Tínhamos uma fita. Daquelas que enrolam no cabeçote e só a tampa da caneta é capaz de trazê-la de volta a bobina. Paralamas no lado A e B. Ouvíamos sem o encarte, mas repetíamos o que entendíamos e imaginávamos o resto. Incansáveis, sob a benção da amendoeira na Residência das Flores. Só a bonança do décimo terceiro salário vestido de papai noel me trouxe um aparelho de CD e uns trocados: agora eu poderia cantar todas as canções e ouvir sem gastar ou engasgar. Mas para minha surpresa não haviam letras no encarte pobrezinho. Só fotos coloridas, meia dúzia de novas composições e a ficha técnica. Sem alternativa, me limitei a decorar o que tinha e me abestava em discutir a ficha técnica, como se todos os músicos morassem, e de certa forma moravam, na minha casa.
Tantos verões se passaram e eu agora, de mão estendida e coração atrapalhado, olhava para sua careca branca, seu sorriso juvenil de Buda, sentado na cadeira de rodas não prostrado, mas sim flutuante, de alma elevada. Suas músicas, que tomam minha juventude emprestada para chegar com energia aos ouvidos de tantos outros, finalmente estão personificadas em um rosto, um sorriso, um timbre de voz e meia dúzia de perguntas cordiais e inesquecíveis que eram só para mim. Herbert Vianna apareceu assim, na esquina da empolgação com a minha satisfação pessoal de saber flutuar neste ambiente que vai além de croquetes e bebida de graça. João, seu tecladista me segurou com seus dedos de madeira nobre e me guiou feito escavadeira pelo caminho. Aqueles olhos escondidos no meio de sua barba nublada, preta, branca e cinza, tão pequenos feito leds, enxergam em mim algo que não sei o que é porém sou eternamente grato. Temos sintonia, nas viagens, no palco e no gosto pelo bar que escolhemos beber. Entramos no camarim ao lado onde eu, no intimo imaginava ganhar algum tipo de advertência, ou ser apresentado para algum técnico de som morador da região. Mas não. O compositor de tantas canções que arrebata os sentimentos estava ali, pronto para me conhecer. A diferença sutil deste encontro ou dos demais que o destino poderia me reservar por entre as ruas do Leblon ou em qualquer outra onde todo mundo se sente mais carioca, está nas vias que me guiaram até ali. Foi todo o esforço feito pela música pura, toda a batalha pela canção mais certa, pelo detalhe percebido, além de toda a honestidade oferecida a cada show. Foi tudo isso que me levou a conhecer Herbert Vianna. Contei a ele sobre o primeiro CD que comprei, da minha banda de final de semana, do meu gosto por ver um palco cheio de gente. Pude deseja-lo bom show, pude ouvi-lo dizer que deveria me divertir e como nos encontros mais apaixonados me fugiram todos os argumentos e questões interessantes.Não era uma oportunidade de trabalho. Era fã e ídolo. Aquele homem que a tragédia tentou partir ao meio, possui em torno de sua órbita anéis tão poderosos que desestabilizam até os mais insensíveis cidadãos, incluindo seguranças e empresários.
Nos minutos seguintes chegaram todos os outros do meu encarte. Mais velhinhos, alguns mais carecas, com sua prole e mil assessores, amigos e puxa sacos. Eu sentia uma intimidade solitária por cada um deles e tive que me conter para não puxar assunto sobre seus hobbies e manias. No bololô da empolgação alguns da minha banda furaram o bloqueio e se juntaram a mim. Percebi que não havia regredido quinze anos da minha vida sozinho. Os marmanjos que portam armas de fogo no ofício, arquearam suas sobrancelhas ao ver tantos ícones juntos. Puxaram máquinas, celulares, jogaram sorriso, encolheram os ombros e assistiram ao início de mais um show triunfal de trás pra frente, vendo a intimidade daqueles ídolos de sua época. Lá foram eles, entrando no palco um a um, cada qual com sua crença, com seu herói.
Fiquei ali no back stage, sem ninguém, agora sob a benção da Universidade Rural e seus prédios centenários. O contra-regra observava da rampa que dá acesso ao palco e certamente subjugou aquele cara despenteado e sanguessuga de famosos, que aproveitava seus últimos segundos de fama na área vip. Mal sabia ele que aquele era só um garoto, rebobinando sua felicidade, mais uma vez.
7 comentários:
É absolutamente incrível como ficar frente a frente com nossos ídolos no faz sem palavras, tímidos e embasbacados. Nosso pensamento vira um amontoado de palavras desencontradas. Sortudos aqueles que conseguem conhecer seus ídolos da adolecência. Quem escrevia oq gostávamos de ler, de cantar, de ouvir. Que conseguiam nos tirar de casa doentes, em dia de prova, véspera de vestibular...
Aqueles que conseguem na frente de um ídolo transformar o pensamento em palavras e liberá-las, a glória suprema rsrsrsrsrs E aos nossos ídolos, parabéns por serem merecedores do brilho dos nossos olhos.
Bj
Incrivelmente emocionante... ler "Os Heróis do meu Encarte" e me imaginei lá, viajei sem limites... e quando me dei conta uma lágrima escorria de meus olhos..pois senti o quanto isso foi importante, especial e unico... Voce Aru de uma beleza exótica, envolvente... e de alma linda e coração enorme com espaço suficiente para todos os seus sonhos, sdesejos e realizações... e claro um lugarzinho especial para nós admiradores da sua Arte! Que Você e a Banda Truque possam ter muitos momentos incriveis como esse...Sucesso e que os Espiritos de Luz guiem seus caminhos!!! Se cuida!!
Estava navegando pela web quando me deparei com o seu blog. Depois de algum tempo consegui ler o blog quase por completo. Surpreendi-me muito com os textos postados, achei a forma “poética” escrita muito interessante e curiosa. Espera encontrar algo bem diferente. Como é um blog público estou tendo a liberdade de escrever este comentário. Li por aqui que gente mal educada não tem espaço, mas esse não é bem o meu caso, porém sendo bem honesta fiquei com inveja “branca” de algumas coisas e no meu caso acho que estou sofrendo um pouco com dor de cotovelo. Gostaria muito de trocar comentários, figurinhas e impressões com este tio um tanto peculiar, mas realmente por celular acho que fica inviável. Será que não teria alguma outra forma de comunicação? Quem sabe um e-mail?
Um grande abraço.
Exatamente a mesma sensação que tive quando achei o blog. Titio Aru é interessantíssimo... Devorei tudo. Ver o Aruanã no palco e ler o Aruanã aqui é sempre uma surpresa deliciosa.
contato:
aruanabento@yahoo.com.br (msn)
fique a vontade.
:)
Onde estão as crônicas novas? Se cuida!!
que texto, aru! seremos sempre pequenos diante dos que consideramos gigantes. eles têm o tamanho do nosso coração. muito lindo mesmo!
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