quinta-feira, 1 de março de 2012

AMOR COME-DORME

Desconfio que é amor porque, não contente em dividir encontros casuais, também sinto vontade de partilhar com ela meus prazeres fisiológicos, que aprendi sem aprender, ainda no ventre da minha mãe.

Quem ama come mais. E os casais que saem para comer não o fazem por falta de criatividade, e sim porque existe uma ligação entre a cama e a mesa, na descoberta dos prazeres. Empapuçar-se em um rodízio não me parece nada romântico mas descobrir o sabor do manjericão, sim. Como também revelar o restaurante da infância o desenterrando de uma ilha imaginária. Quem ama tem prazer em cozinhar mesmo sem fome, para acompanhar, feito voyeur, o outro deleitar-se sem pudor. Livro de receita e kama sutra. Sexo e gastronomia. Quem ama usa o tempo e o tempero a seu favor, usa o paladar quando nenhuma outra palavra basta.

Não sai da minha lembrança a redescoberta da cana-de-açúcar gelada, cortada em palitinhos, que ela avistou na estrada, em uma tarde que o céu tinha a cor de chá-mate na jarra. Não esqueço a fome que sentimos juntos e a lula recheada que deixamos para trás.
Desconfio que é amor desde o dia que a mordida no seu sanduíche revelou mais afinidades que uma tarde inteira de papo furado.

Quem ama dorme mais. E os casais não o fazem por exaustão ou monotonia. Fazem porque ao lado do amado é possível sonhar sem limites, encorajados pelo toque sob o lençol. É como se aquele braço embaixo do travesseiro ou aquelas pernas enroscadas simbolizassem um cordão umbilical invisível, que o acompanhará por todos os becos e abismos do inconsciente, te resgatando de bate-pronto para um abraço acolhedor, caso tudo dê errado.
O silêncio da noite inspira, inclusive a trégua, mesmo quando há uma guerra declarada. Dormir profundo com outra pessoa é baixar suas armas, é dividir a paz.

A urgência de estar apto, sem remelas, com um sorriso no rosto, aos poucos cede espaço para mais meia hora de sono. A cama, antes um deserto de dunas feitas por edredon, agora é disputada palmo a palmo quando a temperatura do corpo esquenta e separamos os corpos momentaneamente. Nestas horas me forço a abrir os olhos para vê-la dormir. É como uma paisagem vista da janela, viva porém quase imóvel. A observaria por horas como fazem os pescadores antes de enfrentarem as marés, mas não resisto e, ignorando o calor, volto a me enroscar nela, embalado por seu ressonar de sereia.

Desconfio que é amor porque bebemos, saímos, rimos, dançamos, cantamos, enlouquecemos, mas também comemos e dormimos demais.


Para J.D.