segunda-feira, 25 de maio de 2009

O SOM QUE VEM DE LÁ

Na terra da laranja tu se espreme, se engarrafa o viaduto, ou quando chega a condução.
Bangu é quente pra caralho Santa Cruz é faroeste, Itaguaí eu nunca vi.
Esquina do pecado é uma beleza, alegria do bicheiro travesti e a igreja,
Prefiro ir pro bloco do Sereno, Água fresca, amendoeira, isso é samba de primeira.


Aqui todo dia chega gente, mas no fundo são parentes ou alguém que eu já vi
Festa do desterro tinha briga, santo Antônio tem garrote, procissão e pescaria
Na terra do vulcão é maravilha, a cachoeira e a trilha pra encontrar nova Iguaçu.
Domingo tem churrasco de alguém, mas se não tiver ninguém, todos tão no Grumari.


Uma hora pra chegar até o centro, de frescão é muito bom se não for final do mês
Quem vai ficar na pista leva o skate, half pipe, free style, o D2 já viu qual é
Calçadão e a bandinha massa, de pastel, caldo de cana, to porta do São Brás
Padeiro, pipoqueiro, troco pinto pelo ouro mas o carro da pamonha resolveu parar.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

DOMINGO NO SHOPPING

Comprei uma calça azul em Lisboa mas até hoje não sei se gosto dela. Quando recebo um elogio, acho que sim. Quando sou contrariado, acho que não. Mesmo assim fui com ela ao shopping porque havia beijado na boca e estava feliz. Shopping é um lugar muito triste, especialmente aos domingos onde casais sem esperança andam feito elefantes velhos com suas trombas enlaçadas, rumo a qualquer lugar. Reparei nos olhos daqueles moços a cuidar das crias e das suas mulheres gordas que ainda tentam voltar a forma anterior à gravidez. Passeiam arrastando os chinelos, vendo aquilo que não podem ter e construindo sonhos de consumo tão frágeis quanto a promessa de um casamento eterno. Uma das gordas fitou minha calça azul e presumo que tenha, por pura falta de assunto com seu velho diabo, dito algo sobre ela. Fingi que não vi.

Fui a procura do que pudesse preencher as horas vazias do final de semana. A grande pausa modorrenta causada por uma tarde sem jogo do flamengo, nem praia, nem alguém do meu lado despertando sem pressa. Um livro seria bom, ou filme também. Mas o telefone novo tocou no bolso e a moça da flor no cabelo me ligava. Mas não estava feliz comigo. Sob a desculpa qualquer de uma informação que eu teria, vieram cobranças de sentimentos nobres que não tinha para dar. Ela não brigou mas fez pior: baixou a voz e soltou palavras sem valor, numa evidente decepção àquilo que imaginava sobre mim. Não tinha o que dizer nem queria mentir e a menina que prendi uma flor vermelha nos cabelos há tempos atrás se foi no fechar do celular, como numa piscada lenta de criança de castigo.
Havia acabado de perder o que nem cheguei a ter.

Não me lembro se disse que odeio minha calça azul, especialmente quando ela chama atenção para mim quando não quero ser visto. Me senti tão amarrotado e patético que preferi sentar e tomar um chopp, escondido entre colunas da escada rolante. Do meu lado, um daqueles casais, trocavam ofensas e cumplicidade numa profusão delirante. Ele perguntou quem era Mario e tentou arrancar o celular da mão dela. Ela explicou que era do trabalho. Ele perguntou se era melhor que ele na cama. Ela debochou e respondeu que sim. Ele queria mais que sim, queria elogio, queria um pingo de segurança naquele enorme deserto de areia movediça que se tornou sua relação. Bebiam, se ofendiam e me irritavam com seu diálogo de teatro de marionete. Abri minha bolsa de mão e comecei a rever os tickets que trouxe da Europa, tentando encontrar algo novo que prolongasse ainda mais minhas lembranças de momentos recém passados. Encontrei o telefone da portuguesa de bunda grande que dormia na cama de cima em Roma. Encontrei outro que não me lembro de quem era e por último encontrei o dela. A Alemã que se foi em Florença por não gostar de gostar. Me deixou com um beijo sem gosto e um adeus aliviado. Definitivamente não era isto que eu queria neste domingo á tarde. A conta, por favor.

- “Qualquer livro do Pedro Juan Gutierrez”. “Não minha filha, Juan não é com R”. “Antônio Lobo Antunes, tem?”, “Esquece, muito obrigado”. Odeio quando lembro que meu bairro é feito sob medida para gente ignorante. Filme?Só dublado. Livraria?Só uma, e olhe lá. Em contrapartida, torre de chopp e churrasco a quilo tem para todo lado. Mas bem feito pra mim. Quem mandou ir ao shopping?Quem mandou atender o telefone quando não tinha nada a dizer?Quem mandou não cativar alguém para te fazer companhia nos momentos mais sem graças da vida? Os corredores me espremiam com suas vitrines e não tive dúvidas. Disparei com meu carro velho, furando engarrafamento, controlando seu desalinho que sempre o empurra para o lado direito, rumo a qualquer lugar. Praguejava a minha total falta de sorte e só silenciei quando subi o viaduto e vi o céu sorrindo,simples e encantador, misturando as nuvens coalhadas, os montes verdes da Pedra do Rui e os raios de sol, avermelhados no horizonte. Diminui a marcha, a pulsação, a culpa, a vontade de acertar e, aos poucos, fui me encontrando dentro de mim, rindo das urgências que eu mesmo criei. O domingo terminou sossegado, sentado no portão com a minha bonita calça azul.

terça-feira, 5 de maio de 2009

REABILITAÇÃO EM RETALHOS

Às vezes acho que percebo demais.
As pessoas cortaram seus cabelos de um jeito diferente e vão agora para uma boate diferente. As ruas estão vazias novamente na segunda mas já me disseram que quarta tem lugar novo para beber. Tentei beber mais e a manhã veio sem consegui. Também não consegui cantar uma música que queria e fiquei rouco no segundo dia. Meu time ganhou e pelo menos este era o mesmo que eu torcia, apesar de ter um atacante novo no gramado. Os amigos estão aparecendo aos poucos. Uns aparecem para saber como foi a viagem, outros só aparecem para contar o que andaram fazendo. Tento fazer um vídeo com as fotos da Europa mas paro para lembrar de como foi e esqueço o vídeo. Amanhã eu faço. Tento organizar os papéis e dar cabo dos vestígios da viagem mas paro para lembrar de como foi e esqueço a organização. Amanhã eu faço. Tento definir uma nova meta para 2010 mas paro para lembrar de como está sendo o ano e esqueço das metas. Amanhã eu faço.

Cantar e transar são dois prazeres que sinto falta. Mas também sinto medo de não saber fazer tão bem quanto imaginava fazer. Estou inseguro comigo mas também satisfeito pelo meu feito. Gozo com a minha própria consciência e durmo em paz. “É muita doideira”; “é muita coragem”; é muito dinheiro”. Ouvi de tudo sobre mochilão. Disse o mesmo sobre gravidez e carro zero. Cada um tem o que merece. Em compensação, se tudo anda solto de um lado, de outro engata-se. Vou trabalhar todos os dias, acordando cedo e me aborrecendo com a rotina imbecil que preciso seguir. Sou o primeiro a chegar e o último a sair. Tenho um mês para a empresa não fechar no vermelho e assim garantir meu emprego que imaginava ser meu. Precisamos de três títulos?Faço treze.

Domingo senti cheiro de bosta e mato. Fui na festa de São Jorge e vi muitos cavalos. Em sua maioria, magros e tristes. Queria comer carne de sol e aipim mas vendo o cavalo magro, desisti. Já bastam as conchas de feijão, os bifes com gordura e a coxinha que repeti sem critério esta semana. Fui surpreendido também por pessoas que não conheço mas que falaram, com olhos atentos, sobre minhas manias loucas enquanto enfrento o público com o microfone na mão. Aliás, conhecer pessoas é algo que tenho feito, não sei se pelo puro vício ou para recuperar o tempo perdido. Lá fora, a cada foto tirada ou cama escolhida, uma pessoa com histórias pra contar aparecia na cabeceira. O iraniano que não explode, a argentina que procura sua família com a foto na mão ou a alemã que se esconde do amor que nunca teve. Todos os dias gente nova, sorrisos inéditos, pedidos inusitados, gente cheia de hipocrisias, de dúvidas, de metas, mentiras e lembranças. Gente como eu. O final de semana foi e deixou uma superlotação na minha memória.

Comprei um presente pra minha mãe que está perdendo a cor e a história. Ela não apareceu para pegar, nem eu fui levar. Comprei outro para minha afilhada, ela não conseguiu montar. Comprei também uma flor para o cabelo da menina que me deu uma foto antes de ir. Pra mim, poucas novidades na mala. Bom mesmo é poder usar roupa velha que ficou nova agora e não as mesmas camisas e calças que esgotaram sua criatividade em combinações. Melhor ainda é me despir da vida que passou e ficar peladão esperando o que ainda virá.