Acordei com as veias endurecidas feito galhos secos e um sangue grosso de geléia de morango. O coração bate acelerado e sobrecarrega as baterias lembrando meu antigo Chevette tentando vencer as ladeiras do pontal do Atalaia. Ele não chegou lá, como eu. O dia dos namorados vem anunciado na rádio, no job de um cliente, na promoção do shopping, no convite para minha banda tocar. Não faço do dia 12 de junho um velório onde ficarei em volta de tudo que já morreu, relembrando as histórias felizes. Necas. Esta seria uma data oca que passaria batida se não tivesse ninguém morando nela, se eu não tivesse enfiado com colheradas de aviãozinho, goela abaixo da minha razão, uma mulher que ama outra pessoa, não a mim. Passar esta noite cantando para casais apaixonados, que repetirão comigo suas juras, tomando minha voz emprestada para dizer no tom certo o quanto estão apaixonados, se torna até assustadoramente encantador.
Um isqueiro que ela perdeu, um espelho de corpo inteiro, uma viagem, uma tatuagem. Precisaria de décadas para dar tudo que sonhei um dia. Mas ela não quer nada, vive dizendo com total desprezo. Não quer vínculo, responsabilidade, não quer estabelecer uma relação. Talvez para um dia me deixar dormindo e com um bilhete escrito no espelho se despedir pra sempre sem dor na consciência, sem levar lembrança consigo. Engulo este pirulito de areia e com um sorriso amarelo uso minha expressão gasta de amante barato fingindo não ligar. Caso contrário ela distancia, silencia, finge partir. Afinal para discutir relação, se enrolar na coberta, cuidar de verdade, ela já tem companhia. Resta-me apenas oferecer a boemia, o papo leve, os risos, a sacanagem. Definitivamente não tenho vocação pra isso. Quero alguém que me ame até nas luas mais minguantes.
Ouço os amigos, o colega do trabalho e a moça da padaria. Todos são unânimes no pessimismo. Mesmo assim assumo o risco desta corrida com os cadarços desamarrados, sabendo que em algum momento cairei. E não falta gente torcendo para que isso aconteça, seja pela dor de cotovelo ou pelo oportunismo de me ver fragilizado. Hoje eu entendo o Forrest Gump e sua eterna vontade de correr, sem saber se está em busca de algo ou fugindo dele.
Já se passaram três meses desde aquele dia que os strobles e slide-flash chacoalharam dentro de mim e não perco tempo em avaliar se vale a pena ou não, simplesmente porque a vida acontece com seu fluxo irregular, mas me culpo ao permitir a infiltração deste amor pelas paredes, me culpo pela prepotência de achar que posso manter tudo sob controle, me culpo pela ingenuidade de criança encantada com o picadeiro acreditando nos palhaços que choram e nos trapezistas que voam. Talvez este dia dos namorados torne-se um marco, o reinício do meu inverno particular, onde depois de noventa dias de sol quente e flores na janela, a saudade caia estragada do pé, o horizonte desapareça em nuvens e a esperança hiberne por mais dois longos anos.
Um comentário:
O jardim do vizinho é sempre mais florido que o nosso. Plante no seu jardim e pare de desejar o do vizinho.
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