segunda-feira, 21 de novembro de 2011

CAMPO GRANDE PRA MIM

Sou a sexta geração de uma família tipicamente campograndense. Moro nos arredores da igreja Nossa Senhora do Desterro, onde os primeiros habitantes dessa terra estranha fincaram suas facas. Estudei no colégio católico da região e fiz primeira comunhão. Trabalhei em um jornal local e, pela felicidade de ter um avô que foi diretor do teatro do bairro, também vivi – e vivo – seu cenário cultural. Este discurso emburrado e cheio de poeira não me traz nenhuma vantagem a não ser o direito de falar o que quiser de onde nasci.

Campo Grande é o quarto de empregada do Rio de Janeiro. É o bairro com maior expectativa de crescimento para a próxima década. Acrianos, alagoanos e mineiros repousam suas malas diariamente no único lugar que ainda tem espaço para sonhar no município. São eles que lotam os transportes públicos onde encontram uma outra família – pelo tanto tempo que convivem indo e vindo - dividindo intimidades até sem querer.
O bairro não está longe o suficiente para ser interior, nem perto o suficiente para ser Rio de Janeiro. Campo Grande está escondido atrás de um vulcão preguiçoso no final de uma reta decadente e monótona chamada avenida Brasil.

Longe de ser um paraíso natural, este terreno vasto e plano possui o que restou de sua mata ameaçada pelo tráfico e outra área natural tomada pela especulação imobiliária. Está entre dois bairros: Santa Cruz, que não tem nenhum talento para ser tornar mais desenvolvido e, mesmo tendo todas as oportunidades do mundo no passado, continua com sua mentalidade provinciana, e Bangu, onde o diabo se abana de calor.

Com tanta gente chegando, inchando os bairros periféricos, em um pulo se tornou curral eleitoral, afastando a utopia de uma emancipação. Cada rua asfaltada, mil votos. Cada parideira com seus quatro filhos no centro social, outros mil votos. Os cariocas de verdade apertam a vista e mal conseguem enxergar onde fica esta quina do Rio. O helicóptero de notícias não chega, pois teria que abastecer pra voltar e os repórteres quando pensam em vir cobrir uma matéria, demoram tanto para regressar a redação, que comprometem o fechamento do periódico. Com esta miopia da opinião pública, compor uma máfia que proteja os comerciantes dos bandidos e permitir que as crianças brinquem no portão com segurança, se tornou mais que um ótimo negócio: virou coisa de super-herói.

Com o desenvolvimento econômico das classes baixas e a expectativa que o município vive pelos jogos olímpicos, Campo Grande vive uma nova fase. Tem churrasco todo dia, combos de bebidas para quem quiser, mais carros financiados na rua e a única coisa de metrópole que já conquistamos de antemão foi um trânsito desumano.

Como dinheiro não compra consciência e poder não compra sabedoria, a mentalidade rasa conduzirá esta massa de milhões para o caminho inverso do desenvolvimento. Na verdade, estamos deixando de ser um bairro rural para se tornar subúrbio.

Assim como meus cantores vieram da lama e meus escritores vieram do caos, esfrego minha terra na mão, com a esperança de lhe tirar toda a crosta e entender o que tem de tão poderoso e invisível em seus domínios. Olho a luz branca da manhã nos montes que ainda se preservam verdes, vejo o padeiro em sua bicicleta vendendo de porta em porta e não saio um dia na rua sem cumprimentar uma dezena de vizinhos. São estas miudezas que me cativam e mesmo conhecendo mais de dez países diferentes, não encontro nada igual. Já são seis gerações da família e três décadas de vida. Cansei de querer um Campo Grande melhor para todos. Vou fazer um Campo Grande melhor só para mim.

4 comentários:

Isabella Veloso disse...

Nossa, faltam palavras ... você as extinguiu de mim. Belo e inteligente texto =D

Nanny Nascimento - A Sonhadora disse...

Campo Grande... Vasto de pessoas, caos e expectativas.
Já quis sair, quis ficar, agora, quanto mais o bairro se parece com "cidade grande", menos sei o que faço.

O que me consola é o céu estrelado, o cheiro de mato, o colorido das árvores, os pássaros, esquilos e sagüis brincando no meu terraço. O que me alegra? As pessoas.

p.s.: Estava com saudades.

Anônimo disse...

Amo Campo Grande,nasci aqui estudei me formei tive meus filhos e quero morrer aqui mesmo.

Marlene disse...

Há que saudade que me deu de Campo Grande quando li o que você escreveu na realidade quando li,. meus olhos p
passearam também