terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

AMOR DE SEIVA BRUTA


Gosto dela quanto gosto do mar. Gosto quando está salgada, gosto de sua cor de areia molhada. Tem para mim um encanto, e seu colo, o mesmo balanço moroso de traineira em ponto morto. Já não vivemos tempos de tormenta e quando voltamos pelo litoral, substituímos a conversa pelo silêncio que a lua nos impõe.  É fugindo da rotina urbana que posso estudar sua natureza decantar.

Como uma janela que se abre todos os dias, antes mesmo de me livrar dos trincos, tenho em mente tudo aquilo que verei entre as ventanas. Curvas, nuvens, florestas, insetos e flores, tudo cabe na beleza desta mulher. Em qualquer lugar, sem muito esforço, sou capaz de  ouvir sua voz manhosa, ver seus olhos redondos e sua boca de grão de café. Sei, sem dizer uma palavra, quando está furiosa, agitada, ansiosa ou relaxada. É pouco, mas já me garante um visual deslumbrante.

Neste ponto onde o amor deu a volta no calendário e os dias começam a se tornar repetidos, encharca meu cascalho um amor de seiva bruta, melado e espesso. Matéria-prima que só ganhará valor através de quatro mãos. É preciso dar um destino ao amor, como os sulcos venosos esculpidos para a sangria do látex. É preciso ter perseverança de garimpeiro, que espera, com olhos fixados, cada ponto brilhante. É preciso ter sempre a mochila nas costas para ser capaz de mudar tudo de lugar sem perder o faro por preciosidades.

Do último passeio não trouxemos conchinhas, mas algo que nunca se viu em terra. A peguei pela mão e, numa jornada entre bolhas de ar e água a conduzi para o fundo do mar, que se deixou levar, cúmplice e confiante. A manobra não é das mais fáceis: é preciso parar lá embaixo, sem movimentos bruscos ou coração acelerado. Permanecemos por dois segundos, tempo suficiente para ouvir os mil sinos marinhos. Eles estão lá me esperando, desde a infância, e já cheguei a desconfiar que era o único a ouvi-los. Mas ela ouviu, emergiu com um sorriso de vitória e nem sabe o quanto fui feliz ao dividir mais este tesouro. O outro tesouro também ficou por lá. A chamamos de Cama Mágica porque tem o poder de nos proporcionar sonhos lindos que, vez ou outra, entrelaçam-se à noite. Está escondida no quarto sem janelas, onde também ficam os fósseis de caramujo, artigos de pesca e uma bóia inflável com cara de dragão envergonhado. 

Aproximar estas duas paixões são obras de puro interesse particular. Ambos me impressionam e me desafiam. Estando fora das estatísticas que determinam quem são os jovens do país, tenho a obrigação de me preparar para o futuro. Sou um jovem adulto e, ao invés do martírio pela idade avançada, prefiro gozar seus prazeres com o tempo. Muitas lacunas serão preenchidas, perdas serão assimiladas, conquistas serão celebradas. Mas nada tão profundo e misterioso quanto meu amor e meu mar.


Para J.D.