quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

GIGANTES SEM CORAÇÃO

Dizem que o carnaval de Olinda é na rua. Bobagem. O carnaval de Olinda é na rua, no quarto, no quintal e na avenida que liga seu ouvido ao coração. Se não pelos restos das fantasias em cada cômodo da casa alugada, é pelo entra e sai de gente cheia de feromonio. Todos jogam charme, todos se exibem, todos pensam na possibilidade de ter o outro. Os que não podem, cedem e os que podem, extravasam. Fugimos de alguns olhos para cair em outros, seguramos na cintura, pegamos na mão, fazemos gentilezas e agradecemos em sussurro. Nesta festa de bonecos gigantes sem coração variei tanto de humor e postura que fiquei irreconhecível mesmo sem máscara e acessórios. Se por um momento fui o bárbaro romano correndo com minha capa vermelha entre os foliões também fui o solitário Wally a procura do olhar preciso.

Finalmente quebrei a barreira que me separava das raízes musicais mais atraentes no Brasil. Desci de avião na barriga do nordeste, no colo de Chico science e Lenine e também nos seus desgostos e delícias. A simplicidade e engenhosidade das pessoas e das coisas são o maior contraste desta terra. Gente que dorme esticada no chão como uma ripa, sem coberta nem nada, ao mesmo tempo, é capaz de criar arte da matéria bruta com enorme delicadeza. Olinda come carne de bode e arrota melodias de pássaro raro. Olinda não sabe trabalhar, esquece da higiene mas é absolvida pelos anjos que dançam lá de cima com seus pífanos e alfaias irresistíveis. Como esquecer do velhinho tocador de tarol com os olhos marejados ao contar a história de virgulino lampião para uma gringa que nada compreendeu?

Ainda pisco em ritmo de frevo e me vem a mente os tantos piratas, bruxas e abelhinhas que dormiram juntos no mesmo conto de fadas mambembe. Parece que os meninos ainda estão na calçada com suas bazucas de água detonando quem passa na frente e olha ali o outro que estava vestido de vaca transfigurado em girassol dançarino. Cuidado com aquele loirinho em cima da minha colegial. Mas como vou lá se estou aqui esperando a palhacinha passar?Olinda foi uma festa intermitente onde só existe silêncio entre um ribombar e outro do tambor.

Mas para sobreviver a este carnaval é preciso ter organismo valente, paciência de monge e desprendimento material. Meu colchão foi roubado três vezes no mesmo dia, já o ventilador só uma. Onde eu dormia descobri uma loira apagada no meu lugar e onde eu tomava banho cagaram a tábua do vaso que logo em seguida foi roubada. Agora um chapéu de palha presenteado, a espada, uns óculos sem perna e um boné desconhecido estão vindo deslizando pela esteira do aeroporto junto com meu entulho de roupa suja que sobrou. Ainda estou cansado para colocar o ano de 2010 nas costas. Não sei se deixo passar a bagagem mais uma vez. Preciso reorganizar a mente, lembrar onde estão as chaves de casa, qual é o trabalho que me espera agorinha no escritório, quanto tenho na carteira. É muito cedo para saber o que sobreviverá inteiro dentro de mim e o que se vai para sempre depois deste carnaval. Gostaria que minha morena ficasse. Gostaria que minha gringa voltasse. Gostaria de não andar tão vulnerável. Gostaria de comprar um novo instrumento. Mas o ano ainda se espreguiça. É hora de deixar decantar, curtir o som da minha respiração e fechar as cortinas por uns dias deste concerto impressionante.

3 comentários:

Unknown disse...

É chu..bem vindo a vida real novamente. Já estava com saudades das suas histórias, dos seus relatos...da sua desinibição com as palavras...ah meu pequeno chuchu príncipe....

Unknown disse...

Mt bom o texto cara!!
Demais mesmo!!

Abraço e até a proxima
Léo Gaucho

Camilinha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.