quinta-feira, 22 de novembro de 2007

ALMA DE SUNGA

Péssima idéia não ter bebido nada antes de começar. Agora estou aqui, fugindo dos olhos que me fuzilam, me cobram a responsabilidade de estar à frente destes cavaleiros que esperam a ordem para atacar. O tempo que demoram para afinar suas armas é interminável, irritante e preciso conter a ansiedade afinal, hoje, como todos os dias, enfrento o mundo com a voz e uma pandeirola na mão.

O silêncio que antecede nossa primeira música parece alagar o espaço, umedecendo as costas e as mãos, e, assim como na infância, fecho os olhos e fico de costas para este mar, aguardando o golpe misericordioso da onda fresca e sonora que irá me jogar sem rumo na direção do público que assiste. Tec.Tec.Tec. É o som que mais gosto de ouvir ultimamente. Quando lá detrás Xande dá a ordem para começar, estalando suas baquetas, meu coração se precipita, entra no ritmo, dando a pista de como meu organismo deve funcionar pelas próximas horas. Penso “agora fudeu”.

Canto as primeiras palavras no microfone, repetindo mecanicamente as sílabas para, na intimidade, experimentar o próprio som da minha voz pela primeira vez na noite, repetida e potencializada, e me sinto como uma criança recém-nascida assustada ao ouvir seu próprio choro cheio de fôlego. Neste momento que aguardo a chegada daquele sujeito que fuma, com o rosto escondido na sombra do chapéu, que me chamará a sua mesa e dirá em alto e bom som para todos que sou uma farsa e minhas habilidades vocais se limitam a variações nasais de pato no cio. Só assim sairia das costas esta responsabilidade, mais pesada que a caixa de retorno e de voz, que carregamos entre resmungos e acusações de comodismo a cada show. Enquanto o homem não vem, sinalizo em gesto de jogador de futebol americano, por trás do corpo, longe dos olhares curiosos, meu descontentamento com a regulagem do reverbe, do delay, do ganho, ou de qualquer outra coisa que um dia destes aprendi o nome.

A neurastemia continua, e se mexe um botão de um lado, se vira a caixa de outro, no incômodo de pacientes na sala de espera, que dura até as primeiras palmas. A partir delas me vendo barato ao público, que oferece sorrisos a este stripper que precisa despir toda sua timidez sob luzes e lentes deixando a alma exposta, de sunga.

Nem nos dias adolescentes de verão que abdiquei de amigas cheias de espinha e tesão para ficar trancado com o violão e algumas folhas cifradas no quarto, cheguei a sonhar em ser vocalista de uma banda, no entanto, hoje acho difícil viver sem ela. Sinto saudade destes cinco estranhos que invadem minha varanda para guardar os instrumentos, que me tiram do colo perfumado de uma mulher tatuada para encarar ensaios domingueiros numa casa que o teto cospe poeira avisando que está prestes a cair. Possivelmente se não tivéssemos tal compromisso entraríamos todos em algum elevador da vida e nem lembraríamos da gentileza de desejar um bom-dia na saída, tamanha é a nossa diferença de personalidade, porém, o único fio de lã que nos conduz ao mesmo objetivo transforma bárbaros de instrumento na mão em lordes corteses que esperam a entrada de um solo, a virada de uma bateria.

Estamos perto do fim do set e me sinto levemente embriagado com o coquetel de holofotes e acordes. O público, sempre impassível antes das primeiras garrafas de cerveja, teve mesmo tardia, uma reação espontânea e animada. Depois de tantas brigas, de tanta disputa entre MPB, rock dos anos 80 e a pauleira hard core, entendi, mais uma vez que diversidade enriquece e a unanimidade emburrece. Fizemos um som digno, criativo, particular, e respondemos a expectativa de uma estréia que faz o estômago roncar de vontade. Agradeço, apresento a todos, digo o meu nome rapidamente e os deixo finalmente se deliciar com as harmonias antes de devolver o silêncio que pegamos emprestado no início da noite. Mas ainda de costas ouço seus cochichos e uma nova canção começa. Sem uma palavra a banda diz “Aru não pára não”.

3 comentários:

Anônimo disse...

Experimente ser um corpe de tanga. =D

A propósito, você anda tomando anfetaminas? Hahahahaha

Beijo, amei o texto.

Anônimo disse...

*Corpo

Diez disse...

Quero ouvir essa banda cara!! Abração!