quinta-feira, 29 de novembro de 2007

DIAS CASUAIS

Encontro não marcado também pode acontecer
Janela do destino que se abre com o vento dos temporais.
Foi bom te conhecer.

Ligações de madrugada nem sempre são tão más
Se tiverem acompanhadas por saudade disfarçada de preocupação.
Vamos dormir em paz.

Reconto minhas histórias, troco palavras de lugar
Ponho aspas nas mentiras pra não te ferir, só pra te poupar.
Meu passado é de ninguém.

Que os dias que nos restam sejam sempre casuais
de carinhos mais sinceros, momentos divertidos e conquistas pontuais.
Isso sim é amor...

Sentir. É mais que uma aposta.
Não é dizer só que gosta.
Sentir, é outra parada.
É saber que para ser feliz é preciso ter você e mais nada.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

ALMA DE SUNGA

Péssima idéia não ter bebido nada antes de começar. Agora estou aqui, fugindo dos olhos que me fuzilam, me cobram a responsabilidade de estar à frente destes cavaleiros que esperam a ordem para atacar. O tempo que demoram para afinar suas armas é interminável, irritante e preciso conter a ansiedade afinal, hoje, como todos os dias, enfrento o mundo com a voz e uma pandeirola na mão.

O silêncio que antecede nossa primeira música parece alagar o espaço, umedecendo as costas e as mãos, e, assim como na infância, fecho os olhos e fico de costas para este mar, aguardando o golpe misericordioso da onda fresca e sonora que irá me jogar sem rumo na direção do público que assiste. Tec.Tec.Tec. É o som que mais gosto de ouvir ultimamente. Quando lá detrás Xande dá a ordem para começar, estalando suas baquetas, meu coração se precipita, entra no ritmo, dando a pista de como meu organismo deve funcionar pelas próximas horas. Penso “agora fudeu”.

Canto as primeiras palavras no microfone, repetindo mecanicamente as sílabas para, na intimidade, experimentar o próprio som da minha voz pela primeira vez na noite, repetida e potencializada, e me sinto como uma criança recém-nascida assustada ao ouvir seu próprio choro cheio de fôlego. Neste momento que aguardo a chegada daquele sujeito que fuma, com o rosto escondido na sombra do chapéu, que me chamará a sua mesa e dirá em alto e bom som para todos que sou uma farsa e minhas habilidades vocais se limitam a variações nasais de pato no cio. Só assim sairia das costas esta responsabilidade, mais pesada que a caixa de retorno e de voz, que carregamos entre resmungos e acusações de comodismo a cada show. Enquanto o homem não vem, sinalizo em gesto de jogador de futebol americano, por trás do corpo, longe dos olhares curiosos, meu descontentamento com a regulagem do reverbe, do delay, do ganho, ou de qualquer outra coisa que um dia destes aprendi o nome.

A neurastemia continua, e se mexe um botão de um lado, se vira a caixa de outro, no incômodo de pacientes na sala de espera, que dura até as primeiras palmas. A partir delas me vendo barato ao público, que oferece sorrisos a este stripper que precisa despir toda sua timidez sob luzes e lentes deixando a alma exposta, de sunga.

Nem nos dias adolescentes de verão que abdiquei de amigas cheias de espinha e tesão para ficar trancado com o violão e algumas folhas cifradas no quarto, cheguei a sonhar em ser vocalista de uma banda, no entanto, hoje acho difícil viver sem ela. Sinto saudade destes cinco estranhos que invadem minha varanda para guardar os instrumentos, que me tiram do colo perfumado de uma mulher tatuada para encarar ensaios domingueiros numa casa que o teto cospe poeira avisando que está prestes a cair. Possivelmente se não tivéssemos tal compromisso entraríamos todos em algum elevador da vida e nem lembraríamos da gentileza de desejar um bom-dia na saída, tamanha é a nossa diferença de personalidade, porém, o único fio de lã que nos conduz ao mesmo objetivo transforma bárbaros de instrumento na mão em lordes corteses que esperam a entrada de um solo, a virada de uma bateria.

Estamos perto do fim do set e me sinto levemente embriagado com o coquetel de holofotes e acordes. O público, sempre impassível antes das primeiras garrafas de cerveja, teve mesmo tardia, uma reação espontânea e animada. Depois de tantas brigas, de tanta disputa entre MPB, rock dos anos 80 e a pauleira hard core, entendi, mais uma vez que diversidade enriquece e a unanimidade emburrece. Fizemos um som digno, criativo, particular, e respondemos a expectativa de uma estréia que faz o estômago roncar de vontade. Agradeço, apresento a todos, digo o meu nome rapidamente e os deixo finalmente se deliciar com as harmonias antes de devolver o silêncio que pegamos emprestado no início da noite. Mas ainda de costas ouço seus cochichos e uma nova canção começa. Sem uma palavra a banda diz “Aru não pára não”.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

CAIXINHA DE SURPRESAS

Por Héllen Dutra


Sábado à noite, iluminado pelo pratear da lua cheia no céu, convidativo ao prazer. Dá aquela vontade de sair, tomar um chopp, reunir os amigos, dançar a noite inteira, fazer qualquer coisa que permita sentir o pulsar da vida. Com o controle remoto, rodeio canal a canal da tv aberta, da tv fechada, a diferença é nenhuma, em todos eles a programação é a mesma. Passo por filmes que parecem bons, apesar de estarem sempre pela metade, novelas que não se acompanham durante a semana, mas que é possível compreender a trama assistindo a um único capítulo, e programas trash, do tipo mais Silvio Santos, impossível. É, parece que será mais um sábado perdido. Eis que acende o celular e faz aquele barulhinho delicioso. (Só quem já perdeu sábados inteiros compartilha do prazer deste momento) Oba! É convite, alguém lembrou de mim e antes mesmo de atender eu já vou correndo trocar de roupa, passar a maquiagem, encontrar a chave do carro, contabilizar a micharia que me resta para diversão... ao abrir o aparelho, a constatação de que se trata de uma mensagem e não de uma ligação, anuncia um possível desapontamento, que não demora para que se comprove. Vamos à praia amanhã? Bj Jane. Maneiro, vamos sim, mas e hoje, não vamos fazer nada? Escrevo imediatamente. A resposta demora a chegar. Ficar olhando aquele aparelhinho mudo, esperando o bendito sinal da resposta, enlouquece qualquer pessoa. Amiga, hoje tenho uma festa de família, não vai dar, mas amanhã tá de pé?
Existe alguma coisa mais terrível do que o quase? Acontecer ou não acontecer, tudo bem, mas quase acontecer é terrível, deixa um travo de decepção amargando na boca e na alma. Aproveito a caixa de entrada em aberto e apertando a tecla do celular, começo a reler as mensagens antigas.“Compra sim, depois te dou o dinheiro”; “Tá em casa? Não consigo te ligar”; “Saudades”, “Vamos sim... quando chegar, te ligo”. “Ontem foi d+, precisamos repetir em breve...” É impressionante como cada mensagem traz, com uma força quase que violenta, momentos cotidianos que por vezes até nos esquecemos de que existiram. Como por exemplo, aquele show do monobloco que, aliás, foi divertidíssimo e movimentou celulares por pelos menos três dias consecutivos: o anterior, prefigurando a organização e a compra dos ingressos – “vamos quebrar tudo no monobloco?”, “eu compro, depois tu me dá”, “te pego às 23 h.”; o dia propriamente dito, – “Caralho, ta aonde? To cansado de te esperar”, “To passando na tua rua” –; e o depois – “Agüentou ir pra pós?”
Pois é, eu não tinha me dado conta de como este aparelhinho podia guardar em sua memória eletrônica tanta história de vida: a frieza da tecnologia a serviço das calorosas relações de amizade e de amor. (O que o filósofo da pós-modernidade, Bauman, acharia disso?) Os torpedos se alicerçam num pacto cúmplice onde a presença e a ausência da palavra é fundamental, pois no espaço intervalar entre o que está escrito e a lacuna que se cria no silêncio das intenções que só os correspondentes entendem, existe um imenso universo de sensações individuais, que ficam no escrito e no que ficou por dizer. Basta ler “pegar o 260 e soltar na C&A.”, para lembrar daquele domingo chuvoso no Méier com a Janaína que foi engraçadíssimo; ou ainda ler “põe o vinho pra gelar!”, (seguindo de uma carinha de animação) para lembrar do coração apertado, ansioso pra contar um segredo para o Ralph. E apenas um “saiu”, vago e reticente, enviado pela amiga no meio do expediente, é capaz de te fazer dar saltos de alegria. Poxa! É aquela promoção que ela tanto esperava... saiu... e ela quis dividir este momento único comigo. Me impressiono com o quanto de intimidade estes pequenos escritos escondem.
Fico a pensar em como os amigos se entendem perfeitamente, em como as palavras são insuficientes para expressar momentos, em como o vazio é significativo, em como é bom ter vivido problemas, pois eles nos dão a possibilidade de receber verdadeiras declarações de amor em ônibus, na sala de aula, no mercado, em qualquer lugar, que se tenha um celular com créditos. Ler um “to do seu lado, te ajudo a vender bala no trem”, enviado pelo Aru, no momento de desespero em que se jogou o mestrado pro alto, acalma o coração; assim como ler um “vamos pra Lapa hoje?”, anima a noite porvir; ou ainda um simples “eu te amo”, da irmã que acaba de compartilhar com você a comprar de seu primeiro carro, pode te fazer disfarçar as lágrimas em pleno calçadão de Madureira. E ainda quantas lembranças amorosas guardam o verbo “cheguei”, enviado de madrugada para o amante? Como um mosaico, a caixinha de entrada do celular é capaz de contar o mais essencial da vida de cada um de nós, guardada nesta memória que ninguém duvida que seja quase humana.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

BICUDOS QUE SE BEIJAM

Quando ele disse que não tinham nada a ver, ela chorou porque sabia disso. O signo, os gostos, os valores, com o tempo tudo foi ficando diferente. A única coisa em que combinavam naquela terça-feira de carnaval, era a fantasia de cupido com asas, túnicas e flechas, que ela até desejou que fossem verdadeiras, para que o atingisse sumindo na multidão. Mas era tarde demais para agir, e lá foi ele abraçado à amigos e garrafas. Presa fácil para a diaba que cobrava pedágio de quem passasse. Deu um beijo sarrado nela, que saiu consertando o batom e recontando o vigésimo do dia. Ainda zonza, esbarrou no garçom negão estreante no carnaval depois de anos de celibato. Faziam poucos dias que havia abandonado a vida de seminarista, o que não tirou sua habilidade de tê-las de bandeja. Na verdade, quando encarou o desejo de chifre e rabo, nem teve tempo para se benzer, gostou tanto que ainda terminando a bitoca já avistou a segunda freguesa. Não tardou para ir atrás da enfermeira de shortinho que passeava com suas amigas. A estrutura frágil, de menina rica e protegida, pôde sentir pela primeira vez o tal sangue quente dos negros. Sua brancura imaculada foi explorada como nunca, e o sexo se tornou questão de tempo - mas não com ele. Girou entre os blocos, escolheu o mais bonito dos índios que desfilavam na rua principal e, os últimos minutos da virgindade ficaram na sua cabeça por muito tempo, assim como os grãos de areia embolados entre os cabelos. Não estranhou quando o índio galã saiu para mijar e não voltou pois sabia que ele procuraria outras com mais experiência. Na verdade, sexo fazia parte da sua rotina de gigolô e, aquele dia era o único que não cobrava. O ritmo de trabalho viciou o homem e, mesmo somando carícias, beijos e chupões ainda faltava caçar alguém. O índio a achou quando foi comprar cachaça no quiosque, bêbada, atrás do balcão. A galega, mulher do português, afogava sua frustração de estar trabalhando enquanto o marido se perdia por aí e nem percebeu que era uma desculpa, daquele Deus Tupã, a reclamação sobre a porta do banheiro. Foi empurrada para dentro, derrubando o cesto de papel higiênico e sua postura de mulher casada. Deixou ser explorada até o ponto certo que garantiria a volta dele por muitas vezes. Enquanto isso, foi saciando seus pequenos desejos e, ali mesmo, dez minutos depois, na frente dos clientes, a lusitana agarrou o cabeludo vestido de Tarzan e, com direito a pegadinha no cipó e tudo, o descartou em seguida. Mal sabia o quanto era carente aquele homem, retirado em casa quase todo o ano, vivendo sem qualquer vício urbano, aliás tinha apenas um, o Flamengo era sua maior alegria, tanto que havia andado atrás das jogadoras ninfetas por toda noite. A única a lhe dar bola era a baixinha botafoguense que o surpreendeu na primeira oportunidade, com delicadeza e inteligência. Logo, o escudo rubro negro tatuado no seu peito, beijou a estrela solitária do uniforme, quando se abraçaram pela primeira vez. Namoraram anos, se casaram e o Tarzan Flamenguista, até hoje não sabe que nos únicos segundos em que esteve distante do amor da sua vida para comprar cachorro quente, alguém lhe roubou um beijo, alguém com três vezes mais altura e nem a metade da sua paixão. Um Sujeito magricelo, que combinava com a fantasia de morte, tinha dedos de juntas grossas e carinhos rápidos que deixaram a menina imóvel. Sumiu pela sombra do trio elétrico todo bobo, pois nunca, nos seus 15 anos, havia beijado alguém. A cara maquiada ajudou a disfarçar o excesso de espinha, preencher a falta de barba e esconder seus olhos curiosos e infantis. Mesmo tomando bronca da mãe por ultrapassar o horário marcado, tinha prometido pra ele mesmo que tudo seria diferente do ano passado, quando era muitos centímetros menor. Tomou o caminho de casa pensativo, contando pra si as aventuras e só foi interrompido pelo próprio coração, ao ver os olhinhos molhados de um anjo. Com palavras sinceras a acolheu e recebeu um beijo lento e sôfrego de recompensa. Se distanciou encantado pelo momento, enxotado por ela que queria ficar só. Por mais que tentasse esconder, ainda era uma mulher apaixonada e, só ele a faria feliz, com suas asas desencaixadas e auréola de arame. Enquanto beijava a morte, pensou nele, e jurou ter sentido o gosto da sua boca. Tarde demais para lembranças, já tinha se convencido que a diferença era grande e que os opostos nunca se atraem.