O amor é como poeira. Vai invadindo pela fechadura, pelo vão debaixo da porta, quando ninguém vê. Aos poucos, começa a tomar conta do ar, a sufocar. Mas hoje foi dia de faxina e o sentimento mais exaltado do mundo foi varrido para o quintal. Deixe ele lá. Assim como a conta de celular e o cartão de crédito, estou convencido que não posso usá-lo impunemente. Mas ela pede, provoca, estende a mão, sorri. Não resisto e toma de amor, toma, toma, toma. Ainda bem que o SERASA não anda por estas bandas do coração.
Não me ensinaram a amar e tenho dúvidas sinceras se alguém a minha volta amou de verdade. Nos meus álbuns de fotografia estão sorrisos alegres, olhares de esperança, abraços de alívio. Amor, necas. O que aprendi foi por extinto, no pulo do gato, e minha mentalidade emocional sinto que tem apenas oito anos. Não há outra explicação senão a inocência para me entregar de mãos beijadas a pessoas que nunca se propuseram a cuidar de mim. Criança idiota, agora fica aqui dentro me pedindo colo e atenção.
Vivo hoje uma excitação vista em filme de ficção. Tenho a capacidade de ressuscitar meus dinossauros mas morro de medo deles acabarem comigo. Sem eles não há lágrima, noites solitárias ou declarações cheias de babadinho. Só hedonismo. Foram dois anos satisfazendo apetites sexuais e exigências do ego. Na noite, homem decente é peça rara. Homem solteiro então, vale ouro. Conheci gente boa, gente fina, gentileza, gente só, que somem e aparecem. No final das contas, as companhias na boemia estão vivendo momentos passageiros de suas vidas e pegam carona em você até a próxima estação. Numa semana estão solteiras e disponíveis. Na outra, casadas e condescendentes. Resumindo: fiz da exceção da vida a regra destes meus dias.
Graças a Deus ela apareceu e trouxe de volta a beleza das coisas simples. É uma mulher com muitos valores e poucos pudores. Perfeita pra mim. Tem a malandragem da rua e a nobreza no mesmo ser e confunde meus faróis que nunca conseguem acompanhá-la. Sou antes de tudo seu admirador, seja pela fome que já passou ou pelas manias que até soam como certo mimo a si mesma. Me impressiona como ela conhece meus segredos e me desarma impiedosamente, como fazemos com os laços, por isso guardo sempre no bolso a meia-culpa, que utilizo sem dó.
Mas ela não é minha, digo sempre para mim como um mantra tibetano. Quando não convencido, abro sua foto acompanhada, no pc, e retalho minhas esperanças mais uma vez. Hoje me sinto apaixonado pela grama do vizinho onde, a cada ausência sua, pulo a cerca e vou brincar. Nosso relacionamento é intenso, verdadeiro, mas vive sob a vigilância do calendário, como uma menstruação. Poderia até te dizer que, como bom amante, acredito um dia assumir este cargo de confiança mas a descrença no amor também puxa meu outro braço rumo ao individualismo e a proteção de mim mesmo. Ainda não sei se sou o alpinista com fôlego infinito ou o cachorro que corre atrás do próprio rabo, na dúvida, dei um pause no meu coração e entreguei o controle remoto pra ela. Se vai acelerá-lo ou ejetá-lo, só ela poderá dizer.