentos precisando de amaciante e secadora, de serem separados por cor, tamanho, novos e velhos, pensamentos para guardar em um armário novo de 2010 ainda tão cheio de espaço.
Ás 14h estava sentado na mesa do escritório, pronto para mais um dia de trabalho. Atrás de mim muita história, lembranças e uma mochila cheia de bandeirinhas que ainda não me largou.
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