quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

PALAVRAS

crônica publicada no site do CCRJ em 2003. última do ano. Agradeço aos meus amigos que acompanharam o primeiro ano deste blog, os desejo um 2008 bem bacana e espero contar com todos ano que vem. Volto em janeiro!bjs

Estavam os papéis na mesa. Tinham gráficos em disco, barra e coluna ao lado de números cheios de zero e sublinhados de bic. Era o fim de uma agência que tinha dado tantas pequenas alegrias aos seus funcionários. Não eram grandes contas mas sempre pintavam tijolinhos camaradas nos classificados e até um short-list na Semana Internacional de Koala Lampur. Sugeriu-se de tudo – até trabalho voluntário – mas a dona estava decidida a guardar os estiletes e réguas e começar nova vida em outro lugar. Propaganda é isso aí.
Na segunda estariam todos com a pastinha na mão novamente, esbarrando com colegas nas salas de espera, puxando sardinha do amigo que acabou de virar sênior. O problema é que as salas estavam cada vez mais cheias de garotos com gel no cabelo, de brincos e tatuagens, donos de uma autoconfiança intimadora. Ao ligar para os amigos, o velho redator viu que, apesar da crise, cada um se virou como pôde. Atendimento como recepcionista, RTV em festa de 15 anos, diretor de arte fazendo silk-screen, todos com o mesmo discurso “Pelo menos estou trabalhando na área”. Mas ele não estava preocupado com isso e sim para onde iria. Quem quer um redator velho?
Foram 40 anos criando rimas, trocadilhos e joguinhos que agora não servem para nada. Escrever livros não era sua pretensão, ser copy-desk também não, ser digitador muito menos. Aparentemente nada o daria força o suficiente para levantar da cama de manhã e achar que o dia vale a pena.
Para quem passou a vida lidando com problemas insolúveis era constrangedor não resolver o seu. Pensou, pensou, queimou a mufa e o um dia, tomando uma média, surgiu o insight. Pendurou seu gancho coberto de papeizinhos no corrimão do ônibus e deu início ao novo desafio: venderia as palavras. Dentro da sua estratégia, as categorizou como especiais – aquelas que nunca lembramos quando precisamos – e usuais – aquela que não esquecemos até sem querer lembrar. Cada pacote tinha cinco palavras que poderiam ser sortidas ou agrupadas pelo assunto. Por exemplo, a categoria Escritório continha: “Atenciosamente”, “primeiro momento”, “aguarde um minuto” e “estarei verificando”. Já a categoria Amante: “segunda a sexta”, “motel”, “você é muito melhor que ela”.
Mesmo com a idéia original passou o mês sem vender uma palavrinha sequer até que descobriu que era preciso experimentar pois as palavras também têm sabor e só quanto saem da boca temos noção do quanto são gostosas. Deu ao motorista o “pusilânime” para ser usado com os barbeiros no trânsito e ao trocador deu “o cash”, produto importado para renovar seu vocabulário sobre moedas e notas. Entre os passageiros distribuiu “cordialidade”, “compaixão” e “perseverança”. A princípio alguns se negavam a receber mas ele andava com a “insistência” no bolso e foi assim que conseguiu progredir. Vendia “pa-pai” e “ma-mãe” nas creches, faturando uma nota com os bebês além das encomendas de “vai”, “assim”,” rápido” e “tô gozando” que as prostitutas faziam. Seu faturamento estava indo tão bem que doou “dignidade” aos mendigos e “fiiu-fiiuu” a mulher feia. “Esperança”, “amor”, saúde” e “paz” por mais que fossem fáceis de encontrar sempre tinha alguém precisando... Topou o desafio e melhorou a qualidade do produto. Produziu “pôr-do-sol” para os que não enxergavam e “folhas no vento” para os que não ouviam e se viu multinacional quando um inglês encomendou “o calor das praias e das mulatas cariocas” via sedex. Logo descobriu a concorrência e se apaixonou por ela. Fizeram uma sociedade com seus corações e completaram suas reticências. Ela vendia verbos, artigos e preposições, ele palavras. Surgiram no mercado “olhos brilhando”. “fascinado por ti”, “nunca te esquecerei” e outras tão meladas que só podiam ser vendidas se embaladas em papel filme.
Esse ano o casal promete estar em Copacabana, vendendo “adeus ano-velho, feliz ano-novo”, “esse ano vou parar de fumar” e “meu regime começa na segunda”, mas de antemão deixou a quem interessar uma cortesia para 2004:

“Sucesso”, “sucesso”, “sucesso”, “sucesso”, “sucesso”, “sucesso”, “sucesso”, “sucesso”,
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2 comentários:

Unknown disse...

palavras nem sempre são só palavras... bjs, sucesso...sucesso...sucesso...

Anônimo disse...

Como sempre fantástico!
Parabéns!
Beijooo!
=P