sexta-feira, 14 de março de 2008

PARAÍSO DE MIM

Tenho dias de rocha. Geralmente estes são motivados por notícias boas, expectativas ou conclusões pessoais. Mas também tenho dias de areia. Nestes me fragmento em mil e me dissolvo em ausências, discordâncias e saudades. Nos dias de rocha, sou pedregulho rolando ribanceira abaixo, não tenho dúvida nem medo. Aproveito a paisagem que passa na janela, sou o durante, não o antes, muito menos o depois. Nos dias de areia, não tenho rumo próprio, dependo do vento que me orienta e torço para encontrar a quina, o cantinho, onde a sujeira se acumula e o momento dá um tempo para eu ser feliz. Posso dizer que sublimes são os encontros onde alguém une seus dedos mágicos e, fazendo um punhado de mim, me faz sentir gigante. “Afinal basta cair um grãozinho no olho, que já era.” diz ela, se divertindo. Porém não há dúvida da decepção que rege os encontros destruidores de castelos, com suas ondas de egoísmo e insensibilidade, arrastando canais e trincheiras de alga e conchinhas do mar. Não julgue. Taque a primeira pedra quem nunca foi areia, grãozinho qualquer que amanhece encolhido no cantinho do dedão, torcendo para não ser espanado. Varra a primeira areia quem nunca foi rocha, dando cabeçada no vazio, vendo a lágrima cair sem se mexer. Grande ou pequeno, volúvel ou inflexível, estes são os paradoxos do paraíso de mim.

Nesta praia que me tornei sobram espaços para ver o pôr do sol e os cocos saltam
desanimados no chão. No entanto, com a soberba dos grandes resorts, insisto em limitar seu acesso, insistindo na segurança de ter dias completamente iguais. Às vezes, quando o frio bate, cato com um rastejar de lagarto as últimas pegadas que deixam sua identidade displicentemente, sem imaginar o quanto tatuadas elas ficaram na minha memória.
Elas são esquecidas apenas quando os vaga-lumes invadem minhas terras. Sou apaixonado por eles. Lindos, matreiros e egocêntricos, que ofuscam as estrelas e me acordam de uma letargia infinita. São como as fadas que tocam minha esperança com suas mãos leves e me fazem acreditar em coisas mágicas, inimagináveis. Espero aqui sentado, o dia que me crescerão asas e aprenderei com eles o quanto de amor próprio é necessário para se fazer acender por completo. Por enquanto aproveito sua breve presença, fazendo troça do meu amor, fazendo me segui-los por horas até o momento que cansam e desaparecem na escuridão.

Um dia, esta porção de terra, perdida no meio de tanto mar, já foi agarrada a outra porção, que por sua vez se agarrava a tantas outras que me davam um título de cidade ou país. Hoje bate um medo quando vejo as luzes da cidade no horizonte, se afastando de vento em popa e sempre me pergunto se não são mais felizes aqueles que se deixam habitar por qualquer trocado, colando cartazes de propaganda na porta do coração, acabando por criar uma superlotação sentimental. Acho que não. Afinal, ninguém paga pelo silêncio das manhãs sem culpa, da liberdade de ir, vir e ser. Quando esta nau em forma de ilha se encontrar com sua alma gêmea não pegará emprestado suas belezas naturais e sim as multiplicará, afinal, amor próprio é olhar para dentro de si e admirar sua própria paisagem.

4 comentários:

Vic Lutterbach disse...

Vai no meu, vai no meu!

=)

Inaugurei com aquele textinho que te mandei... Só resta saber se eu vou ter paciência de atualizar periodicamente.

***

A propósito, belo texto! Como sempre.

Vic Lutterbach disse...

Esqueci de botar o link...

http://semeuchewbaccafalasse.blogspot.com/

Rafa, O Foca disse...

Gostei do texto.

Juliana Viana disse...

Eu queria ser tão perfeita com as palavras como você.
Eu serei feliz sendo uma aruanã.
Mas eu nem sei o que sou então como poderia me parecer com você.
Te amulo amigo.
Ju