quinta-feira, 20 de março de 2008

DONT RAVE MONEY

Como todo filme de terror o início é cativante. Eu e um mineiro contra quinhentos gaúchos barulhentos. A disputa?O título de melhor vídeo publicitário no Festival de Gramado. Perdemos, fique sabendo. Na saída, uma filipeta “festa de encerramento?Foda-se, estamos dentro”.

Depois do sobe e desce de táxi, racha para pagar a entrada, lá estávamos. Era minha primeira vez numa RAVE e não sabia ao certo como me comportar. Despistei o amigo na primeira curva e fui me aventurar. Eu tinha namorada, era supervisor da agência, uma postura a zelar. Ficar ao lado do aluno era queimar o filme, já bastava ter perdido um prêmio que estava no maior clima de já ganhou.

Logo na entrada fui entendendo o mapa do local: Lado esquerdo, dedicado ao som ao vivo, do lado direito, som mecânico e embaixo, o mais cheio, o underground. Tudo igual. A música que chacoalhava a galera era a mesma. Um bate estaca de compasso repetido no qual o DJ usava o mesmo recurso que eu nas festas juvenis. Ora baixava, ora escancarava o volume. Deixa estar. Fora da habitual pegação sulista, encostei-me no balcão como um quarentão recém-separado, preparado para rodar as pedrinhas de gelo com o dedo. Daí que tudo começa. No paga daqui, paga de lá, não sobrou nada na carteira e o lugar, pra variar, não aceitava cartão.

Foi pensar em sentir sede e a saliva logo sumiu e, não demorou muito, a língua começou a crescer na boca, como a de um camelo. Implorei, pedi, juntei as mãos, mas não rolou. A moça do caixa estava inflexível, com aquele complexo de pequena autoridade irritante, me pediu licença e continuou seu trabalho. Primeira alternativa: O aluno. Ele era quietinho, franzino, gente boa, não negaria emprestar um qualquer pro amigo.

A incursão na multidão talvez tenha sido a melhor parte desta história. Eu, e um mar de loiras, sacudindo, dando e tomando beliscão na bunda. Pensar que eu poderia estar encaixado numa futura miss Brasil me deixou eufórico. Com tesão, vá lá. Aperta de um lado, afrouxa do outro e nada do meu camarada aparecer. A segunda tentativa seria usar a carioquice que Deus deu, mas logo vi que não dava. Com o pancadão comendo solto, eu poderia ser persa, judeu, iraniano, que ninguém conseguiria ouvir minha voz. Do nada, alguém pega na minha mão e um sorriso lindo – e úmido – apareceu na multidão. Acho que na RAVE é assim, na pescaria. Fui seguindo, muito mais de olho no seu copo de chopp que nos dotes físicos. Era na descida do underground e a fumaça já anunciava: aqui é chapa quente.

“Essa é fulana, essa é ciclana”, nem perguntaram meu nome, e nem me deram bola. Até hoje acho que a moça me confundiu com alguém, afinal fiquei ali, sem lá nem cá, ignorado solenemente por umas meninas que dançavam alucinadas. Nunca vi animação assim. Filmei o ambiente e nenhuma bebida, agora, somente copos vazios. Do pouco que compreendi naquele festa do inferno foi “Quer uma bala?” Aceitei de imediato. Já que eu não podia dar uns beijos, pelo menos algo para estimular a salivação. Do nada, fui tomado por uma onda esquisita, como se eu tivesse engolido todos os agudos e graves do ambiente. O coração socava meu sangue para os quatro cantos do corpo, dava para ouvir, e fui ficando emocionado com a minha própria existência de ser. No primeiro esbarrão senti todo os meus pêlos do braço ouriçados e o bico do meu peito ficou duro. Cruz-credo. Queria ir embora mas senti tanto medo que comecei a chorar e rir num destempero de sal e doce. Não sei qual foi a hora que comecei a dançar mas talvez tenha sido a melhor saída. Batia o pé no chão feito índio e passava a mão pela cara e a cabeça, suado e despenteado. Minha alegria durou até o celular tocar:

- Alô?Amor?Sou eu sua namorada...
- E o prêmio?Você ta na farra. Dá pra me explicar?

Não tinha percebido mas a minha mandíbula havia também travado com essa bala do capeta e nem conseguia falar nada. Quase babando, tentei escrever uma mensagem mas as teclas haviam triplicado e se mexiam conforme a música. Fui me escorando e descendo o corpo, lentamente, escorregando até o chão. Sentei, encolhi as penas, e percebi uns dois ou três malucos agarrados na caixa de som, tentando entrar pela corneta, pelo alto falante, completamente estranho, lembravam cupins na lâmpada em noite de verão. Com medo de ficar como eles, segui as paredes e depois de girar naquele buraco acabei encontrando o ar puro pela saída de emergência. Era demais pra mim. Descobri uma secura na boca como nunca havia visto e me peguei correndo a caminho de casa, de boca aberta, disposto a vencer quilômetros sozinho, a pé. Putz, começou a chover. Bom, agora o que não falta é água.

sexta-feira, 14 de março de 2008

PARAÍSO DE MIM

Tenho dias de rocha. Geralmente estes são motivados por notícias boas, expectativas ou conclusões pessoais. Mas também tenho dias de areia. Nestes me fragmento em mil e me dissolvo em ausências, discordâncias e saudades. Nos dias de rocha, sou pedregulho rolando ribanceira abaixo, não tenho dúvida nem medo. Aproveito a paisagem que passa na janela, sou o durante, não o antes, muito menos o depois. Nos dias de areia, não tenho rumo próprio, dependo do vento que me orienta e torço para encontrar a quina, o cantinho, onde a sujeira se acumula e o momento dá um tempo para eu ser feliz. Posso dizer que sublimes são os encontros onde alguém une seus dedos mágicos e, fazendo um punhado de mim, me faz sentir gigante. “Afinal basta cair um grãozinho no olho, que já era.” diz ela, se divertindo. Porém não há dúvida da decepção que rege os encontros destruidores de castelos, com suas ondas de egoísmo e insensibilidade, arrastando canais e trincheiras de alga e conchinhas do mar. Não julgue. Taque a primeira pedra quem nunca foi areia, grãozinho qualquer que amanhece encolhido no cantinho do dedão, torcendo para não ser espanado. Varra a primeira areia quem nunca foi rocha, dando cabeçada no vazio, vendo a lágrima cair sem se mexer. Grande ou pequeno, volúvel ou inflexível, estes são os paradoxos do paraíso de mim.

Nesta praia que me tornei sobram espaços para ver o pôr do sol e os cocos saltam
desanimados no chão. No entanto, com a soberba dos grandes resorts, insisto em limitar seu acesso, insistindo na segurança de ter dias completamente iguais. Às vezes, quando o frio bate, cato com um rastejar de lagarto as últimas pegadas que deixam sua identidade displicentemente, sem imaginar o quanto tatuadas elas ficaram na minha memória.
Elas são esquecidas apenas quando os vaga-lumes invadem minhas terras. Sou apaixonado por eles. Lindos, matreiros e egocêntricos, que ofuscam as estrelas e me acordam de uma letargia infinita. São como as fadas que tocam minha esperança com suas mãos leves e me fazem acreditar em coisas mágicas, inimagináveis. Espero aqui sentado, o dia que me crescerão asas e aprenderei com eles o quanto de amor próprio é necessário para se fazer acender por completo. Por enquanto aproveito sua breve presença, fazendo troça do meu amor, fazendo me segui-los por horas até o momento que cansam e desaparecem na escuridão.

Um dia, esta porção de terra, perdida no meio de tanto mar, já foi agarrada a outra porção, que por sua vez se agarrava a tantas outras que me davam um título de cidade ou país. Hoje bate um medo quando vejo as luzes da cidade no horizonte, se afastando de vento em popa e sempre me pergunto se não são mais felizes aqueles que se deixam habitar por qualquer trocado, colando cartazes de propaganda na porta do coração, acabando por criar uma superlotação sentimental. Acho que não. Afinal, ninguém paga pelo silêncio das manhãs sem culpa, da liberdade de ir, vir e ser. Quando esta nau em forma de ilha se encontrar com sua alma gêmea não pegará emprestado suas belezas naturais e sim as multiplicará, afinal, amor próprio é olhar para dentro de si e admirar sua própria paisagem.