Quando comprei finalmente meu smartphone, o aparelho já era
mais febre que pochete nos anos 80. Jogadores de futebol, sertanejos e modelos
faziam suas selfies no próprio ambiente de trabalho. No mesmo mês fui acometido
por uma crise de ansiedade e não demorei para ver que existia relação íntima
entre as duas coisas.
Este aparelho mágico e fascinante que temos em mãos tem uma
função que vem sendo usada sem controle. Ele foi responsável por terceirizar
nossa carência. Antes de existir um celular tão esperto já depositávamos nossas
inseguranças e ansiedades nos animais de estimação, na malhação da academia, na compulsão por sexo
ou seja lá o que for. Mas por que tanto trabalho se através de uma rede social
podemos unir tudo isso? Os nerds, aqueles garotos estranhos que tinham problema
de relacionamento na escola e se escondiam em alguma atividade onde se sentiam
seguros são atualmente nossos modelos de comportamento. Temos agora uma
caixinha onde despejamos toda a fúria por não sermos tão amados e idolatrados.
Assim, podemos sair na rua saudáveis, divertidos e leves tendo o facebook como
nosso laxante emocional. Não precisamos mais correr atrás da gatinha para uma foda
pós boate. Não precisamos mais bater na mesa do bar para dizer o quanto somos
mengão. Não precisamos mais olhar nos
olhos da pessoa e dizer o quanto a amamos.
Gastamos todo tempo
de vida real gerando conteúdo para nossa vida virtual. Somos celebridade de nós
mesmos. Tristes palhaços sem circo.
Quanto focamos no indivíduo, no caso eu e você que está
lendo, estes hábitos parecem um tanto infantil e fáceis de controlar. Mas a
carência é a mãe de todos os vícios e a sensação de impunidade virtual excita.
Posso xingar, me exibir, posso me vangloriar e nada vai acontecer comigo. Assim
como as putas de Amsterdam estamos escondidos atrás de um vidro, rebolando
nossas farturas atrás de likes em forma de gorjeta. A grande guerra que o ser
humano está prestes a enfrentar é contra sua própria hipocrisia. Neste momento,
militares zoados em programas de comédia estão sendo cotados para presidente no
Brasil. Jogadores negros estão sendo chamados de macacos na Europa. Jornalistas
estão sendo degolados com transmissão ao vivo na Síria. As redes sociais estão legitimando o lado
mais sujo dos homens.
Minha bisavó costumava conversar com o rádio e dar boa noite
para o apresentador do Jornal Nacional, o que divertia os mais novos,
acostumados com a tecnologia. Espero que o mesmo aconteça conosco. Quando for
coroão tirando uma selfie e minha filha rir destes modos tão antigos, quero
ver através de seus olhos que tudo não passou de empolgação e nossos demônios
voltaram para dentro do armário por sermos muito mais smarts que eles.